segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

O Paraíso com os meios da Queda

Em http://oleniski.blogspot.com/2007/10/tenso-religiosa.html e http://oleniski.blogspot.com/2007/10/tenso-religiosa-ii.html tratei da tensão essencial que está no âmago da religiosidade, a tensão entre o caráter atemporal do mundo divino e o caráter temporal do mundo humano.

A religiosidade surge do fato de que nossa existência temporal somente tem sentido e importância a partir de uma dimensão transcendente e atemporal que ultrapassa qualquer consciência individual. Assim, este mundo é uma parte ínfima de uma verdade ainda a ser descortinada.

A teologia ortodoxa afirma (contra o amartiocentrismo de Tomás de Aquino) que a Encarnação do Verbo, o nascimento do Messias, é a realização da divinização da natureza por iniciativa exclusiva de Deus. Ou seja, Deus se torna homem, encarna-se, torna-se temporal, para que a criação temporal seja tornada divina. O mundo divino absorve o mundo dos homens. Realiza-se a junção entre o transcendente e o imanente.

A tensão religiosa é resolvida então por Deus e em Deus. Não é o homem que constrói uma ponte entre essas dimensões, mas é Deus que toma a iniciativa. É graça e não trabalho humano. Como dizia São João da Cruz, "se é verdade que o homem procura Deus, é mais verdade ainda que Deus procura o homem."

A civilização ocidental, pós-Idade Média até nossos dias, se caracteriza pelo processo inverso. Dostoievski, Nietzsche, Cioran, Voegelin entre outros (com semelhanças e diferenças) perceberam que o caminho ocidental marcava-se pela tentativa de fazer coincidir a cidade dos homens com a cidade de Deus, fazer o imanente, o temporal engolir o atemporal e o transcendente.

Ou seja, o ocidente tentou realizar o paraíso aqui mesmo na Terra com os meios terrestres. Seja a idéia do progresso científico-tecnológico do iluminismo e de seus filhos cientificistas, seja as idéias de sociedades pacíficas, igualitárias e utópicas do anarquismo, seja a sociedade sem classes do socialismo-comunismo ou a raça ariana nazista, todas querem fazer o paraíso à força. Contem-se os corpos...

A unidade e a felicidade trazidas ao mundo por meio da força e do engenho humano, eis o que se tentou realizar. Entretanto, os valores transcendem os indivíduos e estes só o podem encarná-los limitadamente.Tentar fazer com que os indivíduos os encarnem perfeitamente, por força humana somente, é não compreender suas naturezas (a dos homens e a dos valores).

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