Um exemplo que considero claro da tensão exposta no post anterior é o de Arjuna e Krishna. Resumindo selvagemente a beleza do Bhagavad Gita, Arjuna é um príncipe Kshatria (casta guerreira) que vai à guerra contra seus parentes próximos. Antes da batalha questiona-se sobre a validade daquela luta fratricida.
Krishna, seu auriga, surprendentemente mostra-se como um avatar (manifestação corporal) do absoluto (Brahman, o imanifestado) e lhe ensina a verdade sobre as coisas. Este mundo fenomênico (o mundo que percebemos cotidianamente), captado pelos sentidos e afetos nada mais é que Maja (ilusão), fruto da Avdja (ignorância). Matar não significa extinguir alguém, pois esse corpo material é um invólucro ilusório e no fundo, as coisas materiais não têm constituição ontológica, ou seja, não existem no sentido forte do termo existir.
Se isto é assim, então para quê ir à guerra? Ela no fundo não é ilusória ? Agir neste mundo não é entranhar-se nessa teia ilusória ? Não é identificar-se com um "eu agente" que afinal de contas é tão ilusório quanto o resto ? Agir não é dizer de si mesmo "sou aquele que age" e esperar os frutos dessa ação (sentido original de Karma) e assim aprofundar-se na ilusão ?
Não seria a inação o melhor caminho ? Renunciar ao comércio com este mundo ?
Não é necessário explicitar os perigos desse pensamento para a ordenação social. Qual a solução da Gita ? O Karma-Yoga, ou seja, a disciplina de agir no mundo sem se preocupar com os frutos da ação. Agir sem identificar-se com o agente, aquele que anseia por resultados.
Assim, o nobre guerreiro mantém sua função social (guerrear) como Krishna dele exige e, ao mesmo tempo, se torna iluminado. Para reforçar essa resposta, a Gita nos diz que não se pode ser jamais inativo, pois mesmo Krishna, personalidade de deus, é ele mesmo sempre ativo.
Cumprir seus deveres sociais e ao mesmo tempo ser consciente da ilusão deste mundo é, mais uma vez, a mensagem (ou uma das principais) do Bhagavad Gita. A doutrina do Karma-Yoga é a solução elegante pra esse conflito que perpassa a religião.
Se essa solução dá conta do problema é um questionamento que não será levado a cabo neste post. Minha intenção foi somente exemplificar com um caso concreto as teses expostas no post anterior.
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