sábado, 6 de outubro de 2007

Hume e o ceticismo relaxado.



O ceticismo sempre foi considerado um perigo. Hume percebeu que isso não era lá tão verdadeiro. Pelo menos, não verdadeiro quanto à nossa capacidade de ação mais imediata, aquela do cotidiano, de comer, beber , etc... A incapacidade de dizer se qualquer coisa, mesmo as mais familiares, são verdadeiras levaria à morte do cético.

Hume diz-nos para não nos preocuparmos com isso, pois mesmo que duvidemos seriamente que o Sol irá se levantar amanhã, isso não evitará que tenhamos uma boa noite de sono. E porquê? Bem, nossas dúvidas só alcançam a casca da vida. Não somos capacitados a duvidar daquilo que garante nossa sobrevivência. Podemos duvidar de teorias mil, até da realidade do mundo externo, mas quando tiramos o nariz do livro, ou saímos da aula, somos os mais comuns dos mortais. A dúvida se esvai. Somos incapazes de duvidar seriamente, de seguir até o fim da cadeia de razões que nos conduziria ao abismo. Sobrevivemos somente porque somos incapazes.


Clément Rosset afirma que somos os únicos seres capazes de saber o que sabemos, mas que somos incapazes de suportar o que sabemos. Algo se interpõe entre o que sabemos e o que fazemos. É nossa natureza. Por isso Hume era cético "relaxado"(como ele mesmo dizia de si), ou seja, tinha dúvida de seu próprio ceticismo e do alcance de suas dúvidas. Os céticos antigos recomendavam o seguimento dos costumes antigos por não conseguirem determinar a verdade de nada.

Conselho supérfluo. Pelo menos no caso de nossas crenças mais imediatas. A natureza já nos dotou de uma incapacidade salvadora de levar as dúvidas até o fim. Levar as dúvidas até o fim, sustentar a insustentabilidade da mais familiar das crenças seria um ato de confiança final em nossa própria capacidade argumentativa...mas nem isso conseguimos. A natureza nos fez céticos de nosso próprio ceticismo.

2 comentários:

Unknown disse...

o que você acha da visão de Comte, que considera o ceticismo como um estado de crise, somente a trasição de um dogmatismo pra outro novo?
Pelo o que voce diz, esse estado seria o natural, e não o estado dogmático como ele defende? [só pra te provocar um pouquinho]

R. Oleniski disse...

Bem, o que quis dizer é que o ceticismo tem limites impostos pela nossa própria natureza. Hume mostrou que mesmo o cético não consegue sustentar suas dúvidas quando estas ameaçam sua sobrevivência imediata. Mesmo que queira duvidar, por exemplo, da realidade do mundo externo, ele só vai conseguí-lo durante suas reflexões. Mas quando estas acabam e ele tem de voltar à vida cotidiana, então as dúvidas se esvaem. O elemento naturalista em Hume tem um papel moderador e limitador do ceticismo. Cético realmente é aquele que é cético de seu ceticismo, aquele que sabe que, com respeito às crenças mais imediatas, ele não é muito diferente do comum dos homens e também dos animais.