sábado, 29 de junho de 2013

Aristóteles, Aquino e a demonstração do Motor Imóvel I




"Tudo o que está em movimento deve ser movido por algo. Logo, se ele não tem em si mesmo a fonte do movimento, é evidente que é movido por algo diferente de si mesmo, pois deve haver algum outro que o mova. (...) Uma vez que tudo o que está em movimento deve ser movido por algo, assumamos o caso no qual algo está em movimento e é movido por algo que está, ele mesmo, em movimento e que, de novo, é movido por outro que está em movimento, e este por um outro e assim sucessivamente. Então a série não pode continuar ao infinito, mas deve haver um primeiro movente."

ARISTÓTELES, Física, Livro VII, 241a [24-26] e 242b [16-20]

"A primeira via é esta: Tudo aquilo que se move é movido por outro. É evidente aos sentidos que algo se move, como, por exemplo, o Sol. Logo, deve ser movido por outro movente.
Ora, esse outro movente ou é movido ou não é.
Se não é movido, confirma-se o nosso intento, isto é, o de que é necessário afirmar-se que há um movente imóvel. A este denominamos Deus.
Se, porém, é movido, então o é por outro movente. Assim sendo, ou se deve proceder indefinidamente, ou se deve chegar a um movente imóvel. Mas como não se pode proceder indefinidamente, é necessário pôr um primeiro movente imóvel."

TOMÁS DE AQUINO, Suma Contra os Gentios, Livro I, cap. XIII (tradução de Dom Odilão Moura, OSB)


"A primeira e mais manifesta via é o argumento a partir do movimento. É certo e evidente a nossos sentidos que neste mundo algumas coisas estão em movimento . O que quer que esteja em movimento é posto em movimento por um outro, pois nada pode estar em movimento a não ser que esteja em potência àquilo ao qual está movendo-se. Contudo, uma coisa só move se estiver em ato. Pois movimento não é nada mais do que a redução de algo da potência ao ato.Mas nada pode ser reduzido da potência ao ato a não ser por algo que esteja em ato. Assim, aquilo que é quente em ato, como o fogo, torna a madeira, que é quente em potência, quente em ato e, por conseguinte, move-a e muda-a.  Ora, não é possível que a mesma coisa deva estar em ato e em potência sob um mesmo aspecto, mas somente em diferentes aspectos. Pois o que é quente em ato não pode simultaneamente ser potencialmente quente, embora seja simultaneamente fria em potência. Por conseguinte, é impossível que sob um mesmo aspecto e numa mesma forma algo deva ser movente e movido, isto é, que ele deva mover-se a si mesmo. Então, seja o que for que seja movido, deve ser movido por outro.  Se aquilo pelo qual ele for movido for também  ele também movido, então este também deve ser movido por outro e este por outro também. Mas isso não pode ir ao infinito, porque então não haveria um primeiro movente, e, consequentemente, nenhum outro movente, dado que os moventes subsequentes movem  somente porque são movidos pelo primeiro movente, justo como o bastão move somente porque é movido pela mão. Consequentemente, é necessário chegar a um primeiro movente o qual não é movido por nenhum outro. E este todos entendem ser Deus."

TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, Parte I, Questão 2, Artigo 3



A primeira via de demonstração da existência de Deus é, talvez, a mais famosa das tradicionais cinco vias. Estas vêm, na Suma contra os Gentios e na Suma Teológica, imediatamente após uma discussão sobre o suposto caráter evidente da existência de Deus.

Tomás explica que certos autores defenderam que a existência de Deus era evidente por si mesma e que, por isso, restava ocioso empreender uma demonstração. Ora, o frade de Aquino mostra que autoevidente é uma sentença cujo predicado está contido já na definição do objeto, como no caso "homem é animal", já que, sendo o homem definido como "animal racional", a animalidade é parte essencial de sua definição.

Mas tal seria verdade na sentença "Deus existe"? Para que isso fosse verdade, a existência teria de estar necessariamente contida na definição mesma de Deus. Tal é o caminho do platônico Anselmo de Canterbury em seu célebre argumento ontológico. Segundo ele, o "ser do qual não se pode pensar nada maior" - a definição de Deus - não pode existir somente na mente de quem compreende o conceito, já que, nesse caso, faltaria a esse ser uma perfeição, a existência extra-mentis, o que entraria em contradição com a sua própria definição de "ser do qual não se pode pensar nada maior".

O problema, diz Tomás, não é afirmar que Deus é o ser cuja essência implica existência. Isso é verdade. O problema é que não nos é evidente que Deus assim o seja a não ser depois de um longo caminho abstrativo que se inicia na consideração das coisas sensíveis. Em outros termos, o aristotélico só pode alcançar o conceito do que quer que seja através de uma abstração que se inicia na evidência dos sentidos, nos exemplares concretos que se manifestam aos órgãos sensoriais.

O processo, por conseguinte, é das coisas ao conceito e não do conceito às coisas. Resta evidente que o caminho platônico de Anselmo é totalmente oposto ao caminho aristotélico de Tomás. Não será possível demonstrar a existência de Deus a partir da mera consideração do significado de seu conceito.  A demonstração não deverá ser a priori, mas sim a posteriori.

Mas, o que é uma demonstração? É a derivação da sentença ou tese a ser demonstrada de princípios verdadeiros e certos. Se quero demonstrar que "Sócrates é mortal", devo derivar essa sentença de outras que sejam certas e verdadeiras. Por exemplo:

Sei  que "Sócrates é homem", vejo isso com meus sentidos, sei disso com certeza. Sei também que "homens são mortais". Isso também sei com certeza, já que, por indução, conheço que a mortalidade faz parte da essência de ser humano, uma vez que o homem é um animal e animais são mortais.

Então, de "Sócrates é homem" e de "Homens são mortais" , posso derivar logica e rigorosamente que "Sócrates é mortal". É o conhecimento da mortalidade que faz parte da essência humana que posso, através dessa humanidade, incluir Sócrates no rol dos entes mortais. É o termo médio que liga a primeira premissa à conclusão.

Muito bem. Mas esse tipo de demonstração não é possível com relação a Deus porque justamente não o observo, não tenho Dele exemplares concretos com os quais, pela indução, posso abstrair sua essência, sua estrutura formal fundante que rege todas as suas instâncias.

Sei o que é o homem porque vejo diversos homens e minha experiência fornece bases para que o intelecto abstraia a natureza humana dos exemplares concretos de humanos e que, assim, eu possa dizer o gênero e a diferença específica que definem a "humanidade".

Em primeiro lugar, tenho a evidência imediata, sensível e inegável de que os homens existem. Pelo processo da indução abstrativa, conheço a natureza humana, isto é, aquilo que faz com que todos esses exemplares sejam o que são. Tenho o conceito do que é ser humano.

Mas, de Deus, não tenho nenhuma evidência direta na qualidade de um ente sensivelmente evidente. Que fazer, então?

Ora, Aristóteles dizia que não havia somente o gênero de demonstração acima apresentado. É possível demonstrar rigorosamente a existência de algo por seus efeitos. Isto é, é pelos efeitos divinos que será possível demonstrar a Sua existência.

Assim sendo, as cinco vias de demonstração da existência de Deus pretendem-se rigorosas e apodíticas, em nada assemelhando-se a princípios prováveis ou a argumentos de probabilidade. E a primeira via, a do movimento, se caracterizará por uma análise das condições necessárias e suficientes do movimento e que, por esse caminho, aportará na causa última do cosmos.

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