domingo, 8 de agosto de 2021

Marsilio Ficino, metafísica, platonismo e os nomes de Deus


"Ainda somos muito fracos em visão e não somos fortes o suficiente para abrir os olhos da mente e contemplar a beleza do Bem Supremo, incorruptível e incompreensível. Quando não tiveres nada a dizer sobre Ele, então O verás."

CORPUS HERMETICUM, Livro X, 5

"Deus ipse est essentia rerum, vita, virtus, actio, perseveratio, perfectio, reformatio, atque in mentibus puritas, illuminatio, perfectio, divinitas."

MARSILIO FICINO, Comentário aos "Nomes Divinos" de Dionísio Areopagita

O filósofo e padre renascentista italiano Marsilio Ficino, no início de seu longo comentário ao tratado sobre Os Nomes Divinos, de Dionísio Areaopagita, afirma que o princípio de todas as coisas, de acordo com o neoplatonismo, deve ser chamado mais propriamente pelos nomes Uno e Bem. O Uno está para além do intelecto, como aponta Plotino, pois tudo o que pode ser inteligido pela inteligência humana é limitado. 

Dizer o que algo é, captar intelectualmente a sua essência, é determinar (dar termo, fim) a sua natureza. Em certo sentido, ter uma essência, ser um ser, qualquer que ele seja, implica, por conseguinte, a limitação de uma unidade existencial que, por ser o que é, nega ser quaisquer outras possibilidades. Nosso intelecto só capta aquilo que é uno finito e não o Uno infinito, fonte de toda a unidade.

O Uno é supraessencial (υπερούσιων), isto é, está para além das essências. E como o intelecto só consegue pensar aquilo que possui essência, então o Uno é impensável intelectualmente. Pela razão natural, diz Ficino, nem o intelecto humano e nem o angélico podem captar a natureza de Deus tal como ela é em si mesma. O único meio de entender o que é Deus se dá por um tipo de união inexprimível (άρρητων) como a que Plotino faz alusão em suas Enéadas.

O Princípio é Uno pelo que é e Bem pelo que realiza. Isto é, pelo primeiro, é sumamente diferente de tudo o que há, e pelo segundo, é a causa que traz à existência todas as coisas que há, cada uma recebendo a luz criadora divina de acordo com sua natureza intrínseca. E é pelo amor que as mentes se voltam ao Bem supremo, ascendendo interiormente em um vôo na direção do celestial, como afirmava Platão.

Marsilio Ficino afirma que a relação entre as criaturas e Deus é análoga à relação entre a pessoa e a sua imagem em um espelho. Somos a essência da imagem, que em tudo depende de nós. De forma análoga, o próprio Deus é a essência das coisas, a vida, o poder, o ato, a perfeição e a reforma. Embora esteja intimamente presente nas coisas, Deus transcende a todas como seu Princípio último, não havendo relação proporcional entre Ele e quaisquer outros princípios ou efeitos. 

Os nomes que as Escrituras Sagradas atribuem a Deus não têm o objetivo de descrever Sua essência inexprimível, mas tornar conhecidos os diversos bens que fluem de sua bondade infinita. Os nomes não dizem o que Ele é, mas indicam o que Ele não é. O filósofo renascentista, comentando Dionísio e outros platônicos, afirma que os Inteligíveis servem como véus que encobrem Deus e permitem contemplá-Lo, assim como as nuvens mais finas permitem aos olhos humanos contemplar o brilho cegante da luz do Sol. 

Todas as coisas estão e não estão em Deus como a casa está no arquiteto, o calor está no Sol, os números estão no número um, e as linhas estão no ponto. Deus cerca, abarca e antecipa todas as coisas. Ele é a causa eficiente e a causa final de tudo. Plotino, Jâmblico e Proclo, e todos os platônicos, diz Ficino, embora atribuíssem diversos efeitos, poderes e eventos a diferentes causas, remontavam todas essas causas à Causa Primeira. Deus não somente dá ser às coisas, mas, por via da excelência, é todas as coisas sem mistura ou detrimento.
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