"Aquele que conhece o homem é sábio, aquele que conhece a si mesmo é iluminado."
"Aquele que vence os outros é forte, aquele que domina a si mesmo é o melhor."
TAO TE CHING, 33
O livro de Chuang Tzu conta que Yen Hui, discípulo do venerável Confúcio veio até seu mestre anunciar que havia progredido a ponto de esquecer-se da benevolência e da integridade completamente. Confúcio parabenizou o discípulo, mas completou dizendo que ele ainda não havia chegado a bom termo.
No dia seguinte, mais uma vez, Yen Hui foi ao mestre Confúcio anunciar que havia progredido. Dessa vez, havia esquecido ritos e música. E, também mais uma vez, Confúcio parabenizou-o, mas completou dizendo que o discípulo não havia chegado ainda ao final.
Dias depois, Yen Hui foi ter com seu mestre Confúcio para anunciar que havia progredido a ponto de sentar e esquecer de tudo. Espantado, o mestre perguntou o que isso significava. Yen Hui respondeu que deixava seu corpo cair e abandonava toda percepção e intelecto, bem como toda forma e entendimento, fazendo-se idêntico à Grande Transformação. Isso era o que significava sentar e esquecer tudo.
Confúcio respondeu que se Yen Hui havia se tornado idêntico à Grande Transformação, ele não mais possuía quaisquer apreços ou aversões. Se estava transformado, não mais havia qualquer permanência. Yen Hui havia se tornado um verdadeiro sábio. Confúcio, então, solicitou que Yen Hui o aceitasse como discípulo.
O que se mostra nessa passagem é o progressivo abandono das categorias humanas que o sábio tem de empreender no Caminho (Tao, 道). Ele deve ultrapassar ambas, a moral e a ética comuns. O certo e o errado são categorias de opostos, respondem ao mundo das dez mil coisas. Isso não significa que tudo seja permitido ao sábio ou que ele não seja perfeito moralmente, mas sim que sua perfeição não provém do mero seguimento de formas e injunções externas. Sua perfeição é a perfeição do Tao, o Princípio.
Tal abandono, porém, como indica Confúcio, não é suficiente. Os ritos humanos e os divertimentos também devem ser ultrapassados pelo sábio. Ambos enraízam-se nos costumes dos homens e nas suas aversões e preferências. De novo, insiste Confúcio, isso não é suficiente. O sábio deve sentar e esquecer tudo. O que isso significa? A identidade do sábio com o Tao.
Não se trata de quietismo ou de inação, mas do mistério de wu wei, a não-ação do Tao. Yen Hui explica a Confúcio que, abandonando os sentidos, o intelecto, as formas e o entendimento, ele se tornava idêntico à Grande Transformação. Aquilo que regra o movimento não está em movimento. Aquilo que rege a transformação está acima das transformações. Aquele que é idêntico ao Princípio das dez mil coisas não possui mais aversões ou preferências, nada há que nele permaneça.
O sábio está instalado no vazio da absoluta equanimidade. Não à toa, Confúcio inverte a relação de discípulo e de mestre e torna-se aprendiz de seu antigo aprendiz. Confúcio, na mentalidade taoísta, ainda está preso ao mundo dos opostos, e deve aprender com um sábio verdadeiro, Yen Hui.
Em outra passagem de seu livro, diz Chuang-Tzu: Não sejas uma carcaça de nomes ou uma tesouraria de esquemas. Não sejas servo de objetivos ou proprietário de fino saber. Fazei do inesgotável o seu corpo, e vaga para além das origens. Toma como suficiente tudo o que o Céu te enviar, e sabe que não possuís nada. Vive vazio, perfeitamente vazio. Os mestres sábios sempre usam a mente como um puro espelho: não saúda nada, não recusa nada. Reflete tudo, retém nada. E, assim, triunfam sobre tudo sem jamais serem feridos.
O sábio não deve se apegar às formas, aos nomes e aos esquemas. Tudo isso é parte da multiplicidade ilimitada dos limitados. Os objetivos são preferências, apego a isto e aversão àquilo. O inesgotável (Tao) deve ser o corpo do sábio, o Princípio último é sua natureza. Instalado na equanimidade absoluta do Tao, o sábio considera tudo satisfatório, pois nada lhe falta. Sabe que não possui nada do que é deste mundo dos opostos, pois o que ele possui é o infinito.
Sua mente é como um espelho perfeitamente polido que reflete tudo o que se posta à sua frente sem nada recusar ou saudar. Reflete de modo perfeito justamente porque é vazio. Só o que é vazio pode receber tudo. Mas o sábio recebe sem reter, já que a retenção é apego. O apego é como uma imagem que mancha e desfaz a polidez perfeita do espelho. Estando no Tao, tudo pertence ao sábio e nada pode causar dano a ele. Quem é idêntico ao Princípio possui tudo o que provém do Princípio de forma perfeita e sem máculas.
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Um comentário:
Curti o Tao pirrônico.
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