"Os modernos, em geral, não concebem outra ciência senão aquela das coisas que se medem, se contam e se pesam, ou seja, em suma, das coisas materiais, pois é a estas somente que se pode aplicar o ponto de vista quantitativo; e a pretensão de reduzir a qualidade à quantidade é muito característico da ciência moderna. Nesse sentido, chegou-se a crer que não havia ciência propriamente dita lá onde não é possível introduzir a medida e que não há leis científicas outras que aquelas que exprimem relações quantitativas; o 'mecanismo' de Descartes marcou o início dessa tendência que não fez mais do que se acentuar desde então." (tradução minha do original em francês)
RENÉ GUÉNON, La Crise du Monde Moderne, p.134
René Guénon afirmava que nossa época se caracteriza por um processo cada vez mais acentuado de materialização. Uma das expressões mais patentes desse materialismo se encontra na chamada "ciência moderna" nascida no século XVII e que pelos séculos seguintes se desenvolveu ao ponto de seus pressupostos se tornarem hegemônicos na compreensão que o homem ocidental tem de si mesmo e do mundo.
A ciência moderna é materialista porque seu pressuposto filosófico é o da redução do qualitativo ao quantitativo e este último aspecto se refere precipuamente à matéria, que é princípio de individuação e divisão. Assim, a realidade física, desde Descartes e Galileu, é identificada àquilo que pode ser mensurado e conhecido somente pela gramática geométrico-matemática. Valores, cores, cheiros e sabores são expulsos da realidade examinada pela ciência e relegadas à mera subjetividade.
Guénon considera que tal pressuposto é intrinsecamente profano, opondo-se ao saber verdadeiro constituído pelo insofismável conhecimento metafísico tradicional que se revela nas diversas religiões como uma unidade que transcende os ritos e teologias particulares. A predominância na modernidade de um saber exclusivamente de ordem material se configura como uma inversão da hierarquia justa dos saberes.
Entretanto, a busca por um conhecimento do gênero meramente quantitativo voltado à prática não pode ser vista como um acidente lamentável e contingente na trajetória humana. Ao contrário, ela é a atualização necessária de possibilidades contidas no ciclo das manifestações cuja marcha se caracteriza por uma crescente materialização (individuação, divisão, quantificação).
Então, segundo Guénon, se nossa sociedade ocidental pode ser considerada como anormal e desordenada a partir de determinado ponto de vista, por outro lado, considerada a partir de um ponto de vista superior e inclusivo, ela se mostra como uma conseqüência das leis metafísicas do ciclo eterno de manifestações.
Nossa era realiza a exploração daquilo que foi renegado nas eras anteriores, um conhecimento material inferior que só pode ser perseguido por homens que pertencem à uma época que se encontra em franca oposição aos valores e princípios espirituais mais elevados que regeram o princípio do ciclo cósmico.
A ciência constituída desde o século XVII sob a égide do quantitativo não poderá fornecer nada mais do que hipóteses imaginativas de curta vigência, uma vez que ela se detém nos aspectos mais grosseiros do real e se afasta decididamente das fontes tradicionais do conhecimento metafísico. Não obstante, para Guénon, seu domínio manifesta a era em que nos encontramos, o Kali-Yuga, e indica que o fim desse ciclo e o início auspicioso de outro se aproxima.
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