domingo, 23 de agosto de 2009

Guénon e a ciência moderna


"As coisas das quais tratamos, para a ciência atual, somente podem pertencer ao domínio das hipóteses, enquanto que, para as 'ciências tradicionais', elas eram bem outra coisa e se apresentavam como consequências indubitáveis de verdades conhecidas intuitivamente, portanto infalivelmente, na ordem metafísica. É, aliás, uma singular ilusão própria ao 'experimentalismo' moderno, crer que uma teoria pode ser provada pelos fatos, enquanto que, em realidade, os mesmos fatos podem sempre se explicar igualmente por diversas teorias diferentes (...) A 'ciência profana', aquela dos modernos, pode ser vista, de forma justa, como um 'saber ignorante': saber de ordem inferior, que se restringe inteiramente ao nível da mais baixa realidade, saber de todo ignorante de tudo aquilo que o ultrapassa, ignorante de todo fim superior a ele mesmo, assim como de todo princípio que poderia lhe assegurar um lugar legítimo, humilde que fosse, entre as diversas ordens do conhecimento integral." (tradução minha do original em francês)

RENÉ GUÉNON, Science sacrée et science profane (1927)

Em seu livro La Crise du Monde Moderne, René Guénon afirma que a ciência moderna é uma manifestação da rejeição ocidental ao saber metafísico tradicional. Na qualidade de um saber que se apóia no poder racional e discursivo (como a filosofia que lhe deu origem) e se concentra na esfera das realidades sensíveis e da utilidade prática, a ciência moderna é um saber de segunda ordem sem capacidade de alcançar qualquer verdade perene.

Guénon assevera que, em Aristóteles, o termo "física" designava uma ciência geral do devir ou do movimento, uma ciência segunda com relação à metafísica cujos fundamentos não eram mais do que uma aplicação e um reflexo no domínio natural de princípios superiores à própria natureza.

O fato de a física moderna ser basicamente uma ciência particular no meio de tantas outras que se dedicam ao conhecimento do mundo sensível denota, segundo Guénon, a perda dos princípios sintetizadores da tradição metafísica ainda mantidos pelo Estagirita e o triunfo da tendência analítica do espírito não-tradicional ou profano que caracteriza o ocidente.

Uma ciência, como a física moderna, constituída como independente de todo princípio supra-racional, cujas obras e efeitos se dirigem tão celeremente ao domínio da utilidade e da prática, não tendo nenhum ponto fixo sobre o que se apoiar, não pode se desenvolver a não ser como um conjunto mutável de hipóteses imaginativas, probabilidades e aproximações cuja autoridade é desalentadoramente efêmera.

Somente o conhecimento metafísico puro, uno a despeito das diferenças manifestadas pelas diversas tradições religiosas do mundo, alcançado somente pela intuição intelectual desprezada pelos ocidentais, pode reivindicar o título de ciência, pois seus princípios são eternos e imutáveis, manifestando-se, por leis de correspondência e analogia, do macrocosmo ao microcosmo.

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