terça-feira, 18 de agosto de 2009

Bede Griffiths, mística e razão


"Não pensamos que quando a razão se rende ao Ser ou ao Espírito ela perca qualquer de seus poderes. Pelo contrário, é só então que ela se eleva à sua potência máxima. O espírito de um Sankara ou de um Tomás de Aquino é igual ao de qualquer cientista ou filósofo moderno, mas era inspirado por fontes de sabedoria que o elevavam a um poder mais alto, além do alcance destes. (...) O fato é que Sankara e Tomás de Aquino embora não menos lógicos e racionais, eram ambos místicos e tinham experimentado a realidade de um mundo que transcende os sentidos e eram capazes de aplicar sua inteligência a ele. Pode-se dizer mesmo que seu problema foi que construíram um sistema tão perfeito logicamente que obscurecia sua visão mística. O resultado é que seus seguidores aceitaram o sistema e não tomaram conhecimento da visão."

BEDE GRIFFITHS, Return to the Center

Bede Griffiths foi um monge católico camaldolence britânico e místico que viveu na Índia num Ashram, voltado ao estudo das tradições cristãs e vedantinas, adotando o modo de vida retirado indiano tradicional.

Desde cedo, o Cristianismo realizou um profícuo diálogo com a herança filosófica grega. Já no século segundo de nossa era, São Justino afirmava que havia uma verdade a que os filósofos gregos serviam que não era, em substância, diferente da verdade cristã. Entretanto, essa verdade suprema foi apenas divisada parcialmente pelos sábios pagãos. A sabedoria perfeita, o conhecimento final, por estar além da capacidade humana, fôra revelado diretamente por Deus, primeiro a seus profetas, e depois por meio de seu Filho encarnado.

Assim, a Igreja tradicionalmente afirma a capacidade da razão humana natural de alcançar um conhecimento verdadeiro do mundo, da existência e bondade de Deus e da imortalidade da alma. Estas questões são objeto de demonstração racional, ou seja, estão na esfera própria das capacidades da razão humana.

Entretanto, há verdades que, por sua profundidade, estão fora da capacidade racional comum e são diretamente reveladas por Deus. Estas são objeto de Revelação e são aceitas por fé, pois nenhum raciocínio a elas pode chegar e nenhuma demonstração as pode provar.

Isso não impede, entretanto, que o objeto da Revelação não possa, uma vez revelado, ser traduzido, na medida do possível, em termos racionais. A racionalização desses conteúdos, contudo, jamais poderá , a partir de premissas ao alcance da razão natural, provar ou mesmo esgotar todo o significado e profundidade dos mesmos.

Tentar dar conta do mistério com meios racionais é como querer transferir a água do mar para um buraco na areia, como nos diz a célebre história de Santo Agostinho.

Assim, o que é fruto de uma revelação divina é aquilo justamente que não pode ser alcançado naturalmente e toda racionalização posterior é sempre imperfeita. Serve como escada, como ajuda, como objeto de meditação assim como o conteúdo simbólico das obras de arte sacra. Elas jamais esgotam o mistério, ao contrário, elas o tem como pressuposto e luz.

O risco então é então que a experiência mística que transcende todas as categorias, após as tentativas sempre imperfeitas de simbolização e de tradução racional, seja esquecida e obnubilada por um conjunto que necessariamente não a pode refletir senão parcialmente.

No meio do conflito entre as racionalizações tomadas como fim em si mesmas, a experiência mística primordial e fundante é esquecida e a razão é deslocada para o lugar central da determinação da verdade última sobre o homem e o cosmo.

Em outros termos, o instrumento limitado é tomado como suficiente para conhecer o ilimitado.

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