quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Ludwig von Mises, liberdade econômica, liberdade pessoal e socialismo



"Ao lidar com esse sistema de organização econômica - a economia de mercado -, empregamos o termo 'liberdade econômica'. É muito comum que as pessoas não compreendam o que isso significa, acreditando que a liberdade econômica seja algo totalmente independente das outras liberdades, e que essas outras liberdades - as quais crêem serem mais importantes - possam ser preservadas mesmo na ausência da liberdade econômica. O sentido da liberdade econômica é este: que o indivíduo está na posição de escolher a forma na qual ele deseja integrar-se na totalidade da sociedade. O indivíduo está apto a escolher sua carreira, ele é livre para fazer o que ele deseja fazer."

LUDWIG VON MISES, Economic Policy: thoughts for today and tomorrow, 2nd Lecture, "Socialism", p. 17


Na segunda de uma série de seis palestras ministradas em 1958 na Argentina, o economista austríaco Ludwig von Mises, um dos pilares da chamada Escola Austríaca de Economia, tratou da ligação intrínseca entre a liberdade econômica e a liberdade política dentro de uma sociedade. 

Só há sentido em falar de liberdade na sociedade, pois no mundo natural nada há de livre. Tudo é simples regularidade e o homem em todo lugar deve obedecer a essas regularidades se quiser sobreviver. E a liberdade na sociedade inclui as liberdades de culto, de expressão, de imprensa, etc.

Mises afirma que tais liberdades só são possíveis na medida em que há liberdade econômica, pois um governo centralizador que tudo controle e determine tornaria todas as liberdades ilusórias, embora pudesse mantê-las intactas no papel. Por exemplo, que liberdade de imprensa existiria se o Estado fosse dono de todas as máquinas impressoras, já que ele poderia simplesmente impossibilitar a publicação de quaisquer notícias críticas ao regime?

O mesmo se dá com as outras liberdades, como a da escolha de carreira. Em uma economia de mercado, segundo Mises, o indivíduo pode escolher sua carreira como desejar. No socialismo ou em qualquer outro regime coletivista planificador, o Estado decide onde e como os indivíduos trabalharão, de acordo com as exigências do plano central. Obviamente, o sucesso do plano governamental será também a desculpa ideal para o envio de cidadãos inconvenientes ou dissidentes a regiões distantes do país.

Ninguém ignora que a liberdade dentro do sistema de mercado não é perfeita. Ocorre que ela não é perfeita em nenhum lugar. Só há sentido em falar em liberdade dentro da sociedade, como dito anteriormente. E sociedade implica em cerceamento, em renúncias e em sacrifícios. Ao contrário do que Rousseau pensava, o homem na natureza não se encontra livre e sim submetido à força e à hostilidade daqueles que são mais fortes.

A liberdade na sociedade em uma economia livre implica na mútua prestação de serviços entre os cidadãos. O "barão do aço" ou o "rei da indústria" não são nobres cuja posição social esteja garantida a despeito de toda mudança, como poderia parecer em um primeiro momento. Seus filhos não herdarão necessariamente as posses e a posição dos seus pais, mais ou menos como um rei garante o trono a seu filho e sucessor.

Toda a sua fortuna e status dependem de um fundamento frágil e movediço: a vontade do consumidor. Se este não quiser mais o produto X, o dono da empresa que produz X perde a sua colocação feliz na sociedade. A razão disso, segundo Mises, é o fato de que, se é visível e pública a ordem de um patrão a seu empregado, não é igualmente visível e pública a ordem do consumidor ao patrão.

Dito de outro modo, quem manda publicamente é também mandado pela ordem invisível daquele que consome e que, no fim das contas, é quem sustenta e mantém toda a estrutura da empresa, do patrão aos empregados. E estes, por sua vez, também são consumidores. Nenhuma empresa pode sobreviver se seu produto não for uma necessidade ou um objeto de desejo do consumidor.

Essa soberania do consumidor não significa, é claro, que ele não se engane em suas escolhas. Ele pode muito bem consumir o que não deveria, o que em nada diminui a sua liberdade. Ser livre é ser livre inclusive para errar e enganar-se acerca daquilo que deseja.

Seria, então, função do Estado regular o consumo de modo a impedir que os cidadãos consumam aquilo que os prejudica, diriam os estatistas. Mises afirma que essa posição abre margem a outras considerações mais perigosas. Dado ao Estado o direito do controle do consumo dos cidadãos com o fito de protegê-los de escolhas erradas, nada o impediria de estender esse controle dos livros e das idéias perigosas. 

Os meios corretos de corrigir esses erros dos concidadãos são a persuasão e o convencimento. Artigos, livros, conferências e até pregações públicas podem e devem ser utilizados por aqueles que discordam veementemente dos hábitos de seus vizinhos. Em suma, argumentos e não a força estatal.

Mises afirma que, não sendo uma sociedade de status, isto é, de classes e privilégios hereditários, não há na economia de mercado conflitos inconciliáveis de interesse, o que Marx erroneamente atribui ao capitalismo. Se em uma sociedade alguém nasce escravo e um outro nasce senhor e na qual ambos viverão e morrerão dentro dessas classes sem possibilidade de qualquer mudança, então aí é possível falar de conflitos inconciliáveis de interesse, pois o interesse de liberdade do escravo significa a perda da condição de senhor de seu dono.

Obviamente, há diferenças e desigualdades entre as pessoas no capitalismo. Mas essas diferenças não são do mesmo gênero daquelas das sociedades de status, ou seja, não são diferenças hereditárias e imutáveis e sim somente diferenças mutáveis de riqueza. Há mobilidade social, há circulação das elites, como afirmava Pareto. Sempre há e sempre haverá elites, pessoas ricas e politicamente importantes, mas elas estão continuamente mudando. Ricos empobrecem e pobres enriquecem o tempo todo.

Essa mobilidade só pode acontecer em uma sociedade sem um plano centralizador no estilo das sociedades socialistas. Nestas, o planejador central tem nas mãos os destinos de todos os cidadãos e os determina de acordo com um plano único, feito pelo governo e que, por conseguinte, destitui os indivíduos de sua liberdade de escolha de profissão e modo de inserção na sociedade.

O homem livre planeja sua vida, executa seus planos e os modifica de acordo com as circunstâncias favoráveis e desfavoráveis. Ele acerta e erra em suas decisões livremente tomadas. quando submetido a um plano central governamental, ele não é mais livre e sim um mero soldado em um exército. Recebe ordens e as executa sem discussão ou avaliação.

O comitê central tudo controla e a todos comanda. Em tese, ele sabe tudo. Ocorre que o conhecimento acumulado pela humanidade é inabarcável por qualquer indivíduo ou pequeno grupo de dirigentes, por melhores que eles sejam. E quaisquer projetos de novidades e de progressos tecnológicos deverão antes passar pelo escrutínio do planejador central.

Na sociedade de economia de mercado, não há um planejador governamental a ser convencido. Há os investidores que, apresentados ao projeto, poderão aceitá-lo ou rejeitá-lo. De todo modo, assevera Mises, não se trata de um planejador central que decide em definitivo, mas de investidores individuais que podem ser convencidos ou não. E se um investidor não se convence, outro pode convencer-se a investir no projeto.

Mises apresenta, em seguida, seu famoso argumento sobre a impossibilidade do socialismo a partir da impossibilidade do cálculo econômico no sistema socialista. Dado que a indústria baseia-se no cálculo e os empresários planejam suas atividades a partir de cálculos que tomam em conta os preços dos fatores de produção, então não há possibilidade de planeamento sem as informações de preço dos materiais necessários à produção, dos salários dos funcionários e do custo de todas as etapas intermediárias da produção, informações vitais que somente são fornecidas pelo mercado.

Em outros termos, o planejamento dos empresários que produzem mercadorias só pode ser realizado se eles forem informados dos custos e dos preços de todos os materiais e de todas as etapas da produção. A fim de calcular e planejar suas atividades produtivas, um empresário que fabrica móveis tem de saber, por exemplo, o quanto custa a madeira da qual os móveis são feitos, o preço dos pregos que utilizará nos móveis, o custo dos salários de seus empregados, o preço das máquinas, e mais um outro tanto de informações sobre os materiais que utiliza para a fabricação dos móveis. Tais informações são dadas somente pelo mercado.

Não havendo mercado, não há cálculo econômico. E sem o cálculo, o empresário não saberá quais projetos de produção são economicamente viáveis e vantajosos. É porque há mercado não somente dos produtos finais, os bens de consumo, mas também das matérias-primas, das máquinas, dos instrumentos, do trabalho e dos serviços humanos, que o empresário pode calcular os custos e a viabilidade econômica dos diversos projetos de produção de bens de consumo que lhe são apresentados.

Se o socialismo propugna o fim do mercado, a consequência será a impossibilidade do cálculo econômico. Certamente alguém poderia objetar que esse problema parece ter sido contornado na União Soviética. Mises afirma que os russos parecem contornar o problema do cálculo econômico pelo fato de que eles não estão realmente em um mundo socialista, embora seu país seja socialista. Isto é, a URSS vive em um mundo com mercado e, portanto, podem utilizar os preços do mercado mundial em seus planejamentos.

Como no socialismo o governo centraliza tudo, o consumidor deve tudo ao comitê central e é inteiramente dependente com relação aos burocratas que o constituem. Para Mises, nos países de economia de mercado livre, a situação é totalmente diferente. Os consumidores determinam o destino dos empresários e das empresas na medida em que consomem ou deixam de consumir os seus produtos e serviços. No socialismo, o economista austríaco assevera, quem manda são os líderes supremos, os ditadores aos quais o povo todo está submetido e nenhuma liberdade é possível.

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