Mother! (2017), de Darren Aronofsky, é um mito cosmogônico sobre a criação e destruição cíclicas do mundo pelo fogo. No centro do mito está a pergunta filosófica radical de por qual razão há o Ser e não simplesmente o nada. Ou ainda, por qual razão Deus inclina-se a criar e não simplesmente isola-se no seio de Seu poder criador? E, mais profundamente, por qual razão Deus criou os homens?
A história inicia com dois personagens, um poeta e sua esposa que vivem em uma casa isolada de todos. Ele passa por uma crise criativa e busca retomar sua inspiração para uma nova obra. Ela, a fim de criar um ambiente propício ao trabalho do marido, dedica-se a reconstruir toda a casa que havia sido destruída por um incêndio em algum momento do passado do esposo, antes que ambos tivessem se conhecido. A única coisa que restou da casa depois do incêndio foi um cristal que o poeta conserva com todo cuidado em seu escritório.
O esposo é poeta, alguém cujo ofício é criar a forma perfeita de expressão. Por sua natureza, o poeta é um ordenador das palavras, um criador de ordem, e a poesia pretende comunicar universalmente seu conteúdo a todos que a lêem ou a ouvem. A mulher, a Mãe do título, é a potência geradora, a receptora, a sede das possibilidades já engendradas e das possibilidades ainda não efetivadas. O homem e a mulher, o Logos e a Physis, a Razão e o Poder divinos, o Determinante e o Determinável, Deus e o Mundo são os diversos níveis simbólicos que o mito de Aronovsky abrange.
Até certo momento, Deus e o Mundo, o Poeta e a Mãe, viviam sozinhos. Mas não era suficiente. O Poeta queria mais. Ele queria alguém que o ouvisse e admirasse sua obra. Então o Poeta convida um casal para passar a noite em sua casa. O homem é criado, Adão e Eva entram na casa, isto é, no mundo. Eva não obedece a restrição de não subir ao escritório do poeta e ela e seu marido destroem o cristal que sobrara da casa anterior. O Pecado Original. As consequências desse pecado não tardam a se manifestar.
Até certo momento, Deus e o Mundo, o Poeta e a Mãe, viviam sozinhos. Mas não era suficiente. O Poeta queria mais. Ele queria alguém que o ouvisse e admirasse sua obra. Então o Poeta convida um casal para passar a noite em sua casa. O homem é criado, Adão e Eva entram na casa, isto é, no mundo. Eva não obedece a restrição de não subir ao escritório do poeta e ela e seu marido destroem o cristal que sobrara da casa anterior. O Pecado Original. As consequências desse pecado não tardam a se manifestar.
Os dois filhos do casal aparecem na casa brigando por herança e pelo amor do pai. O primogênito é morto pelo irmão e, ao tentar separar a briga, o Poeta acaba marcando o jovem na testa. Caim mata Abel e recebe de Deus a marca indelével de seu pecado. O lugar onde o fratricídio ocorre fica também marcado. O mundo nunca mais será o mesmo. A ferida jamais cicatrizará.
Apiedando-se da dor do casal, o Poeta permite que eles tragam seus parentes para uma celebração fúnebre. Ele consola a todos com suas palavras, mas rapidamente a situação foge do controle e a Mãe é obrigada a ver sua casa ser vilipendiada enquanto é exposta à miséria e à ingratidão humanas. Por fim, esgotada sua paciência, ela expulsa aquele gente toda de sua casa.
A Mãe, no entanto, por causa desses eventos, percebe no Poeta uma estranha necessidade de admiração e uma certa leniência com relação aos atos moralmente condenáveis das pessoas a quem ele acolhe. Ao mesmo tempo, o Poeta descuida de seus deveres para com a Mãe. Por que ela não é o suficiente e eles simplesmente não vivem sós e isolados?
Mas é nesse momento que, inadvertidamente, o Poeta não somente consegue finalmente escrever seu poema perfeito como também engravida a Mãe. Tudo parece encaminhar-se para o bem do casal, pois as fontes de inquietação e de conflito parecem haver desaparecido. O Paraíso será, de novo, só do Poeta e da Mãe. O ponto onde Abel é morto por Caim não apresenta mais as marcas do assassinato original. Tudo renovar-se-á. Tudo está em ordem.
A Palavra do Poeta traz os homens de novo à casa. Eles atendem ao chamado, escutam a mensagem, invadem a casa com suas necessidades e suas carências. O Poeta os ama, acolhe-os, têm necessidade de sua admiração e culto. E é exatamente isso que se segue. Rapidamente, um culto forma-se em torno da Palavra do Poeta, o poema. Sacerdotes são ordenados. Multidões formam-se esperando uma simples palavra do Poeta.
Os homens o amam. E. logo depois, odeiam-no. Aquele que necessita, facilmente passa a odiar o objeto de sua necessidade. Em instantes, o caos e o horror instalam-se na casa. Conflitos, protestos, assassinatos, roubos, estupros, fanatismos, execuções e toda sorte de desgraças abatem-se sobre a casa. A Mãe vê, em escala ainda maior, o mesmo horror que testemunhara não muito tempo atrás, quando da morte de Abel.
Ela mesma é atacada, vilipendiada, abusada, violentada pelos homens. Seu filho nasce e o Poeta quer apresentá-lo à multidão. Ela não o quer. Por que não podem viver sozinhos com seu filho? Por qual razão os homens devem participar dessa ordem, já que mostraram-se sempre caóticos e ingratos? O Poeta, não obstante, entrega seu filho às massas. Estas o adoram e, como soi acontecer, em seguida o matam. E comungam de sua carne e de seu sangue. Fazem culto de sua morte e de seu suposto arrependimento. Os homens, em suma, são desprezíveis.
A referência ao Cristo é óbvia. O Filho de Deus é morto e os assassinos transformam seu crime em religião e afetam arrependimento. A Mãe não suporta essa visão tétrica. Seus filho está morto e os homens não valem a pena. Algo deve ser feito. Ela desce ao fundo da casa, isto é, desce às profundezas da realidade, do caldo de possibilidades inicial que simboliza tanto aquilo que da onde as coisas nascem quanto àquilo no qual as coisas dissolvem-se.
Ela acende o fogo e queima a casa. O mundo é destruído pelo fogo. Das cinzas do mundo, contudo, do coração queimado da Mãe, o Poeta resgata o cristal com que a criação do mundo iniciara. O Poeta a conduz ao princípio, isto é, ao tempo atemporal onde se dá o ato criador divino. Ela pergunta-lhe por que fazer tudo de novo. Ele responde-lhe que não pode ser diferente. É de sua natureza criar. Sempre de novo. Eterno retorno.
Simbolicamente, o Poeta é o poder criador divino, o intelecto e fonte ordenadora da realidade. O Deus de Aronofsky, todavia, é constrangido a criar por conta de Sua natureza. É fraco, dependente da admiração dos homens, sedento de ser compreendido em Sua obra, almejando sempre encontrar a linguagem perfeita para comunicar-se com a humanidade. Ilude-se, inclusive, ao considerar que encontrara a fórmula poética perfeita. Entrega-se aos louvores dos homens e espanta-se quando estes matam seu filho.
Deus, em Mother!, está destinado a sempre tentar mais uma vez, a sempre instar a Mãe a recriar a casa, a sempre convidar os homens a nela habitar, sem aparentemente jamais aprender a lição óbvia de que os homens não merecem tantos benefícios. Seria melhor simplesmente deixá-los fora da casa, expulsá-los da existência, lançá-los à escuridão do Não-Ser e cincunscrever-se eternamente ao amor incondicional da Mãe.
Bonum est diffusivum sui, diziam os medievais. O Deus de Aronofsky não cria por superabundância de Sua bondade e sim por fraqueza, por uma estranha imposição interna. Sua ação é impelida por uma necessidade que O prende, pela Moira que até aos deuses comanda. À pergunta de por qual razão o mundo existe, a resposta dada é que não pode ser de outra forma, porque há uma necessidade que até a Deus encarcera e que repetirá eternamente o ciclo de horror que testemunhamos desde sempre.
Não há esperança do Fim dos Tempos, da instauração definitiva do Reino de Deus, onde todo mal será afastado para sempre. Não há um Céu ou um Paraíso, "onde o desejo será satisfeito antes mesmo de ser concebido e a satisfação não será menor do que o desejo", como o definiu um teólogo medieval. O que há e que haverá para sempre é essa necessidade crua do ciclo eterno de criação e de destruição, intermediado pelo lamentável caminho humano sobre a Terra.
A Mãe protesta, mas nada pode contra essa cadeia. Entrega-se à necessidade, morre e nasce de novo. O mundo renasce, como uma nova esposa ao Poeta que, por sua vez, no momento oportuno, exigirá novamente o cristal remanescente do incêndio do mundo anterior, para retomar Sua criação. A Mãe entregará de novo seu coração, seu núcleo, como semente do novo mundo.
A Mãe simboliza tanto o mundo como a "Mãe Natureza", escoiceada por aqueles que moram em sua casa, objeto de seu cuidado perpétuo. Em algum momento, ela cansa-se dos abusos, expulsa seus ingratos habitantes humanos e volta-se ciumentamente ao Criador. Afinal, seria melhor que os homens jamais tivessem existido.
Note-se que a insatisfação do Poeta com o amor da Mãe indica que a Natureza não reflete suficientemente o divino. O Poeta necessita comunicar-se intelectualmente. Há algo nos homens que não há na Mãe, o que causa sua perplexidade com os atos do Poeta. Por toda a extensão do filme, a Mãe anseia viver com o Poeta em isolamento. A sua insatisfação cresce e alimenta-se da insatisfação do Poeta com a vida isolada. A Mãe percebe e expressa verbalmente a realidade: o Poeta não considera a vida comum com ela como satisfatória e suficiente.
Para o Poeta, o mundo não é suficiente sem os homens. Frequentemente, ele abandona a Mãe e senta-se em diálogo com os homens, recebe sua admiração, sua adulação e depois seu culto. O Poeta ama mais os homens que a Mãe. O Espírito encontra-se alienado de si mesmo na Natureza, mas encontra-se refletido somente no espírito humano. O casamento entre Deus e a Natureza não pode bastar-se em seu isolamento e é necessário haver um ente capaz de reconhecer o Logos contido na obra do Poeta.
O homem reconhece o Logos, é capaz de dialogar com o Poeta. Mas não importa o quanto o poema seja perfeito, o quanto sua mensagem seja clara, o homem corromper-se-á e corromperá o poema. Não parece haver esperança e o Poeta está condenado a perpetuamente encetar tentativas sempre infrutíferas de fazer-se compreender totalmente. Não pode abster-se de retomar esse curso, pois, como afirma, essa é sua natureza. O fatalismo é completo. Quando Deus é fraco e está preso à necessidade, então o homem vive em uma prisão cósmica submetido a um ciclo perpétuo de decadência e de horror.
A despeito de seu título, Mother!, a Mãe tampouco é protagonista capaz de interromper o ciclo. Ela ama o Poeta e já o amou antes, inúmeras vezes. É de sua natureza, também. Está submetida à Moira tal como o Poeta. Embora pareça perceber claramente aquilo que o Poeta, tal qual um idealista cego e iludido, não consegue perceber acerca da natureza dos homens, a Mãe só é capaz de estabelecer o fim de cada uma das conformações da casa, mas cede sempre ao amor pelo Poeta. A Mãe exerce uma função dentro do ciclo e é instrumento de sua perpetuidade.
É a natureza do Poeta que tem a última palavra. A lei inexorável que enreda a todos submete também a Mãe. Mother! repete um tema mítico tradicional presente em diversas culturas e tradições espirituais, o mito do eterno retorno, no qual há um ciclo perpétuo de criação e de destruição do mundo fenomênico. A angústia gerada pela repetição cíclica engendrou desde cedo a busca por vias espirituais de libertação dessa roda de encarnações do mundo.
A especificidade do mito cosmogônico de Aronofsky é a aparente impossibilidade de qualquer via de libertação do ciclo. Em particular, nada aparece no filme que indique que para o homem haja alguma esperança seja do advento de um Reino dos Céus por iniciativa divina, seja de uma libertação espiritual individual por meio do ascetismo ou da experiência mística. Os elementos judaico-cristãos do filme (Adão e Eva, Abel e Caim, o Filho de Deus) são engolidos por uma metafísica fatalista que não admite igualmente nenhuma escapatória iluminativa.
O homem é o elemento caótico e degenerador que leva à exaustão a Mãe que, por sua vez, reage periodicamente incinerando a casa (tema mítico da purificação pelo fogo), mas que submeter-se-á novamente ao Poeta que não pode deixar de criar sempre novas versões infrutíferas de seu poema. O homem é uma praga da qual a Mãe gostaria de livrar-se não fosse a insistência cega do Poeta em trazê-lo sempre de novo para a casa.
No fundo, então, a Mãe é hostil ao homem e o vê como um intruso que atrapalha a comunhão ideal entre ela e o Poeta, entre a Natureza e o Espírito. A Mãe não é acolhedora e mantenedora, mas a dona de uma casa na qual o homem não passa de um hóspede (no melhor dos casos) ou de um intruso (na pior) e que apenas suporta a sua presença por causa da idiossincrasia de seu marido, um tolo idealista que não pode furtar-se a convidar esses estranhos à sua casa.
Eis o que o homem é aos olhos da Mãe: um estranho. Um visitante incômodo, um fardo imposto por um marido fraco e débil. A situação do homem é a de um estranho em uma casa que não foi feita para ele e cuja dona o hostiliza porque deseja estar em paz com seu esposo. Melhor seria se ele jamais tivesse sido convidado a entrar na casa, embora nada possa ser diferente do que sempre foi.
A Mãe, no entanto, por causa desses eventos, percebe no Poeta uma estranha necessidade de admiração e uma certa leniência com relação aos atos moralmente condenáveis das pessoas a quem ele acolhe. Ao mesmo tempo, o Poeta descuida de seus deveres para com a Mãe. Por que ela não é o suficiente e eles simplesmente não vivem sós e isolados?
Mas é nesse momento que, inadvertidamente, o Poeta não somente consegue finalmente escrever seu poema perfeito como também engravida a Mãe. Tudo parece encaminhar-se para o bem do casal, pois as fontes de inquietação e de conflito parecem haver desaparecido. O Paraíso será, de novo, só do Poeta e da Mãe. O ponto onde Abel é morto por Caim não apresenta mais as marcas do assassinato original. Tudo renovar-se-á. Tudo está em ordem.
A Palavra do Poeta traz os homens de novo à casa. Eles atendem ao chamado, escutam a mensagem, invadem a casa com suas necessidades e suas carências. O Poeta os ama, acolhe-os, têm necessidade de sua admiração e culto. E é exatamente isso que se segue. Rapidamente, um culto forma-se em torno da Palavra do Poeta, o poema. Sacerdotes são ordenados. Multidões formam-se esperando uma simples palavra do Poeta.
Os homens o amam. E. logo depois, odeiam-no. Aquele que necessita, facilmente passa a odiar o objeto de sua necessidade. Em instantes, o caos e o horror instalam-se na casa. Conflitos, protestos, assassinatos, roubos, estupros, fanatismos, execuções e toda sorte de desgraças abatem-se sobre a casa. A Mãe vê, em escala ainda maior, o mesmo horror que testemunhara não muito tempo atrás, quando da morte de Abel.
Ela mesma é atacada, vilipendiada, abusada, violentada pelos homens. Seu filho nasce e o Poeta quer apresentá-lo à multidão. Ela não o quer. Por que não podem viver sozinhos com seu filho? Por qual razão os homens devem participar dessa ordem, já que mostraram-se sempre caóticos e ingratos? O Poeta, não obstante, entrega seu filho às massas. Estas o adoram e, como soi acontecer, em seguida o matam. E comungam de sua carne e de seu sangue. Fazem culto de sua morte e de seu suposto arrependimento. Os homens, em suma, são desprezíveis.
A referência ao Cristo é óbvia. O Filho de Deus é morto e os assassinos transformam seu crime em religião e afetam arrependimento. A Mãe não suporta essa visão tétrica. Seus filho está morto e os homens não valem a pena. Algo deve ser feito. Ela desce ao fundo da casa, isto é, desce às profundezas da realidade, do caldo de possibilidades inicial que simboliza tanto aquilo que da onde as coisas nascem quanto àquilo no qual as coisas dissolvem-se.
Ela acende o fogo e queima a casa. O mundo é destruído pelo fogo. Das cinzas do mundo, contudo, do coração queimado da Mãe, o Poeta resgata o cristal com que a criação do mundo iniciara. O Poeta a conduz ao princípio, isto é, ao tempo atemporal onde se dá o ato criador divino. Ela pergunta-lhe por que fazer tudo de novo. Ele responde-lhe que não pode ser diferente. É de sua natureza criar. Sempre de novo. Eterno retorno.
Simbolicamente, o Poeta é o poder criador divino, o intelecto e fonte ordenadora da realidade. O Deus de Aronofsky, todavia, é constrangido a criar por conta de Sua natureza. É fraco, dependente da admiração dos homens, sedento de ser compreendido em Sua obra, almejando sempre encontrar a linguagem perfeita para comunicar-se com a humanidade. Ilude-se, inclusive, ao considerar que encontrara a fórmula poética perfeita. Entrega-se aos louvores dos homens e espanta-se quando estes matam seu filho.
Deus, em Mother!, está destinado a sempre tentar mais uma vez, a sempre instar a Mãe a recriar a casa, a sempre convidar os homens a nela habitar, sem aparentemente jamais aprender a lição óbvia de que os homens não merecem tantos benefícios. Seria melhor simplesmente deixá-los fora da casa, expulsá-los da existência, lançá-los à escuridão do Não-Ser e cincunscrever-se eternamente ao amor incondicional da Mãe.
Bonum est diffusivum sui, diziam os medievais. O Deus de Aronofsky não cria por superabundância de Sua bondade e sim por fraqueza, por uma estranha imposição interna. Sua ação é impelida por uma necessidade que O prende, pela Moira que até aos deuses comanda. À pergunta de por qual razão o mundo existe, a resposta dada é que não pode ser de outra forma, porque há uma necessidade que até a Deus encarcera e que repetirá eternamente o ciclo de horror que testemunhamos desde sempre.
Não há esperança do Fim dos Tempos, da instauração definitiva do Reino de Deus, onde todo mal será afastado para sempre. Não há um Céu ou um Paraíso, "onde o desejo será satisfeito antes mesmo de ser concebido e a satisfação não será menor do que o desejo", como o definiu um teólogo medieval. O que há e que haverá para sempre é essa necessidade crua do ciclo eterno de criação e de destruição, intermediado pelo lamentável caminho humano sobre a Terra.
A Mãe protesta, mas nada pode contra essa cadeia. Entrega-se à necessidade, morre e nasce de novo. O mundo renasce, como uma nova esposa ao Poeta que, por sua vez, no momento oportuno, exigirá novamente o cristal remanescente do incêndio do mundo anterior, para retomar Sua criação. A Mãe entregará de novo seu coração, seu núcleo, como semente do novo mundo.
A Mãe simboliza tanto o mundo como a "Mãe Natureza", escoiceada por aqueles que moram em sua casa, objeto de seu cuidado perpétuo. Em algum momento, ela cansa-se dos abusos, expulsa seus ingratos habitantes humanos e volta-se ciumentamente ao Criador. Afinal, seria melhor que os homens jamais tivessem existido.
Note-se que a insatisfação do Poeta com o amor da Mãe indica que a Natureza não reflete suficientemente o divino. O Poeta necessita comunicar-se intelectualmente. Há algo nos homens que não há na Mãe, o que causa sua perplexidade com os atos do Poeta. Por toda a extensão do filme, a Mãe anseia viver com o Poeta em isolamento. A sua insatisfação cresce e alimenta-se da insatisfação do Poeta com a vida isolada. A Mãe percebe e expressa verbalmente a realidade: o Poeta não considera a vida comum com ela como satisfatória e suficiente.
Para o Poeta, o mundo não é suficiente sem os homens. Frequentemente, ele abandona a Mãe e senta-se em diálogo com os homens, recebe sua admiração, sua adulação e depois seu culto. O Poeta ama mais os homens que a Mãe. O Espírito encontra-se alienado de si mesmo na Natureza, mas encontra-se refletido somente no espírito humano. O casamento entre Deus e a Natureza não pode bastar-se em seu isolamento e é necessário haver um ente capaz de reconhecer o Logos contido na obra do Poeta.
O homem reconhece o Logos, é capaz de dialogar com o Poeta. Mas não importa o quanto o poema seja perfeito, o quanto sua mensagem seja clara, o homem corromper-se-á e corromperá o poema. Não parece haver esperança e o Poeta está condenado a perpetuamente encetar tentativas sempre infrutíferas de fazer-se compreender totalmente. Não pode abster-se de retomar esse curso, pois, como afirma, essa é sua natureza. O fatalismo é completo. Quando Deus é fraco e está preso à necessidade, então o homem vive em uma prisão cósmica submetido a um ciclo perpétuo de decadência e de horror.
A despeito de seu título, Mother!, a Mãe tampouco é protagonista capaz de interromper o ciclo. Ela ama o Poeta e já o amou antes, inúmeras vezes. É de sua natureza, também. Está submetida à Moira tal como o Poeta. Embora pareça perceber claramente aquilo que o Poeta, tal qual um idealista cego e iludido, não consegue perceber acerca da natureza dos homens, a Mãe só é capaz de estabelecer o fim de cada uma das conformações da casa, mas cede sempre ao amor pelo Poeta. A Mãe exerce uma função dentro do ciclo e é instrumento de sua perpetuidade.
É a natureza do Poeta que tem a última palavra. A lei inexorável que enreda a todos submete também a Mãe. Mother! repete um tema mítico tradicional presente em diversas culturas e tradições espirituais, o mito do eterno retorno, no qual há um ciclo perpétuo de criação e de destruição do mundo fenomênico. A angústia gerada pela repetição cíclica engendrou desde cedo a busca por vias espirituais de libertação dessa roda de encarnações do mundo.
A especificidade do mito cosmogônico de Aronofsky é a aparente impossibilidade de qualquer via de libertação do ciclo. Em particular, nada aparece no filme que indique que para o homem haja alguma esperança seja do advento de um Reino dos Céus por iniciativa divina, seja de uma libertação espiritual individual por meio do ascetismo ou da experiência mística. Os elementos judaico-cristãos do filme (Adão e Eva, Abel e Caim, o Filho de Deus) são engolidos por uma metafísica fatalista que não admite igualmente nenhuma escapatória iluminativa.
O homem é o elemento caótico e degenerador que leva à exaustão a Mãe que, por sua vez, reage periodicamente incinerando a casa (tema mítico da purificação pelo fogo), mas que submeter-se-á novamente ao Poeta que não pode deixar de criar sempre novas versões infrutíferas de seu poema. O homem é uma praga da qual a Mãe gostaria de livrar-se não fosse a insistência cega do Poeta em trazê-lo sempre de novo para a casa.
No fundo, então, a Mãe é hostil ao homem e o vê como um intruso que atrapalha a comunhão ideal entre ela e o Poeta, entre a Natureza e o Espírito. A Mãe não é acolhedora e mantenedora, mas a dona de uma casa na qual o homem não passa de um hóspede (no melhor dos casos) ou de um intruso (na pior) e que apenas suporta a sua presença por causa da idiossincrasia de seu marido, um tolo idealista que não pode furtar-se a convidar esses estranhos à sua casa.
Eis o que o homem é aos olhos da Mãe: um estranho. Um visitante incômodo, um fardo imposto por um marido fraco e débil. A situação do homem é a de um estranho em uma casa que não foi feita para ele e cuja dona o hostiliza porque deseja estar em paz com seu esposo. Melhor seria se ele jamais tivesse sido convidado a entrar na casa, embora nada possa ser diferente do que sempre foi.