O stalker é um psicopompo. Ou seja, um guia da alma que a conduz para regiões afastadas da experiência comum e cotidiana e que revela a ela uma realidade superior a qual deve por força conhecer e conformar-se.
Hermes conduz as almas dos mortos ao Hades. Virgílio conduz Dante pelo Inferno, pelo Purgatório e, finalmente, ao Paraíso. A viagem é sempre um símbolo de uma jornada espiritual que culmina numa modificação efetiva do ser, na restauração de um estado primordial e verdadeiro.
A viagem é uma iniciação. E a Zona é uma região afastada, cercada por forças hostis que pretendem barrar a passagem dos que porventura queiram nela se aventurar. Os guardas do filme são análogos simbólicos das sentinelas que guardam os tesouros nas mitologias, como os dragões ou os homens-escorpiões na Epopéia de Gilgamesh.
A Zona é fruto da queda de um meteorito, ou seja, é o lugar onde a força celeste se depositou no terrestre, onde o superior desceu sobre o inferior. Quod est superius est sicut quod est inferius. Ela é, então, o "centro do mundo", o ponto de convergência.
A Zona tem virtudes e propriedades que não se encontram em nenhum outro lugar e ela abriga um "quarto" que realiza o mais íntimo desejo dos homens. O "quarto" é símbolo da irradiação pelos quatro cantos do mundo - da cruz - das influências do centro do mundo. É imagem do objetivo último, da realidade perfeita a que tende todo ser.
É referência ao quarto no qual deve se recolher o crente, afastado da azáfama cotidiana e dos olhos curiosos, para orar ao Pai, segundo o relato evangélico. "Onde estiver teu coração, aí estará teu tesouro", diz o Mestre. Assim também o quarto, imagem do coração, revela qual o mais íntimo desejo do homem.
Para entrar nessa região, deve-se tomar um psicopompo por guia. Ele conhece o caminho, ele faz o caminho. Não se pode esquecer que o guia, o sacerdote, o santo recebem por vezes o nome de pontifex, "o construtor de pontes". Assim é chamado o Papa, que tem as chaves do Reino e que liga o Céu e a Terra, e Mahavira, um dos Tirthankaras do Jainismo.
O stalker faz as pontes na medida em que, no filme, ele sempre arremessa pequenas pedras amarradas em panos brancos antes de prosseguir a jornada. E ele adverte aos seus guiados que aquele que tenta desviar-se ou tomar um atalho se expõe a perigos inauditos. Sua audácia é interditada pela própria Zona.
Ele assevera ainda que não é possível chegar ao "quarto" simplesmente avançando numa linha reta. Deve-se circunscrevê-lo, tomar caminhos difíceis, aceitar os obstáculos e as provas necessárias. Nisso se evidencia ainda mais claramente o papel de pontifex do stalker, ou seja, aquele que faz o caminho: o homem sozinho não pode alcançar o "quarto", alguém deve fazer a ligação entre os mundos, tal como o Redentor a realizou na encarnação.
O escritor e o cientista representam simbolicamente, respectivamente, as potências afetivas e racionais do homem. Ou ainda, os aspectos psíquicos e sutis e os aspectos densos e materiais. Eles representam ainda a natureza dual do mundo manifestado.
O escritor deplora a monotonia do universo mecanicamente concebido pelas lentes da ciência. O cientista não compreende, mas teme seus perigos e anseia pela destruição do "quarto".
Nenhum dos dois entra no "quarto". Mas será possível entrar no "quarto"? Não será que a sina de nosso mundo é permanecer à porta do Santo dos Santos e não penetrá-lo?
Eles cedem ao mistério sem querer penetrá-lo. Deixam-no como ele é. Renunciam ao conhecimento segundo os modos humanos. O silêncio os envolve. Apophasis. O fim último de toda iniciação é o mistério que jamais pode ser posto em palavras.
Eles retornam ao mundo cotidiano. Não são os mesmos. E a indicação de tal mudança não é dada neles, mas na filha do stalker. Ela é fruto da união do mundo humano e do mundo divino. Sua mãe aceita os sofrimentos e as penas de ser esposa do stalker, de viver sob o signo de uma realidade que ela não compreende totalmente, mas à qual dedica toda sua vida e toda sua vontade.
A filha dessas bodas alquímicas é um criança que molda a própria realidade, que age sem agir diretamente. A ação própria do Espírito.
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