quinta-feira, 11 de março de 2010

Schönborn, ciência e teleologia

"Retornemos ao cerne do problema: o positivismo. A ciência moderna primeiro exclui a priori causas finais e formais, depois investiga a natureza sob o modo reducionista do mecanismo (causas eficientes e materiais) e, em seguida, volta-se para afirmar que tanto as causas finais quanto as formais são obviamente irreais, e também que seu modo de conhecer o mundo corpóreo tem prioridade sobre todas as outras formas de conhecimento humano. Sendo mecanicista, a ciência moderna também é historicista: argumenta que uma descrição completa da história causal eficiente e material de uma entidade é uma explicação completa da própria entidade. Em outras palavras, que compreender como algo veio a ser é o mesmo que compreender o que a coisa é. Mas o pensamento católico rejeita a falácia genética aplicada ao mundo natural e contém, em vez disso, uma compreensão holística da realidade baseada em todas as faculdades da razão e em todas as causas evidentes na natureza, incluindo a causalidade 'vertical' da formalidade e da finalidade."

CARDEAL CRISTOPH SCHÖNBORN, First Things, jan.2006

O cardeal católico austríaco Cristoph Schönborn envolveu-se no ano de 2005 numa polêmica acerca da evidência de um desígnio inteligente dirigindo a evolução dos seres vivos (na suposição, é claro que tal evolução tenha ocorrido). O prelado apontava em um artigo publicado no The New York Times que a idéia de uma biologia sem a consideração de fatores teleológicos era intrinsecamente incapaz de explicar satisfatoriamente os fenômenos naturais.

No ano de 2006, na edição de janeiro da revista First Things, Schönborn retomou o tema em outro artigo, dessa vez intitulado The Designs of Science. O texto é uma resposta a um crítico e também um desenvolvimento das ideias ventiladas no artigo de 2005.

Não comentaremos o texto, nos limitando a apontar alguns pontos importantes e interessantes da argumentação do cardeal.

Schönborn salienta que:

1) Suas teses não são defendidas a partir do ponto de vista da teologia, nem da ciência moderna e tampouco da "teoria do design inteligente". Seu apoio vem da filosofia e de exigências racionais e de concordância com a experiência empírica cotidiana;

2) O pensamento cristão contemporâneo absorveu o dualismo cartesiano ao ponto de aceitar tacitamente que o mundo divide-se entre os fenômenos naturais mecanisticamente descritos e explicados e as realidades imateriais cuja crença depende somente da fé;

3) A rejeição dos aspectos teleológicos da realidade leva a um conhecimento intrinsecamente parcial e imperfeito;

4) Há um problema epistemológico com relação ao papel da aleatoriedade (randomness) na teoria neodarwiniana.

Segundo Dawkins, a teoria evolutiva neodarwiniana pode ser resumida numa frase: "mutação genética aleatória mais seleção cumulativa não aleatória". Ou seja, as mutações são aleatórias no sentido de imprevisíveis, mas a seleção ambiental faz o trabalho análogo ao de um designer.

As mutações que concorrem para a maior adaptabilidade do indivíduo ao ambiente aumentam suas chances de sobrevivência e são passadas aos seus descendentes tornando-se parte da herança da espécie. Como aqueles que são portadores de mutações que diminuem sua adaptabilidade têm em geral suas chances de sobrevivência também diminuídas, eles se reproduzem menos e suas características não são passadas adiante pela reprodução sexuada.

Aos poucos, moldada num processo per se não observável de milhares de anos, a espécie se modifica a ponto de fazer surgir uma nova espécie.

Ora, Schönborn questiona o sentido dessa aleatoriedade e afirma que, não obstante os protestos dos neodarwinistas, o ambiente não é menos randômico que as mutações, uma vez que, segundo a própria teoria, ele está sempre mudando e não é relacionado a nenhuma teleologia.

5) A discussão do neodarwinismo por parte dos comentadores católicos está viciada pelo erro de somente discutir a possível compatibilidade dessa teoria com os conteúdos da fé e não tocar na delicada questão da compatibilidade da mesma com as exigências racionais.

O texto do cardeal Schönborn é interessante não só pelas questões instigantes que levanta, mas principalmente pela coragem de propor uma discussão teórica que vai além da posição defensiva adotada pelos teólogos e cristãos em geral que se limitam a comodamente afirmar a transcendência de sua fé.

A atitude correta é discutir não só as questões teológicas, mas também apontar os limites dos pressupostos e das escolhas filosóficas que estão implicadas em cada teoria. Acastelar-se atrás da transcendência dos dogmas e abandonar o campo das disputas intelectuais aos adversários é admitir de antemão a derrota e, por conseguinte, torná-la realidade.

Em tempo: o Cardeal Schönborn é dominicano e, como era de se esperar, dá mostras de conhecer bem a obra do Doctor Angelicus.
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O artigo de Schönborn no The New York Times:

Artigo no First Things:

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