quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O divino, a mística e a utopia








Creio que a verdade de toda religiosidade legítima reside na compreensão e não na rejeição. Não é o abandono deste mundo por um outro, mas a compreensão da topologia do Ser. Quando conhece-se, por experiência mística, o lugar do homem no plano do Ser, há libertação (Moksa) da ilusão (Avdya) e conseguimos integrar-nos neste mundo sabendo exatamente o que ele significa, como Arjuna na batalha.

Fora dessa compreensão, a busca da felicidade desemboca numa constante fuga para as coisas, na ilusão de que a multiplicidade possa passar pelo infinito. Como cada coisa é finita e passageira, passa-se de uma à outra sempre projetando na próxima o dever de nos abrir o Éden.

Ou tenta-se criá-lo por força. A própria idéia utópica é expressão dessa incompreensão. Projeta-se, num futuro, o surgimento de algo (cuja vinda geralmente demanda esforços no presente) que será a realização máxima da felicidade humana. De novo, da decepção das coisas presentes se salta para a promessa das coisas futuras.

Entretanto, a satisfação neste mundo é impossível. Os projetos utópicos inevitavelmente prometem um futuro que é sempre expressão de uma simplificação grosseira do homem. O que pode satisfazer o desejo humano está no divino. E Este não atende pela gramática das coisas. Ele não é "algo", nenhuma das coisas em particular.

Como uma vez tentei descrever, embora de forma sempre inadequada e equívoca, o divino é lótus florescendo, é florescimento infinito. Parafraseando René Guénon, é o princípio imanifestado da manifestação. É o que a manifestação, em manifestando-se, pressupõe.

E a compreensão, estando fora da dinâmica usual da satisfação, encontra seu lugar somente na mística.

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