domingo, 29 de junho de 2025

Wen Tzu e a flexibilidade do sábio

"Os sábios, à medida que avançam e respondem às mudanças, sempre seguem e não se antecipam. Flexíveis e dóceis, por isso são calmos. Pacíficos e maleáveis, por isso são seguros. Aqueles que atacam o grande e superam o forte não podem rivalizar com eles."

WEN TZU, 9

Livro de Wen-Tzu, clássico do Taoísmo, ensina que "aqueles que alcançam a Via são parcos em ambição, mas fortes no trabalho; suas mentes são abertas e suas respostas são adequadas. Aqueles que são parcos em ambição são flexíveis e indulgentes, pacíficos e quietos, escondem seu desprendimento e parecem inexperientes. Tranquilos e livres, quando agem não perdem o tempo certo."

O sábio perfeito que alcançou a Via (Tao, 道) está no centro do portão onde todas as coisas têm a sua origem. O que mais poderia ambicionar que não fosse, por definição, inferior ao Tao? Sua falta de ambição não é a do desgaste ou do cansaço, mas o desprendimento da plenitude. Quem possui o melhor não tem olhos para o pior. Livre dos desejos egoístas e limitados, seu espírito (心) é vazio, e, feito um espelho sem manchas, pode refletir a realidade integralmente sem as distorções das inclinações e das aversões.

Destituído de ambições, o sábio é flexível, pacífico e quieto, embora exteriormente pareça comum e até mesmo inexperiente. Lieh Tzu, um dos três grandes mestres do Taoísmo, parecia aos olhos de todos o mais comum dos homens. A sua discrição é efeito natural da indiferença ao juízo alheio e às honras humanas. Por qual razão o sábio quereria o reconhecimento dos homens inferiores a ele mesmo?

Somente aquele que enxerga a realidade sem filtros internos é capaz de responder adequadamente às situações da vida. O sábio é flexível, adapta-se aos ritmos naturais e às exigências externas tal qual a água que assume a forma do recipiente que a recebe. Por isso, ele é capaz de responder adequadamente e no tempo certo, o καιρός dos antigos gregos.

Em outro âmbito, um lutador dominado pela ansiedade, pelo medo ou pelo desejo de vencer o adversário permanece dentro de si mesmo, aprisionado em seu mundo interior. Ele não enxerga a situação e nem seu adversário tais como são. Seu espelho é manchado, maculado e incapaz de refletir integralmente o que se posta diante dele. Ou atacará precipitadamente, antes de qualquer movimento do oponente, e, expondo-se, será vítima de um contra-ataque certeiro, ou, preso em sua mente, retesado e rígido, levará tempo demais para reagir e será golpeado.

A mente vazia reflete integralmente a situação, acompanha e espelha cada movimento do adversário, entra em harmonia com ele. Não há nuvens diante do monte Fuji. O ataque do oponente é naturalmente seguido pelo bloqueio e/ou pelo contra-ataque adequado. Não há mais dois lutadores, mas uma só realidade. "Ao enfrentar um adversário, pensamentos de golpear ou de ser golpeado indicam ignorância e ilusão", ensinava o mestre Zen e espadachim Tesshu Yamaoka, da escola Muto-Ryu (não-espada)

"Portanto, a nobreza deve enraizar-se na modéstia, a altivez deve basear-se na humildade. Use o pequeno para conter o grande. Permaneça no centro para controlar o exterior". O sábio que está na Via é nobre e altivo porque é menor que o menor e mais humilde dos seres. Não guarda nada para si, não acumula bens exteriores. O pequeno contém o grande assim como o mínimo movimento é suficiente para se desviar de um golpe impetuoso. 

Somente o vazio pode abrigar o Todo. Permanecendo no centro de si mesmo, sem desvio para cá ou para lá, o sábio controla o exterior, tal qual o ponto adimensional domina toda circunferência que dele parte. O lutador que é pequeno interiormente consegue conter em si todo o cenário que o envolve como alguém que contempla a montanha distante enxerga toda a paisagem sem se fixar em nenhum aspecto em particular. 

"Seja flexível, porém firme, e não haverá força que não possa ser dominada ou inimigo que não possa ser superado". O flexível acompanha as mudanças sem opor-lhes resistências internas e, por isso, é capaz de ser firme quando as condições o exigem. "Responda aos desenvolvimentos, atente aos tempos, e nada poderá feri-lo". As consequências seguem-se de suas causas, desenvolvem-se no tempo, as circunstâncias mudam, e o sábio percebe o câmbio das coisas, e responde a tudo com flexibilidade.

"Aqueles que vencem o menor pela força encontram o impasse quando confrontados com seus iguais. Os que superam os superiores com flexibilidade têm poder imensurável". O homem que opõe à realidade a sua rigidez interior (ou exterior) só consegue superar aquilo que é mais fraco do que ele mesmo. Quando encontra um obstáculo (ou outro homem) de igual poder, as forças equivalentes chocam-se e anulam-se mutuamente. Nenhum resultado é obtido. 

"Quando a árvore é forte, ela quebra". A rigidez e a força são a morte. A árvore que resiste ao vento pela força acaba quebrando. Aquela que consegue envergar-se, assume o forma do vento e, por isso, vence até a tempestade. O lutador que vence um oponente mais fraco somente pela força, vai um dia encontrar um adversário igualmente forte. Se encontrar alguém mais forte do que ele, seu corpo será quebrantado. O flexível desvia-se dos golpes, acompanha os movimentos do oponente e ataca somente quando há o momento certo.

"Tomar a dianteira é o caminho da exaustão. Agir depois é a fonte do sucesso". A vontade de liderar ou a ansiedade para agir conduzem ao cansaço. Ações são empreendidas sem atenção ao tempo e às mutações das coisas, e, por fim, não alcançam seus objetivos, desperdiçando energia e recursos. Agir depois significa acompanhar as mudanças sem se antecipar a elas. 

A flexibilidade, contudo, não é passividade: "As mudanças no tempo não permitem descanso nos intervalos. Aquele que age precipitadamente ultrapassa os limites. Aquele que age tarde demais não recupera". O sábio valoriza o tempo mais do que pedras preciosas. Nada é mais difícil de achar e mais fácil de perder. A flexibilidade do sábio é a harmonização com o tempo das coisas. E sua ação não parte de desejos pessoais e mesquinhos, mas é a não-ação (wu wei, 無為) da simples presença da unidade originária que sustenta todas as coisas.

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