sexta-feira, 13 de junho de 2025

Dionísio Areopagita e a teologia negativa em "Os Nomes Divinos" (Livro VIII)

"Em suma, nada há neste mundo que não esteja sob a conservação e sob o domínio universal de Deus que a tudo sustenta. Pois aquilo que não tem nenhum poder não existe, nem é algo, nem tem qualquer lugar ou posição."

DIONÍSIO AREOPAGITA, Os Nomes Divinos, livro VIII

No livro VIII de Os Nomes Divinos, Dionísio Areopagita examina os sentidos nos quais as Sagradas Escrituras atribuem a Deus os nomes de Poder (δύναμις), Retidão (δικαιοσύνη), Salvação (σωτηρία) e Redenção (ἀπολυτρώσεως). Seguindo o padrão das reflexões anteriores, o termo Poder (ou Potência) significa que a Divindade Supraessencial antecipa em si mesma todos os poderes que se manifestam no mundo seja no seu conjunto ou nas suas partes, transcendendo-os infinitamente na qualidade de sua causa última.

Nos seus comentários à supracitada obra, Marsilio Ficino esclarece que "o que os gregos chamam dunamis, nós interpretamos propriamente como poder e capacidade, embora o uso comum agora pareça incluir virtude significando poder. Por isso, as autoridades religiosas chamam Deus poder ou virtude". O poder divino é, nesse sentido, uma virtus, uma capacidade de agir, de ser causa eficiente da existência dos entes. Não se trata, como no caso dos seres finitos, de uma potencialidade que, contingente, precisa de uma causa eficiente externa para trazê-la à realidade.

Deus dá origem a infinitos seres que são eles mesmos poderes. Estes, por serem finitos, jamais esgotam o Poder Infinito (ἀπειροδύναμος). Uma infinitude de entes limitados será sempre potencial, isto é, a cada elemento dado um novo elemento pode ser adicionado sem que haja de facto um número infinito. Portanto, essa infinitude quantitativa potencial não tem o condão de esgotar a capacidade do Absoluto que não está submetido a qualquer limitação.

O Poder divino é limitado somente nas coisas, no sentido de que cada ente só pode receber de Deus o poder necessário e suficiente para ser este ou aquele tipo de ser. O homem só recebe o poder que corresponde à sua natureza, assim como o cachorro, a planta, a pedra, etc. Isso fundamenta a hierarquia da realidade na qual alguns entes são superiores e outros são inferiores. Não obstante, o Poder divino está presente mesmo nas mais humildes das criaturas sustentando-as na existência.

Tudo o que existe é poder, seja na forma de intelecto (νοερός), pensamento discursivo (λογική), percepção sensível (αἰσθητικὴ), vida (ζωτικὴ) ou simples ser (οὐσιώδη). O Poder divino concede existência à vida espiritual dos anjos e ao seu desejo pelo bem, dá azo à ordem, à harmonia e à concordância que permeiam o Cosmos, governa os seres, homens, animais e plantas, preservando as suas respectivas unidades, naturezas próprias e fins intrínsecos.

Deus é o governante universal (Παντοκράτωρ) que define as naturezas das coisas, estabelece os seus limites intrínsecos, combina-as num Todo ordenado e harmônico no qual os seres estão associados numa comunidade (κοινωνία) perfeita. Aquilo que carece de poder não existe de modo algum, não possui individualidade e nem lugar no esquema universal da realidade. Ser é poder. 

Dionísio comenta que certo mago chamado Elimas censurou o apóstolo Paulo por afirmar que Deus não pode negar-se a si mesmo, o que, segundo seu juízo, equivaleria a atribuir-lhe um limite, algo incompatível com a sua onipotência. "Se formos infiéis, ele permanece fiel; não pode negar-se a si mesmo" (2 Timóteo, 2:13). A objeção do mago interpreta a fidelidade divina como uma incapacidade de ser infiel e, portanto, como uma fraqueza ou uma carência. A onipotência (παντοδύναμός) exclui toda e qualquer limitação, portanto Deus não poderia estar privado da capacidade de ser infiel.

O busílis da questão reside na confusão (intencional, no caso de Elimas) entre a impossibilidade por limitação e a impossibilidade metafísica. A ausência de uma capacidade ou de uma potencialidade em um ente impossibilita certas operações, ações e efeitos. O homem, por exemplo, não pode voar, pois essa capacidade não está no rol das propriedades da natureza humana. O cego não pode enxergar por conta da privação de uma capacidade natural ao ser humano.

Deus, por seu turno, não é incapaz de negar a si mesmo no sentido de não possuir uma determinada propriedade ou de estar privado de alguma capacidade natural à sua espécie. Estas são incapacidades próprias de seres finitos. O ser infinito, Absoluto, não tem carência de nada, e, justamente por isso, não está sujeito às variações típicas dos entes limitados. A infidelidade é uma falta, um decréscimo que só faz sentido quando pensado em seres cambiáveis. 

Deus é "incapaz" de infidelidade não porque lhe falte uma capacidade, mas sim por não lhe caber essa imperfeição que não é outra coisa senão um decréscimo de virtude. Assim como não se pode dizer que um triângulo é incapaz de ser um quadrado porque lhe falta o poder de ser um quadrado, Deus não pode ser dito incapaz de ser aquilo que contraria a sua natureza infinita. Ao contrário do que o argumento de Elimas sugere, a possibilidade de Deus ser infiel provaria a sua limitação e não a sua onipotência.

A resposta de Dionísio ao desafio do mago consiste em mostrar que negar-se a si mesmo é declinar da verdade, e, sendo que a verdade tem Ser, então a declinação da verdade é uma negação do Ser. Logo, Deus não pode deixar de ser. Em outros termos, o infiel não se mantém na verdade. A deserção da verdade significa a deserção do Ser (a mentira é o contrário do que é real), e é impossível que Deus possa desertar de sua própria natureza enquanto o Ser Absoluto o mínimo que seja e em qualquer sentido que se queira.

O segundo nome atribuído a Deus é o de Retidão (ou Justiça) porque é Ele que concede às coisas a proporção (εὐμετρία), a beleza (κάλλος), a boa ordem (εὐταξία), determina a função e o lugar de cada uma delas na hierarquia da realidade de acordo com uma regra soberanamente equitativa. "Dispusestes tudo com medida, quantidade e peso" (Sabedoria 11:20). Nele estão contidas eternamente as medidas, os logoi, as ideias de todos os seres, consideradas separadamente e em conjunto, organizadas e dispostas num Todo ordenado, coerente e perfeito. 

Ἀεὶ ὁ θεὸς ὁ μέγας γεωμετρεῖ. "O grande Deus sempre geometriza". Ele determina a essência (εἶδος) de cada ser, impondo a cada um o seu limite (πέρας) e o seu fim (τέλος) específicos. Nenhum ente pode usurpar o lugar próprio de outro ente na ordenação da realidade. Consequentemente, a definição da Justiça é "dar a cada um aquilo que lhe é devido". Ser justo é reconhecer e agir de acordo com a ordem e a hierarquia expressas nas naturezas das coisas. "Comparada a todas as outras, portanto, a justiça é a mais divina e a mais abrangente das virtudes", pondera Marsilio Ficino.

Alguns dirão que não é justo que homens santos sejam oprimidos pelos maus. Dionísio responde que se esses homens são realmente santos, eles reconhecem que as coisas terrenas, objetos de ambição material, são inferiores às realidades divinas, as únicas realmente desejáveis. Se, em vez destas, eles amam e desejam aquelas, então não são de fato santos. E a justiça divina está em fortalecer a virtude desses homens desapegando-os das coisas inferiores e estimulando-os a buscar as realidade celestes, e não na concessão de bens terrenos e materiais que poderiam corrompê-los.

Deus é chamado Salvação primariamente porque Ele preserva na existência o mundo, mantendo cada coisa no seu lugar devido, evitando assim que a ordem do Cosmos definhe pelo conflito e pela degradação. E também redime os seres, restaurando o seu estado original, quando decaem e se afastam de seus limites próprios. Desse modo, a ordem do mundo é preservada da completa confusão mútua de suas partes e da sua destruição completa. 
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