quinta-feira, 7 de julho de 2011

Newton teólogo: o discípulo de Arius

Isaac Newton

Arius

Santo Atanásio


"Bem antes de 1675, Newton já havia se tornado um ariano no sentido original do termo. Ele reconhecia Cristo como o divino mediador entre Deus e o homem, que era subordinado ao Pai que o criou. Cristo recebeu o direito de ser venerado (embora não com a adoração devida ao Pai) por ter se humilhado e por ter sido obediente até a morte. O homem Jesus era para Newton não a união hipostática da divindade com a natureza humana em uma pessoa, mas o logos criado encarnado num corpo humano, de tal forma que ele, e não o homem, pudesse sofrer na carne. Por sua obediência, Deus o exaltou e o elevou ao lugar à Sua direita." (tradução minha do original em inglês, itálico no original)

RICHARD WESTFALL, Never at Rest - A Biography of Isaac Newton, p.313


Além de seu comprovado envolvimento com a Alquimia, Isaac Newton dedicou-se durante toda sua vida intelectual às questões sutis da teologia. Seu interesse nessas matérias data de antes de 1672 e se estende pelo resto de seus dias.

Tais estudos, contudo, tinham um caráter privado e permaneceram desconhecidos do mundo acadêmico até a descoberta feita por Keynes na primeira metade do século XX. A razão para esse segredo foi facilmente compreendida quando os manuscritos teológicos de Newton foram estudados.

Ao contrário do que muitos poderiam esperar, influenciados pela máquina propagandística do Iluminismo dos philosophes franceses do século XVIII e de seus sucessores, o patrono das ciências não era indiferente às questões religiosas, mas sim um abnegado estudioso de teologia que gastou anos de sua vida pesquisando a história do cristianismo, bem como perscrutando as Escrituras e os escritos dos padres da igreja.

Os resultados de seus estudos, entretanto, o levaram a abandonar secretamente a ortodoxia e a abraçar a heresia ariana. Segundo Richard Westfall, Newton estudou privadamente quase todos os grandes autores da tradição cristã: "Atanásio, Gregório Nazianzeno, Jerônimo, Agostinho, Ireneu, Tertuliano, Cipriano, Eusébio, Eutíquio, Alexandre de Alexandria, Epifânio, Hilário, Teodoreto, Gregório de Nissa, Cirilo de Alexandria, Leão I, Vitorino, Rufino, Manêncio, Prudêncio e outros."(p. 312)

Seu principal interesse residia nas controvérsias cristológico-trinitárias do quarto século que definiram a natureza divina de Jesus. Para Newton, uma grande fraude havia ocorrido nessa época e suas consequências funestas se estendiam até seus dias. A fraude começara quando Atanásio, o egípcio, venceu a polêmica contra Arius, introduzindo a doutrina da Trindade e, por conseguinte, a da divindade de Cristo.

Newton acreditava que o centro dessa doutrina estava na palavra grega homoousios - "mesma substância" - usada no Concílio de Nicéia para descrever a relação existente entre Deus e Jesus. Haveria uma Trindade consubstancial e indivisível e Cristo seria sua segunda pessoa, na qual o divino e o humano estariam unidos harmonica e hipostaticamente.

A palavra homoousios foi usada originalmente por Alexandre, bispo de Alexandria, na sua acusação de heresia contra Arius e retomada nas definições de Nicéia. Uma série de deturpações das Escrituras teriam sido levadas a cabo pelos hierarcas da Igreja - principalmente Atánasio - para tornar a doutrina trinitária aceitável. E como consequência, apontava Newton, o erro e a heresia se espalharam em formas variadas que iam desde a concentração de autoridade nas mãos dos eclesiásticos até a introdução da "perversa instituição" do monaquismo.

Entre 1672 e 1675 Newton define sua cristologia ariana na qual Cristo não é da mesma natureza que Deus Pai, mas sim o logos encarnado que, por sua obediência, é digno de receber a honra e a exaltação. As Sagradas Escrituras, segundo o cientista inglês, jamais usam o termo "Deus" referindo-se a nenhum outro a não ser ao Pai. Naquelas mesmas páginas sacras, o Filho sempre confessa sua dependência com relação a Deus, além de reconhecer que o Pai é maior que ele e atribuir-Lhe unicamente a presciência de todas as coisas. A união entre Jesus e o Pai é como aquela que existe entre os santos e nada mais.

Mas, e quanto às declarações cristológicas de São João? Newton responde:

"Quando, depois que alguns heréticos tomaram Cristo por um mero homem e outros o viram como o supremo Deus, São João, no seu Evangelho, quis determinar sua natureza [de Jesus], de tal modo que os homens pudessem ter a partir daí uma apreensão correta dele e evitar aquelas heresias, ele usou, para esse fim, chamá-lo palavra ou logos. Devemos supor que ele entendia esse termo no mesmo sentido em que era usado no mundo antes que ele o usasse, quando aplicado da mesma forma a um ser inteligente. Pois se os discípulos não usassem as palavras da forma como as encontravam, como poderiam esperar ser corretamente compreendidos [?]. Ora, o termo logos antes que São João escrevesse, era geralmente empregado no sentido dos platonistas, quando aplicado a um ser inteligente, e os arianos o compreenderam no mesmo sentido e, por conseguinte, deles é o verdadeiro sentido de São João." (p.316)

Westfall assevera que Newton via Atanásio como o heresiarca-mor, aquele que havia corrompido o Cristianismo inoculando-lhe um veneno que até a Reforma fôra incapaz de extirpar. Essas opiniões, é claro, o físico as mantinha privadamente, de tal modo que, após sua morte, seu secretário pessoal não se furtava a louvar-lhe publicamente a perfeita ortodoxia em matéria de religião.

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4 comentários:

Daniel R. Placido disse...

Olá, Rogério,

Será que esse "arianismo" do Newton, de algum modo, não poderia ser aproximado de uma perspectiva "gnóstica", de certo modo?

Digo isso porque por exemplo o M. Elide mostra semelhanças, independentemente do aspecto histórico em si, entre o arianismo e as concepções heterodoxas dos gnósticos, que tendiam à negar a igualdade entre Jesus e Deus Pai. Jesus era quando muito um anjo, uma espécie de emanação gerada no "mundo de Luz", mas jamais o próprio Deus , sempre distante e abissal, na visão gnóstica.

Abraços

R. Oleniski disse...

Olá Daniel!

É uma boa sugestão de estudo. Até onde eu sei, por meio dessas estudos históricos modernos sobre Newton, ele não cita fontes ou teses abertamente gnósticas em seus escritos.

Por outro lado, ainda falta muita coisa para ser publicada e estudada a respeito desses manuscritos.

Tem um autor, Phillip Ashley Fanning, que traça as origens da Royal Society nos projetos rosacrucianos de uma fraternidade de sábios. Ele chega a colocar John Dee como o iniciador desse processo todo.

Eu não sei se ele está certo, principalmente porque os registros que ele usa são cheios de buracos e têm que ser preenchidos com especulações.

Se ele estiver certo, não seria surpresa se Newton houvese recebido alguma influência gnóstica por essa via.

Contudo, não me parece impossível que Newton pudesse receber essa influência de outras fontes como, por exemplo, os platonistas de Cambridge.

Ainda há a fonte mais certa, os seus estudos da história da Igreja que, certamente, o levaram a ter contato com as teses gnósticas, principalmente aquelas descritas nas obras dos apologistas dos séculos II e III.

Agora, a concepção de Deus de Newton, como indicada no Escólio Geral dos Principia, não me parece ter origens gnósticas. Como eu não conheço suficientemente o gnosticismo, talvez essas tendências de Newton me escapem.

Mas seria uma pesquisa bem interessante de se fazer.

Abraços!

Mainar disse...

Teu blog é ótimo.

VC já pensou em postar livros?
Parabéns!

R. Oleniski disse...

Olá Mainar!

Eu não penso em postar livros não.

Já pensei nisso e em resenhas, mas resolvi não fazê-lo por achar que isso alteraria o perfil do blog.

Obrigado pelo elogio!

Abraços! ;)