domingo, 5 de dezembro de 2010

"Isaac Newton and the Transmutation of Alchemy": positivismo,ciência natural e hermetismo



Em 1936 o economista inglês John Maynard Keynes comprou em um leilão uma grande quantidade de caixas contendo escritos de Isaac Newton que foram considerados "inadequados para publicação" por seu executor legal após sua morte em 1727.

Keynes, após apreciar atentamente o conteúdo, veio a público declarar que Isaac Newton não era somente o primeiro da "era da razão, mas o último dos feiticeiros." Isso porque os escritos em sua posse eram majoritariamente tratados de alquimia.

Desde então houve um grande esforço para se compreender o papel que a alquimia e a religião tiveram na vida particular e nas pesquisas científicas de Newton. Após os importantes estudos de acadêmicos e biógrafos como Alexandre Koyré, Edwin Burtt, Frances Yates, Betty Dobbs, Richard Westfall, Michael White e outros, parece bem assentado o fato de que questões religiosas, metafísicas e alquímicas tiveram papel preponderante nas pesquisas pessoais e acadêmicas do sábio inglês.

Sabe-se, por exemplo, que Newton possuía vasta biblioteca sobre alquimia e hermetismo, que adquiriu novos volumes sobre esses assuntos até seus últimos dias e que mantinha extensa correspondência usando a linguagem simbólica característica dos alquimistas. Newton escreveu também tratados teológicos e de interpretação bíblica sobre as profecias de Daniel e do Apocalipse de São João.

Philip Ashley Fanning em seu livro intitulado Isaac Newton and the Transmutation of Alchemy explora as possíveis origens hermético-alquímicas da Royal Society e da filosofia natural de Newton, traçando um panorama que recua até John Dee no século XVI e a Fraternidade Rosa- Cruz no século XVII.

O livro é uma boa fonte de informação sobre diversos personagens e eventos históricos pouco estudados, mas peca por evidente ausência de um aprofundamento teórico-conceitual acerca de diversos aspectos das questões e disputas filosóficas de que trata.

O pior de seus defeitos é tomar os termos metafísica e sobrenatural como equivalentes e reduzí-los igualmente ao campo do mero inconsciente. Essa pressuposição junguiana (como ele mesmo a define) é altamente inadequada e empobrece a discussão.

Fanning deplora a perda de todo esse arcabouço teórico hermético-alquímico que, segundo ele, seria capaz de conjugar melhor o inconsciente e o consciente. Ele encara a religião e a ciência como cultores antagônicos de dogmatismos infundados e vê na tradição alquímica uma alternativa a essa relação conturbadamente dicotômica.

É interessante como Fanning parece não perceber que sua concepção do que é a metafísica e o sobrenatural é devedora da mesma visão iluminista e secular que dá sustento ao antagonismo que ele pretende condenar. E mais, qualquer restauração do hermetismo sob essa égide não seria nada mais do que a criação de um ente totalmente artificial que não poderia manter nenhuma ligação efetiva com aquilo a que os filósofos hermetistas se dedicaram.

Não é possível deplorar seriamente o fim de certas artes sem reconhecer suas prerrogativas intrínsecas e as concepções que lhes são essenciais da forma como elas foram tomadas e encaradas por seus praticantes originais. Caso contrário só se estará travestindo o novo com roupas velhas e desgastadas.

Contudo, a despeito das inúmeras questões filosóficas que deixa em aberto, Fanning faz uma sugestão interessante que, independente de sua verdade ou falsidade, dá azo a algumas reflexões sobre o caráter de um certo gênero de positivismo.

Segundo a conjectura de Fanning, Newton, entretido por anos a fio com a literatura hermética e com experimentos alquímicos, quis disfarçar seus interesses e suas reais concepções sobre a natureza das coisas com uma retórica positivista na qual advogava como objetivo da filosofia natural somente a descrição matemática do comportamento observável dos corpos sem hipóteses sobre a constituição última dos fenômenos.

Em outros termos, Newton teria se eximido da tarefa de fornecer publicamente no seu Principia as causas últimas dos fenômenos observáveis por auto-preservação, afinal seus colegas da Royal Society se sentiriam ofendidos com suas teses herméticas.

Como dito acima, independente do valor intrínseco da conjectura, ela mostra algo de muito importante sobre esse positivismo. Ele pode ser defendido tanto por aquele que despreza ou não crê nas investigações metafísicas quanto por aquele que pretende limitar o alcance da ciência natural e assim preservar a usurpação do território próprio da metafísica como um saber de ordem superior.

Nos dois casos a ciência natural se torna um saber autônomo que se ancora somente na adequação de suas teorias ao que é observado e predito, sem a pretensão de alcançar as causas últimas das coisas. Circunscrita a tais limites, (pretensamente) a ciência pode realizar suas pesquisas num campo suficientemente delineado, sendo regida somente pelo compromisso da adequação empírica.

Para alguns isso representaria a proteção da ciência natural contra as ameaças das disputas abstratas da metafísica ou das fantasias sobrenaturais. Para outros, no entanto, seria a defesa da metafísica contra os arroubos irrefletidos do dogmatismo da ciência natural.

2 comentários:

SergioMelo disse...

Informações preciosas

O artigo forneceu informações importantes a respeito dos escritos de Issac Newton sobre metafísica.
Gostaria de saber se os escritos metafísicos foram editados.
Agradeço e desejo a Paz Profunda.

R. Oleniski disse...

Olá Sérgio!

Olha, a maioria dos escritos não-científicos de Newton, até onde eu sei, ainda não foram publicados em sua totalidade nem na Inglaterra.

No Brasil lançaram o volume sobre as profecias do Apocalipse e o livro de Daniel.

Por enquanto, eu penso, a melhor fonte de informação sobre esses aspectos do pensamento newtoniano são trabalhos históricos acadêmicos e biografias como as de Richard Westfall e de Michael White, esta última intitulada "Newton, the last sorcerer" (publicada aqui com o título "Newton, o último feiticeiro").

Sobre os pressupostos metafísicos e filosóficos de Newton, uma boa introdução ao tema são os livros de Koyré e o clássico "The Metaphysical Foundations of Modern Science" de Edwin Burtt.

Espero ter ajudado!

À disposição,

R.