A medicina medieval foi grandemente influenciada pelas traduções dos séculos XII e XIII. Tendo em mãos boa parte do corpus aristotelicum traduzido para o latim, os professores universitários das faculdades de medicina iniciaram a incorporação dos novos conhecimentos recém disponibilizados ao cabedal do saber médico prático já existente.
No currículo das universidades, o acesso às faculdades de Medicina, Teologia e Lei era necessariamente precedido pelos estudos da faculdade de Artes, a qual preconizava o ensino das disciplinas precipuamente racionais como a Lógica e a Filosofia Natural (Física). Por causa disso, o futuro médico chegava à faculdade de medicina tendo estudado profundamente tanto as regras da argumentação e da demonstração quanto os fênomenos abarcados pela física peripatética.
Ainda mantendo como suas principais autoridades Galeno, Hipócrates, Dioscorides, Avicena e Albucacys, entre outros, os professores de medicina adotaram inteiramente o ideal científico aristotélico. Para eles era preciso tornar a medicina um scientia, o que significava torná-la uma disciplina baseada em rigorosas demontrações a partir de princípios universais, necessários e inegáveis.
Já não bastava a mera "arte" (techné) baseada na experiência haurida nos casos particulares. Saber que determinada substância cura determinada doença é bom, mas saber porquê isso se dá, conhecer suas causas últimas e universais, era melhor e mais nobre. Os princípios dessa medicina científica só poderiam ser encontrados na filosofia natural peripatética, isto é, na ciência geral dos seres móveis, a Física.
Os professores universitários buscavam provar suas teses através de rigorosas demonstrações lógicas, dedicavam-se a comentar e a solucionar eventuais contradições entre os textos de autoridades como Galeno e Aristóteles e a ligar a prática médica às teorias estabelecidas racionalmente.
O historiador da ciência Edward Grant assinala que o caráter racional da medicina medieval se mostra mais claramente na prática da dissecação de cadáveres para a determinação da causa mortis. Ela inicia no final do século XIII e rapidamente se transforma numa atividade centrada no ensino de anatomia. Ao contrário do que se pensa, segundo Grant, a dissecação não despertou reprovações teológicas - a despeito da tradicional proibição que remonta à Grécia e ao Egito - e se firmou como prática lícita nas faculdades de medicina, como atesta o livro-texto escrito por Mondino de Luzzi em 1316 para uso na universidade de Bolonha.
Não fosse o caráter racional dos cursos universitários medievais, assegura-nos Grant, uma tal inovação não teria ocorrido e os grandes avanços dos estudos anatômicos dos séculos XVI e XVII - como testemunhados na obra de Leonardo Da Vinci - poderiam não ter acontecido.
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