segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Os filhos de Sade, o puritano


Sade, o apóstolo da irracionalidade, do instinto e da imoralidade. Haverá alguém tão puritano quanto Sade? Sua vida desenvolveu-se sob o signo da proibição. "Se é proibido, gozo", deveria ser seu lema. Mesmo quando praticava torpezas, pedia à Natureza (alguém aí sentiu o cheiro de Deus?) sua bênção, pois afirmava que todos os crimes nada mais eram do que a realização de instintos dados pela própria Natureza. Seguir a Natureza é o que se deve fazer. É quase um imperativo categórico. Com certeza um preceito moral. Mas se a Natureza inspirava todas as torpezas e seguí-las era o dever, então tudo não residia sob o manto da bênção? Sade sentia que isso não era lá muito excitante afinal de contas. Havia necessidade da blasfêmia, do proibido...

Mesmo quando Delmoncé (o libertino-mor da Escola de Libertinagem), demonstra elegantemente ( raciocinado com método", dizia ele) à sua discípula a inexistência de Deus, ensina-a contudo que durante o ato sexual deveria-se blasfemar contra aquele ser inexistente. Estranho...Como algo tido como inexistente pode dar tanto prazer ?

Tal caso não passa de um sintoma claro do puritanismo de Sade. Pode-se dizer que ninguém fez mais pelo cristianismo que Sade. Deviam canonizá-lo. Oficialmente liberado pela Natureza a cometer toda sorte de ato sórdido, ele sentiu a vacuidade dessa idéia e, imediatamente, pôs-se a perseguir seu grande crime, o maior de todos: um crime contra a Natureza. Algo que mesmo a Natureza se envergonhasse. Ou seja, algo supremamente proibido. Gozo supremo para o transgressor.

Criaturas como Sade nada realmente questionam, ao contrário, reafirmam os padrões e proibições. Se só se pode viver a sexualidade como pecado, como fruto proibido, então não somos em essência muito diferentes de uma monja enclausurada. Sexo em banheiros públicos, dark rooms, glory holes podem se tornar algo tão cristão quanto a missa dominical. Se alguém só pode vivenciar seus desejos em lugares obscuros, sujos, escondidos pela escuridão, com o ar do pecado, do proibido, do blasfemo, então esse alguém não passa de um puritano. E se alimenta doentiamente da idéia de culpa. "Só gozo se eu for culpado".

Alguém livre da culpa incorpora em sua vida seus desejos, não os relega e os empurra para a marginalidade dos cantos escondidos e insalubres. Esses lugares são reflexo de como alguém encara seus desejos.

Há muita coisa a se assumir. A mais difícil delas é a inocência.

3 comentários:

Diego Mode disse...

Não vou falar de forma tão elegante (ou mesmo extensa), mas sempre concordei com esse tipo de pensamento. Não limitado somente a Sade, mas toda vez que presencio jovens afirmando que adoram os "poderes ocultos das trevas" ou que são "adoradores de La Vey" (perdoe a ignorância, não sei se o nome está correto), sempre desconfio de um sentimento de culpa retraído.

Será a melhor estratégia de se negar algo sendo justamente o seu oposto?

Diego Mode disse...

Ah...claro. Já ia me esquecendo. Se quiser ver algo menos inteligente ou filosófico, pode acessar o meu blog (só com vídeos):

http://www.diegomodevideos.blogspot.com/

propaganda feita! :-P

R. Oleniski disse...

Eu também acho que há esses elementos nessa onda de paganismo/ satanismo. Já li sobre Lavey e a Igreja de Satã. Entretanto, achei sua doutrina um misto hedonismo rasteiro totalmente dependente( como seria de se esperar )de conceitos cristãos. No fundo,analogamente a Sade, eu os acho mais puritanos que muitos cristãos. Acho que estão muito longe de um desafio mais consistente como o de Nietzsche.