"Nas coisas que admitem excedente e excedido não pode dar-se em ato um progresso até o infinito, pois de outro modo o Máximo seria da mesma natureza que as coisas finitas. É, portanto, necessário que o Máximo em ato seja o princípio e o fim de todas as coisas finitas. (...) Tudo o que não é o Máximo é finito, (tudo isso) tem também um princípio. Mas sendo necessário que derive de outro. Doutro modo, se derivasse de si, seria quando não era. Não é possível também proceder, nos princípios e nas causas, até o infinito. Existirá, pois, o Máximo simples, sem o qual nada pode ser. (...) Ao Ser Máximo nada se opõe, nem o ser, nem o não-ser e nem o ser mínimo."
NICOLAU DE CUSA, De Docta Ignorantia, cap.VI
Clássico da filosofia renascentista, o De Docta Ignorantia parte de um arcabouço de inspirações claramente neoplatônicas, pitagóricas e herméticas. Dionísio Areopagita, Pitágoras, Plotino e Hermes Trismegisto são unidos no primeiro tratado que versa sobre o Máximo Absoluto, ou Possibilidade Infinita, ou ainda, o Uno. Este está, por tratar-se do ilimitado e do infinito, para além de todo conceito ou palavra e sobre Ele só se pode ser douto na ignorância.
A verdade, por ser absoluta, não admite gradações, concorda perfeitamente consigo mesma e, por isso, todo entendimento humano, que sempre está sujeito ao mais e ao menos, jamais pode alcançá-la perfeitamente. Assim sendo, o intelecto que possui conhecimento perfeito, cuja semelhança ao conhecido está para além da possibilidade do maior ou do menor, só pode ser ele mesmo o intelecto perfeito. A perfeita coincidência é a perfeita identidade, daí que nenhum intelecto finito pode jamais alcançar tal grau de inteligência.
Por essa razão, somos todos ignorantes os seres finitos. O único cujo conhecimento é perfeito é o Máximo Absoluto que não comporta em si nem o mais e nem o menos, mas é o máximo de atualização de toda perfeição. Sendo assim, nele estão todas as coisas na qualidade de princípio máximo de tudo e tudo o que pode ser está nele como a fonte simplicíssima na qual tudo está complicado, imerso antes de sua manifestação.
Nele há a coincidentia oppositorum, isto é, os contrários coincidem nele porque justamente ainda não são contrários. E para falar dessa coincidência, Nicolau de Cusa utiliza-se de imagens matemáticas que só servem a seu propósito justamente porque são levadas ao infinito e, assim, transformadas em algo que elas por si mesmas não poderiam ser.
O caminho místico-intelectualista de Nicolau de Cusa é calcado na extrapolação do quantitativo até o infinito em ato para que este, por assim dizer, seja conduzido à sua negação e, entrando em colapso, abra as portas para o infinito qualitativo em ato, o Máximo Absoluto, Deus.
Segundo Nicolau de Cusa, só é possível falar das coisas divinas por imagens e símbolos. Como as coisas sensíveis são instáveis por causa da matéria, elas não aparecem como as imagens mais adequadas das realidades divinas. A escolha recai então sobre os signos matemáticos por causa de sua certeza incorruptível.
O método seria então considerar as figuras matemáticas finitas em suas razões próprias e transferí-las para figuras infinitas em ato e, desse modo, transpor tais razões para o infinito simples. Se tomamos um triângulo e o aumentamos até o infinito em ato, ele deixará de ser um triângulo, uma vez que seus limites foram obliterados. Mas nesse momento, abre-se à inteligência o conceito mesmo do infinito ou, na linguagem cusana, o Máximo.
Um triângulo infinito em ato não é mais um triângulo, assim como um quadrado infinito não é mais um quadrado e assim por diante. Qualquer figura quantitativa conduzida ao infinito em ato deixa de ser o que é e, como que desfazendo-se, torna-se o infinito. Se isso é assim, o Máximo é todas as figuras geométricas enquanto seu princípio infinito e ilimitado.
Tomando como exemplo uma linha finita, nela reside em potência todo um conjunto de figuras geométricas determinadas. Com linhas finitas posso construir um triângulo ou um quadrado, por exemplo. Analogamente, na linha infinita está em potência a linha finita assim como estava nesta em potência figuras geométricas determinadas.
Dito de outro modo, toda determinação tem origem no que é menos determinado e, por fim, no completamente indeterminado. O infinito em ato é, par excellence, o indeterminado, pois carece de todo e qualquer limite em qualquer sentido que se queira. Nele, na qualidade de princípio, estão concentradas todas as coisas que ainda não se determinaram.
Como tudo o que é limitado pode ser sempre aumentado ou diminuído continuamente, por adição e subtração de partes, nenhum ente limitado - incluindo as figuras geométricas - pode ser de fato infinito, uma vez que a infinitude simples não admite partes de qualquer tipo. A unidade máxima, Deus, é a única unidade verdadeiramente infinita.
O segundo tratado do De Docta Ignorantia versa sobre o universo e sua relação com o Máximo Absoluto. O universo não é mais do que o Máximo Contraído, a unidade que subjaz à pluralidade de todas as coisas e que só é existente em ato como isto e aquilo determinado.
Deus sendo o único legitimamente infinito, o universo não poderá ser ele também infinito. Contudo, ele não é tampouco finito. Só Deus pode ser infinito negativamente, isto é, infinito por não comportar nenhum gênero de limite. Dito do outro modo, todo e qualquer limite deve ser negado em Deus.
O universo, por outro lado, não é infinito a não ser privativamente, ou seja, ele é privado de um termo ou um término definido. Deus é infinito em ato, pura e simplesmente sem nenhuma parte ou limite de qualquer tipo. O universo é finito por ter partes e limites, mas de certa forma é infinito porque seus limites não são um termo definitivo para além do qual não haja nada.
O terceiro tratado é aquele que versa sobre o Máximo Absoluto unido hipostaticamente ao universo contraído no homem como microcosmo e resumo de tudo o que há. É o discurso sobre a Encarnação e a união das naturezas divina e humana em Cristo.