quinta-feira, 16 de abril de 2009

Poincaré sobre teorias contraditórias


"We should not flatter ourselves on avoiding all contradiction. But we must take sides. Two contraditory theories may, in fact, provided that we do not mix them and do not seek the bottom of things, both be useful instruments of research."



HENRI POINCARÉ, Életricité e Optique

sexta-feira, 10 de abril de 2009

The road to irrationalism?


Existe uma grande diferença entre as intenções de um filósofo e as consequências de suas idéias e teorias. Um dos exemplos mais patentes dessa verdade no século passado foi aquele das obras epistemológicas de Sir Karl Popper. Inúmeras vezes o filósofo austro-britânico manifestou sua intenção de, com sua metodologia falseabilista, salvar a racionalidade científica e, através disso, os fundamentos da sociedade liberal.

Entretanto, muitos já defenderam que o falseabilismo abriu as portas para o irracionalismo na epistemologia. E as raízes dese mal já estavam na teoria apresentada por Popper em seu livro The Logic of Scientific Discovery. O filósofo defendia que as evidências empíricas usadas para testar as predições logicamente deduzidas de uma teoria eram fornecidas por aparelhos e técnicas baseadas elas mesmas em teorias cuja verdade não se poderia verificar logicamente por meios indutivos.

Assim, ao aceitar uma evidência empírica que refutaria a predição de uma teoria determinada, o cientista estaria aceitando-a somente como uma convenção que poderia ser revista a qualquer momento. Assim, a força do falseamento se resumiria a um convencionalismo acerca da base empírica.

Ora, se assim era, o que impediria um cientista de, frente à uma refutação de suas predições, recusar a acuidade das evidências empírico-experimentais e adotar a hipótese ad hoc de que esses resultados refutadores estariam errados? Um movimento assim imunizaria uma teoria e a tornaria irrefutável.

Imre Lakatos, ciente desse fato, afirmava que, no limite, toda teoria científica era metafísica, ou seja, "irrefutável empiricamente" no jargão popperiano. Lakatos percebeu que todas as teorias estão às voltas com refutações desde seu início. O que os cientistas fazem é tentar salvar a teoria com hipóteses ad hoc sucessivas que formam um programa de pesquisas. Essas hipóteses podem ser progressivas se predisserem novos fatos ou degenerativas se não o fizerem.

Um programa de pesquisa será avaliado segundo a progressividade dessas hipóteses. Contudo, essa avaliação nunca será definitiva, pois um programa de pesquisas pode a qualquer momento voltar a progredir. Assim sendo, o cientista que abandona um programa estagnado por um outro progressivo é tão racional quanto um outro que se apega a um programa considerado já morto e espera que no futuro ele volte a progredir.

Será Feyerabend que mostrará que se não há uma refutação definitiva para os programas de pesquisa e que qualquer avaliação da situação de um programa é sempre temporalmente limitada, então não há motivo racional para exigir o abandono de uma teoria que tenha contra si uma gama imensa de evidências refutadoras.

Qual seria a lição dessa história senão o "anything goes"? Adotar e propor teorias refutadas teria tanto amparo racional quanto rejeitá-las e abandoná-las. Para muitos, essa perturbadora equivalência não seria outra coisa senão irracionalismo.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Duhem e teoria física como classificação natural


"(...) o objetivo da teoria física é se tornar uma classificação natural, estabelecer entre as diversas leis experimentais uma coordenação lógica que serve como um tipo de imagem e reflexo da ordem verdadeira de acordo com a qual que nos escapam estão organizadas. Além disso, como dissemos, nessas condições ateoria será frutífera e sugerirá descobertas."

PIERRE DUHEM, La Théorie Physique, son objet, sa structure


O físico, filósofo e historiador da ciência francês Pierre Duhem defendia que o objetivo de uma teoria física era representar de modo matemático o comportamento das magnitudes físicas e coordenar logicamente as equações assim resultantes em um conjunto coeso em que diversas leis fossem deduzidas de um conjunto menor de leis mais gerais e fundamentais.

Tal representação matemática seria simplesmente uma descrição do comportamento dos corpos e nada poderia dizer sobre a natureza última dos mesmos. Uma vez que a teoria física adotasse como seu objetivo uma representação matemática descritiva, evitar-se-iam assim as querelas de ordem metafísica que surgiam sempre em que se queria descobrir ou postular a natureza última dos fenômenos.

Assim, a pedra de toque da teoria física seria a concordância de suas predições, deduzidas das leis descritas em termos matemáticos, com os fatos experimentais. E esses sucessos preditivos, em conjunto com a estrutura lógico-matemática descritiva da qual foram deduzidos, é que seriam passados à frente ainda que a teoria metafísica (acerca da natureza última dos fênomenos) acoplada a eles fosse abandonada e substituída por outra.

Analogamente a um zoólogo que nota semelhanças e diferenças entre animais e as assinala criando um amplo quadro onde agrupa famílias, espécies e traça analogias entre os diversos grupos, o físico também nota as semelhanças entre as diversas equações que descrevem os comportamentos das magnitudes físicas e estabelece uma ordem na qual diversas leis são deduzidas de algumas poucas leis gerais e fundamentais.

A classificação natural assim atingida será uma descrição acurada das relações entre os corpos. E da mesma forma como um zoólogo pode se enganar ao tentar explicar as causas das relações que ele estabeleceu (apelando a Lamarck ou Darwin por exemplo) sem contudo poder negar a existência das mesmas, também o físico pode se enganar acerca da natureza última dos fenômenos sem com isso negar as acuradas representações matemáticas de seu comportamento observável.

sábado, 4 de abril de 2009

Lovecraft e o terror do conhecimento


"O homem deve se preparar para adquirir um conhecimento terrificante do Cosmos e do lugar que ele mesmo ocupa no turbilhão do tempo. É necessário pôr-se em alerta contra um perigo secreto bem determinado que, se não ameaça destruir a raça humana inteira, pode infligir aos seus representantes mais aventureiros horrores monstruosos e indefiníveis."

H.P. LOVECRAFT, The Shadow out of Time


Quem quer que já tenha lido boa parte dos contos fantásticos de H.P. Lovecraft irá notar um tema constante que atravessa suas obras: o terror advém do conhecimento. Em seus contos, de alguma forma, todos os estudiosos que se aventuram em conhecer as profundezas do real, sejam eles matemáticos, físicos, filósofos, antropólogos ou mesmo ocultistas e teósofos, encontram ao final de sua jornada somente horror e loucura.

Há em Lovecraft a consciência de que a atividade do conhecimento abre para os olhos humanos o abismo de sua pequenez cósmica e da indiferença essencial do universo para com ele. Alguns críticos já salientaram que as obras lovecraftianas têm um sabor de decepção com o rumo mecanicista e desespiritualizado da ciência moderna que culmina na afirmação de um mundo frio e indiferente.

Mas há algo mais que isso. Há o sentimento de que o conhecimento pode ser tão terrível que a loucura é a única alternativa misericordiosa frente ao horror. Se um dos mais poderosos deuses antigos, Azathoth (cujo nome não se deve pronunciar em voz alta), é um deus cego e idiota que deve continuar adormecido para não destruir todo o Cosmos e se seu preposto, Nyarlathotep, é maligno o suficiente para, tomando a forma humana, fornecer aos homens o poder de se auto-destruírem, então as forças que controlam o universo não são somente indiferentes.

Elas são más. São dotadas de uma vontade maligna, por vezes cega e por vezes intencional, mas sempre detestável e malévola num nível desconhecido ao ser humano. Blasfêmia é um termo usado amiúde por Lovecraft para descrever essas forças. Blasfemo é aquilo que, negando ou escarnecendo, vai contra tudo o que consideramos sagrado e certo. Essas forças, por sua própria existência e lugar no universo, escarnecem de nossas mais íntimas e ingênuas convicções sobre o bem e a harmonia cósmica.

O destino humano é então miserável e o conhecimento que leva a tal revelação é maldito em si mesmo. Não seria melhor ter permanecido na era dos mitos e da poesia, da qual Lovecraft tentas vezes manifesta nostalgia? A curiosidade do conhecimento se mostra como uma armadilha que lança seus artifícios insidiosos gradativamente e que, ao final, guarda somente engano e sofrimento.

Lovecraft parece não haver indicado qualquer solução para esse dilema a não ser, talvez, a rejeição implícita dessa curiosidade que deu azo ao conhecimento que traz nossa própria ruína. Talvez seja exagero classificar Lovecraft como irracionalista. Entretanto, ele é certamente um autor que, como diversos outros nos tempos recentes, através da literatura, lança dúvidas sombrias sobre as vantagens do conhecimento e se questiona se, sendo nosso lugar no mundo tão triste e insignificante, talvez fosse melhor não conhecê-lo.