domingo, 9 de maio de 2021

Lao Tzu, o Tao e a natureza do sábio


"O sábio enxerga as coisas em seu contexto total, a um só tempo em sua relatividade e em sua transparência metafísica. (...) vê os fenômenos sub specie aeternitatis e, portanto, em um tipo de simultaneidade. A isso se soma amiúde, por força das coisas, intuições sobre as modalidades praticamente imperceptíveis. O sábio enxerga as causas nos efeitos e os efeitos nas causas, ele vê Deus em tudo e tudo em Deus."

FRITHJOF SCHUON, Regards sur les mondes anciens, p. 144 (tradução minha do original francês)

Lao Tzu (老子) é o mais importante dos três sábios principais do taoísmo, junto com Chuang Tzu e Lieh Tzu. A ele são atribuídos os clássicos Tao Te Ching (道德經), base do taoísmo, e o livro de Wen Tzu (文子). Neste último, Lao Tzu discorre sobre a natureza do sábio e do Tao. 

Assim diz Lao Tzu no Livro de Wen Tzu, capítulo 4:

A sabedoria nada tem a ver com governar os outros, mas sim com ordenar a si mesmo. Nobreza nada tem a ver com poder e posição social, mas com a auto-realização. Atingindo a auto-realização, o mundo inteiro se encontra no eu. Felicidade nada tem a ver com riquezas e posição social, mas é questão de harmonia.

Aqueles que sabem o suficiente para considerar o espírito importante e o mundo leve estão próximos da Via (道). Então, eu disse: 'Alcançando o extremo do vazio, mantendo a quietude, como miríades de seres agem em concerto, deste modo observo o retorno.'

O sábio almeja ordenar a si mesmo e não ordenar ou governar os outros. A nobreza de espírito não é uma exterioridade como o status social, mas um estado interior. Quando o homem se torna sábio, todas as coisas são suas, encontram-se em seu espírito, pois ele está no centro da realidade. 

O Tao (a Via) é o centro imutável e a realidade última, e o sábio habita na fonte de todos os seres. O que pode querer o sábio se ele habita no vazio que é o nascedouro de todas as dez mil coisas? As riquezas e a posição social não importam para aquele que vive na perfeita equanimidade.

Continua Lao Tzu:

O Tao (a Via) molda miríades de seres, mas é perpetuamente sem forma. Silente e imóvel, compreende inteiramente o desconhecido indiferenciado. Nenhuma vastidão é grande o suficiente para estar fora dele, nada é tão diminuto o suficiente para estar dentro dele. Não possui moradia, mas dá nascimento a todos os nomes dos existentes e dos inexistentes.

Pessoas reais incorporam isso por meio da vacuidade aberta, da uniforme indiferença, clara pureza e completa simplicidade, não se imiscuindo com as coisas. Sua retidão perfeita é o Tao do Céu e da Terra, por isso são chamadas de pessoas reais.

O Tao é o fundamento ontológico último de todas as coisas, a regra que dá forma a todas as regras. Estando acima de todas as coisas como seu fundamento, não possui as limitações das coisas. É imóvel e silencioso em si mesmo, desconhecido e indiferenciado. As diferenciações pertencem aos entes e não ao Princípio. Não possui moradia, isto é, não está em nenhum lugar, mas sim em todos simultaneamente, dado que dá origem a tudo o que existe e também ao que não existe.

As pessoas reais são os sábios, os que vivem no Tao, na vacuidade original, na equanimidade absoluta do Princípio. O sábio é indiferente às coisas, puro e simples, pois está identificado não consigo mesmo, com seus desejos, apreços e aversões, mas com o Tao, a fonte de tudo, e que possui em si tudo na qualidade de Princípio. A retidão perfeita é a Via do Céu (天) e da Terra (地), isto é, da completude que une em si mesma os opostos originários.

Há no sábio, se assim é possível me expressar, uma "desidentificação" consigo mesmo na medida em que ele se identifica com o Tao. Ser sábio é identificar-se com o Princípio, e ser real e plenamente humano é ser um com o fundamento de tudo. Para isso, é mister esvaziar-se de todos os desejos, das aversões e dos apreços, abandonar as oposições e as dualidades na direção da unidade última. Nesse sentido, o Tao é o vazio supremo, e o sábio deve ser igualmente vazio. Como ensina Lao Tzu no Livro de Wen Tzu, capítulo 3:

Vazio significa que não há fardo no interior. Equanimidade significa que o espírito está desobstruído. Quando os desejos usuais não o incomodam, essa é a consumação do vazio. Quando não há desejos ou aversões, essa é a consumação da equanimidade. Quando está íntegro e imutável, essa é a consumação da quietude. Quando não está misturado com as coisas, essa é a consumação da pureza. Quando não lamenta nem exulta, essa é a consumação da retidão.

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Leia também: Νεκρομαντεῖον: taoísmo (oleniski.blogspot.com)

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