quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Aspectos do simbolismo da ordem em Star Wars



É de conhecimento comum que o diretor americano George Lucas, criador da saga Star Wars, inspirou-se na obra The Hero with a Thousand Faces, de Joseph Campbell, para conceber sua própria mitologia intergaláctica. Não à toa, é possível encontrar em seus filmes inúmeras referências a mitos tradicionais e a doutrinas religiosas e filosóficas ocidentais e orientais. Embora o universo de Star Wars seja cercado de máquinas e de tecnologia avançada, as ações de seus personagens principais são ditadas por valores que transcendem de muito esse âmbito da realidade.

O primeiro Star Wars: A New Hope, por exemplo, é permeado pelo tema da superioridade de uma perspectiva espiritual sobre o horizonte meramente técnico-material. E, curiosamente, uma das cenas mais características dessa hierarquia é protagonizada por Darth Vader, o Lorde Sith, que a defende diante dos oficiais do Império encantados com o "terror tecnológico" da Estrela da Morte.

Na cena, um alto oficial do Império gaba-se do imenso poder de destruição da Estrela da Morte e é interrompido por Vader que afirma que a capacidade de destruir planetas é insignificante diante do poder da Força. Arrogante, o oficial classifica Vader como um "feiticeiro" e sua declaração como uma "triste devoção a uma antiga religião". O que se segue é uma demonstração concreta de Vader do poder da Força, quase asfixiando à distância o oficial, acompanhada por um comentário sarcástico sobre a descrença do militar: I find your lack of faith disturbing.

Assim, manifesta-se que o belicismo tecnológico imperial é um mero instrumento de uma dimensão espiritual mais profunda, ainda que sinistra. O imperador Palpatine, por sua vez, não é um ditador ou um tirano comum, mas o representante de uma linhagem de interpretação da natureza do divino e de suas relações com todos os seres.

Paralelamente, Obi Wan Kenobi também enfrenta semelhante ceticismo acerca da dimensão espiritual da Força. Já embarcados na Millenium Falcon, o mestre Jedi e seu pupilo Luke Skywalker são ridicularizados pelo contrabandista cínico Han Solo que afirma que não crê que haja qualquer coisa que controle e transcenda a todas as coisas. A reação de Obi Wan, ao contrário de Vader, não é demonstrar violentamente a existência da Força, apelando a seus poderes, mas simplesmente sorrir condescendentemente, deixando as coisas exatamente como estão. 

Darth Vader e Obi Wan Kenobi refletem duas concepções simbólicas da ordem da realidade: os cavaleiros Jedi e a República representam a submissão voluntária, harmônica e orgânica das partes em favor da realização do Todo e os Sith e o Império representam a submissão das partes a um projeto de Todo imposto de fora. Os Jedi e os Sith são modos distintos de unificação de todas as manifestações da Força. Os Jedi percebem que multiplicidade não nega a unidade subjacente da Força e respeitam seus diversos modos de manifestação como justos em si mesmos, como aspectos harmonizados no Todo.

Os Sith consideram que a multiplicidade de manifestações da Força unifica-se não somente pela percepção espiritual da unidade subjacente de todas as coisas, mas que ela deve refletir-se palpavelmente na submissão de todas as coisas à unidade imposta pelo representante visível da Força, no caso, o Imperador. Por isso Palpatine e Darth Vader são tão fascinantes. Eles são a encarnação da atraente idéia de que a paz e a ordem só são alcançadas pela imposição de um princípio ordenador externo e irresistível que, de fato, realiza a ordem, ainda que seja por meio da supressão de todo conflito e de toda dissidência advindos das partes.

É interessante notar que, nos eventos cronologicamente anteriores a A New Hope, quando o caráter orgânico da República é ameaçado pela dissidência (fomentada secretamente por Palpatine), a solução encontrada e esposada é justamente a da imposição da ordem por meios bélicos, a saber, a criação de um exército de clones a ser usado contra os separatistas. A vitória de Palpatine acontece justamente quando sua visão de unificação da realidade é voluntariamente adotada pelos cavaleiros Jedi, ainda que com o objetivo de salvar a República.

Note-se, en passant, que um exército de clones simboliza uma força igualmente externa, vinda de fora da República, adquirida por meio do dinheiro, mercenária, cujos constituintes são destituídos de diferenciações e dissenções internas, mas também destituídos de convicção nos valores republicanos. Os clones são um instrumento impessoal que torna evidente a estranha ausência de um exército formado por cidadãos dispostos a defender com suas vidas a República. O Império Galáctico, inaugurado por Palpatine ao fim das guerras clônicas, é simplesmente a consequência lógica da escolha deliberada de uma concepção de ordem política que espelha-se em uma concepção metafísico-religiosa da ordem da realidade.

Em termos espirituais, a atenção do homem, quando voltada para a multiplicidade dos fenômenos, é seguida pelo apego, pela ambição e pelo desejo de controle. Os entes devem todos ser trazidos à ordem e à unidade que serve aos desígnios do Imperador. Já a atenção voltada para a unidade subjacente de todos os fenômenos, a qual revela-se na diversidade de suas manifestações, é seguida pelo desapego e pela negação do ego, o que faz com que os Jedi possuam uma postura serena de respeito desapegado pela multiplicidade dos entes. Luke Skywalker só pode destruir a Estrela da Morte porque abandona os meios técnicos externos e "usa a Força", isto é, sua ação provém justamente da fonte originária de tudo, anterior a qualquer impulso egóico fruto de avaliações enviesadas pelo desejo e pelo medo.

A queda e a posterior desaparição dos Jedi são ocasionadas pela mudança interior de uma percepção espiritual da unidade subjacente dos entes à uma tentativa de manter a sua unidade externa por meio da força e do controle. A ordem 66 realiza o fim material dos Jedi, mas sua derrota deu-se muito antes, em seu espírito.

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