Obviamente, o conceito de cavalo não é a mera apresentação de todas suas características. Primeiro porque elas excederiam de muito a nossa capacidade de percepção e de identificação. Segundo, porque não se trata de uma soma de elementos ou de um feixe de percepções arbitrariamente recolhido e unido. O conceito de cavalo expressa uma ordem específica na qual seus elementos estão alocados segundo a disposição adequada para a realização de um Todo.
Nenhum ente pode ser o que ele é sem apresentar a ordenação própria que caracteriza o seu tipo ou natureza. Este cavalo não pode ser o que ele é se não apresentar a ordem específica de todo e qualquer cavalo. O conhecimento conceitual é possível porque há um aspecto de definição, no qual os conteúdos de um conceito são claramente diferenciados uns dos outros, e um aspecto de fundamento, no qual esses mesmos conteúdos estão unidos ordenadamente em uma unidade.
O conhecimento conceitual encontra seu limite, segundo mostra o filósofo russo Semyon L. Frank no segundo capítulo de sua obra "O Incognoscível", justamente nessa unidade que subjaz a todo ser objetivo. Não captamos uma gama de percepções variadas que posteriormente unimos num Todo. Ao contrário, captamos um Todo do qual distinguimos mentalmente os elementos que o compõem. Com sorte, conseguimos identificar a ordem geral das relações estabelecidas por esses elementos e expressá-la em um conceito.
Porém, a unidade concreta que o ser objetivo apresenta é ontologicamente anterior ao conhecimento conceitual e distintivo, embora possa ser expressa conceitualmente em termos de elementos diferenciados numa ordem determinada. Essa unidade metalógica, como Frank a denomina, ultrapassa o que pode ser expresso em conceitos abstratos, pois trata-se da unicidade que todo ser objetivo apresenta concretamente, qualquer que ele seja.
Consequentemente, há dois tipos de conhecimento implicados na experiência acima: o conhecimento abstrato, de segunda ordem, expresso em juízos e conceitos, e o conhecimento intuitivo, de primeira ordem, a percepção imediata do objeto em sua unicidade metalógica e indivisível. Existe semelhança e correspondência entre os dois, mas não identidade. Daí que, na sua fonte primitiva, a realidade é indizível e incognoscível. Os conceitos podem, no máximo, traduzir a unidade metalógica das coisas como a música é traduzida numa partitura.
Nada disso significa que a realidade seja absolutamente incognoscível ou que nossa capacidade cognitiva não tenha acesso à ela por conta de alguma insuficiência ou limitação intrínseca. Nossos juízos são verdadeiros na medida em que correspondem ao que há na realidade. Sob esse ângulo, o realismo conceitual é verdadeiro. O filósofo russo não defende o nominalismo, isto é, a negação absoluta da realidade dos universais.
A partitura traduz uma peça musical numa linguagem diferente, mas é inegável que existe uma correspondência entre uma e outra. Não fosse assim, um pianista não conseguiria ler uma partitura e executar um Noturno de Chopin. Não obstante, a tradução e a música são essencialmente diferentes. A partitura expressa, em símbolos gerais e conceituais, a unidade da peça musical. Nossos conceitos e juízos expressam a realidade tal como ela é em seus aspectos mais universais sem que a unidade metalógica de cada coisa seja jamais esgotada.
O Todo que primordialmente constitui as coisas não pode ser senão "traduzido", "transposto" ou "expresso" em conceitos. Seria errôneo, entretanto, conceber que se trate de duas realidades independentes, uma metalógica e outra lógico-conceitual. O pensamento separa em dois elementos aquilo que concretamente é uma só e a mesma realidade. Por meio de um "pensamento negativo", no qual as qualidades definidas do objeto são deixadas de lado, o conhecimento alcança a unidade transdefinida do objeto.
Não obstante seja inegável a realidade dos universais, os entes deste mundo são singulares, isto é, únicos e irrepetíveis. Este cavalo, hic et nunc, é diferente daquele outro cavalo. Nunca haverá dois cavalos idênticos. Essa individualidade é incompreensível para o pensamento que depende de conceitos que expressam universalidades. Temos o conceito do que é cavalo sem jamais conhecer conceitualmente um único cavalo na sua singularidade.
Todo ente é único, não pode ser outro a não ser ele mesmo. Expressamos logicamente essa verdade ontológica pelo princípio de não-contradição: não é possível afirmar e negar um atributo qualquer a um mesmo ente ao mesmo tempo e num mesmo sentido. E cada ser é o que é e não outro justamente por seu caráter finito. O objeto A não é o objeto B porque A os dois estão "contidos" dentro de seus respectivos limites.
Ora, se subimos na escala dos seres, percebemos que a unidade metalógica se expande cada vez mais até alcançar a totalidade dos entes. Quando deixa de considerar a diferença intrínseca entre os objetos A e B, o pensamento busca uma unidade superior que os reúna sem contradição. No seu grau máximo, todas as coisas estão reunidas na Realidade, a unidade metalógica e omniabarcante que transcende as diferenças entre as coisas finitas.
A Realidade é transfinita. Engloba não somente aquilo que existe, mas também aquilo que ainda existirá. Sob esse prisma, é transbordamento, poder infinito, inabarcável, e, portanto, essencialmente incognoscível para o pensamento conceitual que só pode captar o que é distinto e limitado. O incessante vir a ser e deixar de ser das coisas constitui o aspecto temporal da Realidade para o qual não há nenhum limite ou fim.
O dinamismo próprio do tempo escapa à estabilidade dos conceitos. A ciência somente consegue lidar com a passagem temporal transformando-a em algo encerrado. O movimento e o tempo medidos são sempre aqueles que já terminaram. Óbvio, há elementos de estabilidade em ambos, caso contrário nenhuma medição ou pensamento seria possível. Ocorre que a elusiva essência da duração temporal permanece incognoscível para o conceito.
O tempo exige a admissão do aspecto potencial da Realidade. O que não existia e passou a existir não pode vir do nada. Tudo o que vem a ser, não importa sob quais condições, era algo que residia no seio indefinido das possibilidades. Dado que só conhecemos aquilo que já existe (o que está limitado e definido), esse Urgrund dos possíveis é também incognoscível.
A tentação racional é negar ou escamotear esse âmbito indefinido concebendo tudo como existente, estável e imutável. Assim, as doutrinas deterministas, físicas ou metafísicas, pretendem que o real é idêntico ao atual, e que todas as mudanças são aparentes. O que existe estava contido definidamente nas suas causas, semelhante à conclusão de um silogismo que está contida nas premissas. Do ponto de vista científico, que concebe a mudança somente como o que está terminado e definido, não há prejuízo para seus objetivos práticos.
O futuro, enquanto não se atualiza, é indefinido e incognoscível. A predição do que acontecerá é possível porque o pensamento se concentra sobre os aspectos estáveis do real. Encarada sob o ângulo da produção de coisas novas, singulares e irrepetíveis, a Realidade exibe uma liberdade primordial da qual as coisas participam na medida em que são capazes de trazer à existência novos aspectos nelas mesmas ou em outros.
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