quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Dionísio Areopagita e a teologia negativa em "Os Nomes Divinos" (Livro X) - o Antigo dos Dias

"As Sagradas Escrituras empregam o termo 'eterno' em quatro sentidos: o primeiro, para designar o incriado, isto é, Deus e aquilo que lhe é próprio; o segundo, para significar o imortal e o imutável, como os anjos; o terceiro, para designar o antigo; o quarto, para indicar a vida eterna do homem."

MARSILIO FICINO, "Comentários aos 'Nomes Divinos'"

O livro X de "Os Nomes Divinos" dedica-se a explicar a atribuição dos nomes "Governante Universal" (παντοκράτορος), "Antigo dos Dias" (παλαιοῦ ἡμερῶν), "Eterno" (αἰῶνος) e "Tempo" (χρόνος). Deus é denominado "Governante Universal", o Pantocrator, porque contém em si todas as coisas, e as governa como sua origem e seu retorno. Seu domínio, contudo, não é violento, pois a violência age contra a natureza da coisa violada. Tudo o que existe tem em Deus seu primeiro Princípio (ἀρχή) e seu derradeiro Fim (τέλος). Portanto, há uma natural reversão (ἐπιστροφή) dos seres na direção do Bem.

Tudo o que é possível, isto é, aquilo que tem aptidão para existir em algum momento, está contido eternamente no seio do poder divino. O filósofo alemão G.W. Leibniz, no seu escrito Échantillon de découvertes sur les secrets de la nature prise en général, de 1688, definiu Deus como a "raiz da possibilidade". Isso significa que Ele é o único que pode ser dito Onipotente. Sendo o fundamento de toda e qualquer possibilidade de existência, nada pode estar fora de seu poder, de seu domínio e de seu governo. 

"Antigo dos Dias" simboliza a anterioridade ontológica de Deus. Ele não é antigo temporalmente como um idoso que tem mais anos de vida do que um jovem. Sua natureza supraessencial é eterna, e precede a todo tempo enquanto Princípio dos seres temporais. Uma causa será mais fundamental quanto mais for universal, e aquilo que é mais fundamental é mais venerável. Então, as Santas Escrituras comparam Deus, o fundamento universal, a um ancião (πρεσβυτέρος), símbolo tradicional daquele que é digno de reverência por conta de sua experiência e de sua sabedoria 

A fim de evitar qualquer tentação de se conceber o divino literalmente como um ancião, as Escrituras também o chamam de Jovem (νεώτερος). Os entes vêm e vão, uns antes e outros depois no tempo, mas o Princípio que dá origem a eles é atemporal, "anterior" e "posterior" a tudo que é passageiro, "antigo" por sua precedência ontológica e "novo" por seu poder criador inesgotável. Toda antiguidade e toda novidade que se apresentam no mundo têm em Deus somente a sua razão de ser.

Note-se, entretanto, que as Sagradas Escrituras não utilizam o nome "Eterno" (αἰῶνος) para designar exclusivamente a natureza divina que não tem início (ἀγένητος) e nem sucessão de qualquer espécie. Também é considerado eterno aquilo que é imutável, invariável e imortal, como é o caso da aeviternitas dos anjos que, embora criados, não estão submetidos ao fluxo temporal. Outro emprego de eternidade refere-se àquilo que é muito antigo, ou ao próprio curso do tempo tomado em sua inteireza, pois este mede as mudanças que sofrem os seres cambiantes deste mundo.

O filósofo neoplatônico Proclo (412/485 D.C.), no seu tratado "Elementos de Teologia", distinguia dois tipos de perpetuidade (ἀΐδιος): a eterna, característica daquilo que é um Todo simultâneo, simples e indiviso, que não implica qualquer mudança ou sucessão, e a temporal, que implica numa sucessão de momentos sem início ou fim. Dionísio parece supor essa distinção quando assevera que há a eternidade que significa a ausência de mudança (Deus e os anjos) e a eternidade que significa um processo perpétuo, o que define a essência do tempo.

Cuidadoso com o uso dos termos, Dionísio adverte que nenhum ser é coeterno com Deus (nem os anjos). Se assim fosse, a natureza divina supraessencial compartilharia um atributo, a eternidade, com outros entes. Na verdade, Deus transcende até mesmo aquilo que é eterno. Marsilio Ficino explica essa passagem mencionando o fato de que quando concebemos na inteligência um ser eterno, pensamos num estado particular que não é simplíssimo e primeiro. Ou seja, a transcendência divina não admite qualquer comparação, de modo que nenhum termo, por mais sublime que seja, pode ser aplicado a Deus sem o risco de reduzi-lo a um ente entre outros entes.

Assim, declara Dionísio, existem coisas que devem ser entendidas como realidades intermediárias entre a imutabilidade e a mudança, participando tanto da eternidade quanto do tempo. Abaixo delas, estão os seres temporais que vêm a ser e deixam de ser. No caso dos seres humanos, embora submetidos à mudança, a eles é prometida a participação futura na incorruptível vida eterna. 

Por fim, Deus é denominado "Tempo" por ser a origem e o fundamento da perpétua sucessão temporal. Simbolicamente, o tempo representa a inesgotável força produtiva divina, a Natura Naturans, a mítica cornucópia repleta de bens e de riquezas que se manifesta continuamente pela renovação das coisas. 
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