"Ao discutirem sobre as classes dos seres e sobre as Ideias, os platônicos frequentemente introduzem certos opostos: o mesmo e o outro, com relação à substância; o grande e o pequeno, com relação à quantidade; o semelhante e o dissemelhante, com relação à qualidade; e o repouso e o movimento, com relação ao ato. Os teólogos os atribuem a Deus por uma razão que os ultrapassa de muito."
MARSILIO FICINO, Comentários ao "Os Nomes Divinos"
À Causa Universal (τῷ πάντων αἰτίῳ), diz Dionísio Areopagita, são atribuídos os títulos de Grande (τὸ μέγα), Pequeno (τὸ μικρὸν), Mesmo (τὸ ταὐτὸν), Outro (τὸ ἕτερον), Similar (τὸ ὅμοιον), Dissimilar (τὸ ἀνόμοιον), Repouso (ἡ στάσις) e Mudança (ἡ κίνησις). Deus é Grande porque seu poder é infinito (ἄπειρόν) e, portanto, imensurável (ἄποσον), superando qualquer quantidade. Todos os seus dons, distribuídos às criaturas, não diminuem em nada, como acontece a um ser limitado e material que, dividido, fica menor do que era antes da divisão.
O Pequeno refere-se ao fato de que Ele "penetra" todas as coisas sem obstáculos. Qualquer coisa que possua algum tamanho, por menor que seja, não é capaz de estar em qualquer lugar. A extensão sempre ocupa algum espaço, de modo que será impedida de encontrar-se onde já houver outro naquele lugar. A Pequenez divina, no entanto, não é uma extensão material menor que todas as outras. É o poder criador que dá realidade a tudo o que existe sem jamais ser limitado ou obstaculizado por nada.
Marsílio Ficino comenta que a Pequenez simboliza a simplicidade unida ao poder. Quanto mais uno algo é, mais excelso e superior ele é com relação ao que é múltiplo e dividido. A simplicidade da unidade, por exemplo, é o princípio do múltiplo, e contém em si, potencialmente, todos os números. Os elementos são os princípios que formam os compostos, e assim por diante. Quanto mais simples e indivisa a coisa é, mais ela atua como princípio de algo. Sendo infinito, Deus é simplíssimo, o Princípio de todas as coisas.
Ele é dito o Mesmo (ou Idêntico) porque é imutável (αμετάβλητος) na Sua absoluta unicidade supraessencial. Nos seres deste mundo, há sempre algo que permanece e algo que muda. A essência define o que uma coisa é, sendo, portanto, aquilo que não muda enquanto os aspectos acidentais variam. O cavalo é sempre cavalo, embora varie no tempo em seu tamanho, potência, maturidade, cor, etc. A estabilidade que existe nos seres imita a Identidade divina, ainda que imperfeitamente.
"Nele não há variação nem sombra de mudança", diz a Epístola de Tiago (1:17). Deus é invariável (αμετάπτωτος), puro (ἀμιγές), imaterial (ἄνυλος), inabalável (ἀῤῥεπές), simplíssimo (ἁπλούστατος) e independente (ἀπροσδεές). Nele não existe acréscimo (ἀναυξές) nem diminuição (ἀμείωτον). Não foi engendrado (ἀγένητος) por outro. Portanto, é autossuficiente (αὐτοτελὲς), eterno (ἀεὶ ὂν), sempre o mesmo (ταὐτὸν ὂν), e encontra em si e de si próprio, de forma única e idêntica, o fundamento de sua separação (ou do seu ser).
Dionísio faz menção aqui ao fato de que Deus tem seu fundamento na sua própria natureza. Aquilo que é engendrado ou causado, recebe sua realidade de outro. O termo causa sui (causa de si), utilizada por alguns filósofos e teólogos, tenta expressar inadequadamente essa absoluta autossuficiência divina. Mas o defeito dessa expressão reside no fato de que o que se deseja negar é precisamente qualquer dependência de Deus com relação a outra coisa. Ao se afirmar que Ele é sua própria causa, insere-se na natureza divina uma insuficiência ontológica que só cabe aos entes limitados.
Se algo tem uma causa, é porque não existe e nem pode existir a não ser pela agência de outro ente que já existe. No entanto, a "causa" de Deus não pode ser outro. Como dizer, sem contradição, que aquilo que depende de outro pode existir por si mesmo? O termo mais adequado, por conseguinte, para expressar a autarquia (αὐταρχία) divina seria ingênito (ἀγένητος) ou variações como incriado ou incausado.
A ordem do universo é fruto do Mesmo, pois o conjunto das coisas está unificado desde toda a eternidade no intelecto divino. Na sua natureza supraessencial, estão identicamente contidos, enquanto possibilidades, todos os opostos e riquezas deste mundo (coincidentia oppositorum). Encarado sob o ângulo da multiplicidade dos seres que existem, Deus é Outro (ou Diferença) porque está presente em todas as coisas pela sua providência (πρόνοια) enquanto princípio (ἀρχή) de tudo.
As coisas visíveis simbolizam a presença divina que é una, indivisível e invisível. De forma análoga, a alma está inteira presente por toda a extensão do corpo, mas se desejássemos imaginar as suas funções e representar cada uma delas por uma parte corporal, poderíamos dizer que o intelecto (νοῦς) seria simbolizado pela cabeça, a opinião (δόξᾰ) pelo pescoço, o ardor (θυμός) pelo peito, a concupiscência (ἐπιθυμία) pelo estômago e a natureza vital (φύσις) pelos pés e pelas pernas.
A alma é una e indivisa, e seria errôneo pensar que ela possui partes materiais pelo fato de que a cabeça pode simbolizar o intelecto, etc. Trata-se de um único e mesmo poder que se manifesta em múltiplas funções e partes. A planta (ou projeto) de uma casa está presente em cada pedaço da casa construída sem que a planta, ela mesma, tenha partes materiais. O corpo, sendo material, é extenso e divisível, mas não a alma.
A esse respeito, Marsílio Ficino comenta que Deus está presente em todas as coisas como uma única e mesma face está presente nas imagens refletidas em vários espelhos. Não haveria imagens se não houvesse uma face que as sustenta e permanece a mesma enquanto é refletida. Os bens individuais são como as imagens do Bem primordial. Outrossim, a unidade está integralmente presente em todos os números.
Dionísio ensina que não se deve confundir o símbolo com o simbolizado, atribuindo a Deus os limites intrínsecos das coisas que o simbolizam. Ao atribuirmos a Deus comprimento, largura e profundidade, as propriedades definidoras do corpo, é mister purificar essas noções para compreender seu justo sentido quando aplicadas ao Princípio. O comprimento é seu poder que excede a tudo, a largura é sua emanação sobre todas as coisas e sua profundidade é a escuridão de seu mistério incompreensível.
Deus é chamado Similar quando encarado segundo a similitude que concede às suas criaturas, inclinando-as sempre a Ele. Todavia, Deus não é similar a nenhum ente. O rosto refletido no espelho não é semelhante à imagem refletida. Ao contrário, a imagem é que se assemelha ao rosto. Se Deus fosse semelhante a alguma coisa, ambos coincidiriam em alguns de seus aspectos. Isso é impossível, dado que Deus não é um ser limitado para participar com outros seres de um atributo qualquer.
Dois entes são semelhantes quando possuem alguns atributos em comum. Essa comunidade (κοινωνία) implica que ambos sejam comparáveis segundo certos aspectos. Supor que Deus se compare a um ser qualquer é reduzi-lo a uma coisa limitada. Os seres finitos é que, na medida que suas naturezas permitem, participam e dependem do infinito poder divino. Por isso, Deus é mais propriamente chamado de Dissemelhante por causa de sua natureza absolutamente incomparável.
O nome Repouso expressa a imutabilidade divina na qualidade de fonte última de toda estabilidade das criaturas. Contudo, o repouso não é uma condição a que Deus esteja submetido, como acontece com as coisas materiais deste mundo. Um corpo pode estacionar num lugar por um tempo e depois mover-se na direção de outro ponto. O repouso divino não é corporal ou espacial, mas significa o imutável fundamento metafísico de toda realidade.
A atribuição da Mudança a Deus nas Escrituras expressa o poder de trazer as coisas à existência e sustentá-las pela sua providência em todos os momentos da duração temporal dos seres. O filósofo e polímata alemão Gottfried Wilhelm Leibniz, na terceira parte de sua obra Essais de Théodicée, explica que "a criatura depende continuamente da operação divina, tanto no seu começo quanto após o seu começo. Tal dependência implica que ela não continuaria a existir se Deus não continuasse a agir." (385).
A ação divina é imediata e atemporal, conquanto a permanência das coisas na existência seja temporal. A eficácia dessa ação criadora é representada pelo movimento em linha reta que vai direto de um ponto a outro sem nenhum obstáculo. O símbolo mais adequado dessa realidade, cremos, seria o movimento vertical descendente, o caminho que vai do céu à terra, o que o aproxima, quando deixamos de lado seu aspecto dinâmico, do simbolismo tradicional do Axis Mundi (eixo do mundo).
O movimento espiral simboliza a combinação da incessante criação e da estabilidade da natureza divina, pois a espiral move-se girando em torno de um eixo estável. Os seres são como ondas que "saem" do ponto central estendendo-se horizontalmente (isto é, na duração temporal) enquanto permanecem sempre unidas à estabilidade do eixo vertical, que representa o eterno poder engendrador e sustentador do Princípio. A serpente que se enrosca em torno da árvore do Paraíso.*
O movimento circular representa a Identidade de Deus. A circunferência não tem início ou fim em algum ponto, é autocontida, independente, e, por isso, é vista tradicionalmente como um símbolo da perfeição. Ademais, há um circuito da realidade no sentido de que as coisas "saem" de Deus e "retornam" a Ele sem jamais estarem separadas Dele. Os seres estão reunidos em Deus como os pontos opostos da circunferência são unidos pelo seu diâmetro e têm no centro sua origem.**
Por fim, depreende-se do Mesmo e do Justo que Deus é Igual (ῐ̓́σος). Ele se faz presente em todas as coisas igual e uniformemente, sem distinções. E qualquer igualdade que se manifeste no mundo estava contida na transcendente unidade divina.
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*Sobre esse tema, vide as observações de René Guénon nos capítulos 20 e 25 de sua obra "Le Symbolisme de la Croix".
**Em termos tridimensionais, cumpre recordar o simbolismo da esfera utilizado por Parmênides para representar o caráter totalizante do Ser. Na segunda definição do "Liber Viginti Quattuor Phisolophorum, Deus é "uma esfera infinita cujo centro está em todo lugar e cuja circunferência está em lugar nenhum" (Deus est sphaera infinita cuius centrum est ubique, circunferentia nusquam).
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