quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Dionísio Areopagita e a teologia negativa em "Os Nomes Divinos" (Livros XII e XIII) - final

"Dionísio se expressa também aqui com máxima clareza e mostra-se um platônico no mais alto grau. Assim, Deus é chamado o próprio Um porque ele abarca as coisas, por mais diversas e contrárias que sejam, na sua forma una, tal como uma luz compreende incontáveis raios ou o centro integra suas linhas."

MARSILIO FICINO, "Comentário aos 'Nomes Divinos'", cap. CCCXLI 

No Livro XII, são explicados os nomes "Santo dos Santos" (Αγίου ἁγίων), "Rei dos Reis" (Βασιλέως βασιλέων), "Senhor dos Senhores" (Κυρίου κυρίων) e "Deus dos Deuses" (Θεοῦ θεῶν). A "Santidade" (Ἁγιότης), Dionísio ensina, é a pureza sem manchas, a "Realeza" (Βασιλεία) é o poder de determinar todo limite e impor a ordem segundo a hierarquia, o "Senhorio" (Κυριότης) é a posse inteira e universal do Bem, e a "Divindade" (Θεότης) é a Providência que contempla e penetra todas as coisas sustentando-as unidas, porém transcendendo-as completamente.

A unicidade absoluta da natureza divina supraessencial é a causa transcendente dos dons que os entes exibem. Tudo aquilo que participa em alguma medida desses dons (a "Realeza", "Santidade", etc.) manifesta em grau finito o que no divino é infinito. Por conta desse excesso inabarcável de perfeição, Deus é chamado de "Santo dos Santos", "Rei dos Reis", "Senhor dos Senhores" e "Deus dos Deuses". Os santos deste mundo manifestam limitadamente a "Santidade" perfeitíssima do Princípio último de todas as coisas, assim como os reis manifestam a "Realeza", e assim por diante.

As realidades mais altas na hierarquia das coisas são mais santas e mais divinas. O anjo, por alta que seja a sua posição, ainda é um ente limitado. A sua santidade é um reflexo tênue da "Santidade" ilimitada. Analogamente, Dionísio afirma no Livro XIII, o nome "Perfeição" (τελείου) é atribuído a Deus enquanto causa transcendente de toda perfeição (ou completude) finita que os entes exibem. Marsilio Ficino comenta a esse respeito:

"Em Deus a perfeição não é um acidente extrínseco, mas é a sua própria substância. Ele não é perfeito somente em alguma parte, mas no todo, e de modo simultâneo e total. Tampouco recebe (a perfeição) de qualquer outro que não ele mesmo". 

Deus recebe o nome de "Um" (τὸ ἕν), Dionísio prossegue, pelo fato de que nada do que existe (ou pode existir) está destituído de participação na unidade. Os entes incorporais são mais indivisos e dela participam mais perfeitamente. Os corporais contêm alguma multiplicidade neles mesmos, partes distintas de outras partes, e, portanto, são divisíveis. Dentre estes, alguns são formados por partes de facto independentes umas das outras que são unidas num Todo por um agente externo, como no caso dos artefatos, ou pela ação de causas cegas, como num monte de poeira. Também os números procedem da unidade (μονάς ), princípio do múltiplo.

Obviamente, a unicidade divina, que não deve ser concebida em termos de quantidade ou de qualidade determinada, precede e transcende infinitamente, na sua coincidentia oppositorum, qualquer uma das participações dos seres finitos. Estes, que sempre se apresentam na realidade concreta como unidades numéricas (um cavalo, um homem, etc...), por seu turno, devem ao "Um" sua existência, sua coesão, sua permanência e sua forma. Até os termos "Uno" e "Trino" presentes na formulação dogmática da Santíssima Trindade, são inadequados para expressar a natureza divina supraessencial que ultrapassa quaisquer polaridades (uno e múltiplo, parte e todo, finito e infinito, definido e indefinido, etc...). 

A limitação da linguagem humana nos obriga a designar aquilo que está para além do Ser (ὑπερούσιος) com nomes que são adequados somente aos seres. O mistério divino é indizível, inefável, incompreensível, inalcançável. Mesmo o "Bem", que é o mais venerável e o mais justo dentre todos os termos atribuídos a Deus, não pode descrevê-lo adequadamente. A teologia negativa ou apofática é preferível à teologia afirmativa ou catafática porque as negações impedem que os nomes dados à natureza divina sejam interpretados segundo o sentido limitado proveniente das coisas deste mundo. 

A alma, abandonando toda multiplicidade, deve elevar-se por meio das negações à santa e luminosa região do Uno inominável que transcende tanto os sentidos quanto o intelecto, e pelo qual, no qual e graças ao qual as coisas possuem unidade e existência. Sobre essa bem-aventurada contemplação mística, Plotino ensinava nas Enéadas que "tal é o fim real da alma: entrar em contato e ver essa luz por ela mesma, e não por outro. Ver aquilo mesmo pelo qual ela vê. (...) Não vemos o Sol pela luz de outra coisa. Como isso se dá? Faça abstração de tudo" (V, 3, 17).

....

Comentário completo de "Os Nomes Divinos": Νεκρομαντεῖον: Os Nomes Divinos

Nenhum comentário: