KITARO NISHIDA, Ensaio sobre o Bem, p. 102 (trad. Joaquim Antonio Monteiro)
A partir de seu conceito de experiência pura, que afirma a unidade ontológica completa do real, anterior à distinção de sujeito e de objeto, o filósofo japonês Kitaro Nishida, em seu Ensaio sobre o Bem, trata no capítulo VII da concepção moderna da Natureza. A realidade é una, afirma, mas há diversas formas de a encarar e realizar distinções no seu seio, e a concepção de uma Natureza puramente objetiva, distinta de todo aspecto subjetivo, é um conceito abstrato.
A Natureza objetiva, tal como concebida pela ciência, nasce da eliminação conceitual de toda atividade subjetiva. Mesmo o conceito de matéria implica um fato da consciência, pois a matéria só poderia ser notada a partir de uma experiência consciente e, portanto, subjetiva. Sendo uma abstração, a Natureza objetiva não mostra a realidade tal como ela se apresenta à nossa experiência comum.
Como a ciência física privilegia os aspectos quantitativos, ela não é capaz de distinguir entre animais, vegetais e os homens, tudo sendo pensado a partir de uma mesma força mecânica. Essa não é a Natureza tal como a observamos, mas sim uma abstração conceitual. A realidade observada é repleta de caraterísticas qualitativas, cada uma delas correspondendo a um determinado conceito e a um sentido próprio. Os entes do mundo possuem diversos aspectos e poder-se-ia explicá-los a partir de diversos ângulos.
No mundo há animais, vegetais e pepitas de ouro. A ciência, por conta de seu recorte ontológico-metodológico, só consegue enxergar um aspecto desses entes, ainda que seja um aspecto válido em si mesmo. Ocorre, contudo, que há diferenças qualitativas óbvias à observação comum e cotidiana que são abstraídas pelos cientistas em nome da objetividade. O erro está em tomar esse recorte específico como o único passível de representar a realidade.
Ademais, em todas as coisas da Natureza, animadas e inanimadas, em maior ou menor grau, há uma função unificadora que não pode ser fruto de um movimento mecânico apenas. Mas as leis mecânicas e a função unificadora não entram em conflito, como em uma estátua de cobre que obedece a um só tempo às leis da física e da química de seu material e à lei da obra de arte que expressa nosso ideal. O poder unificador da Natureza é um fato manifesto à nossa observação, e dá sentido e fim essa mesma Natureza.
"A verdadeira realidade não possui cisão entre sujeito e objeto, portanto a Natureza efetiva não é um conceito abstrato dotado apenas de objetividade, mas consiste nos fatos concretos da consciência que abarcam tanto o sujeito quanto o objeto", assevera Nishida. Há coincidência entre a unidade de nossa subjetividade e o poder unificador da Natureza. A suposta independência de sujeito e objeto é que faz o espírito e a Natureza serem duas modalidades de realidade.
O que Nishida aponta, cremos, é que na formulação da chamada "linguagem científica objetiva" frequentemente se perde de vista o fato de que o homem é parte do mundo e que, por conseguinte, a consciência e a intencionalidade são fatos tão reais quanto a existência das pedras. O homem não é um ente que observa o mundo de fora e que ocasionalmente o contamina com propriedades que o mundo real não comporta de nenhuma maneira.
A questão não é, por conseguinte, saber como um mundo objetivo e opaco pôde dar origem a um ser intencional e reflexivo, pois não se está diante de uma anomalia que parece contradizer um fato estabelecido e que, por isso, requer explicação. A realidade humana é uma realidade tão "mundana" quanto a existência das pedras. Há uma unidade do real que ultrapassa a cisão entre sujeito e objeto e que, portanto, ultrapassa também o recorte ontológico operado pela ciência.
Todavia, Nishida não defende aqui um idealismo subjetivista. No capítulo seguinte de seu livro, tratando do tema do espírito, o filósofo afirma que, se a Natureza objetiva separada da subjetividade é uma abstração, a concepção de um espírito puro separado da Natureza objetiva também é uma abstração. Não há espírito que não aja sobre algo. A perspectiva de Nishida, se assim posso expressar, é a da suprema coincidência dos opostos que a tudo supera em sua unidade abarcante. Quando não há sujeito e objeto, quando não há "eu", a realidade se revela tal como ela é.
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