sexta-feira, 24 de julho de 2009

René Guénon, Gnose e Vedanta


"Se pelo Não-Ser se entende somente o puro nada, é inútil dele se falar, pois que se pode dizer daquilo que não é nada? Mas a situação é toda outra se se encara o Não-Ser como possibilidade de ser; o Ser é a manifestação do Não-Ser assim entendido e está contido, num estado potencial, no Não-Ser. A ligação do Não-Ser com o Ser é, então, a ligação do não-manifestado com o manifestado e pode-se dizer que o não-manifestado é superior ao manifestado do qual é o princípio, uma vez que contém em potência todo o manifestado mais aquilo que não é, não foi e não será jamais manifestado. Ao mesmo tempo, se vê que aqui é impossível falar de uma distinção real, pois o manifestado está contido em princípio no não-manifestado; entretanto, nós não podemos conceber o não-manifestado diretamente, mas somente através do manifestado; essa distinção existe então para nós, mas somente para nós." (tradução minha do original em francês)

RENÉ GUÉNON, Le Demiurge, 1909

O trecho acima é retirado do primeiro texto publicado por René Guénon na revista La Gnose, de novembro de 1909. Nesse texto Guénon trata dos diversos aspectos, modalidades de existência ou estados de ser no mundo manifestado (o domínio do Demiurgo) a partir do conhecimento integral ou Gnose.

Guénon, um devotado sufi, identifica o conteúdo da Gnose, não obstante algumas diferenças na expressão, com a doutrina do Advaita Vedanta exposta pelo grande sábio hindu ortodoxo medieval Sankaracarya. Assim, o mundo manifestado, o Demiurgo, nada mais seria que Maya, ou namarupa, o mundo fenomênico de nomes e formas, de limites, características e determinações.

O não-manifestado (ou imanifestado) seria Brahman Nirguna, o substrato não-dual de todas as coisas que constituem o mundo fenomênico. Sendo ilimitado e eterno, não pode ser dito pela gramática das coisas, pelas categorias duais de namarupa. Não é algo, mas a infinita possibilidade que só pode se revelar nas manifestações que dela precedem mas não a podem, sob nenhum aspecto, esgotar.

E entretanto, não sendo algo, o imanifestado não pode realmente se diferenciar do manifestado, como o barro não difere materialmente do vaso que dele é feito. Analogamente, Guénon alega, há um conteúdo metafísico eterno, essencial e esotérico, que une toda a multiplicidade formal e exotérica das religiões particulares.

E, da mesma forma que cada manifestação manifesta (e encobre) Brahman e nele tem sua raiz sem jamais esgotá-lo, assim também cada religião, com seus ritos, organização e mitos, é uma manifestação desse princípio metafísico que não pode ser esgotado pelas formulações dogmáticas de qualquer credo particular.