"O que faz tal revolução (grega) singular é, precisamente, o esforço dirigido, a modificação contínua e sistemática da Schemata da arte conceitual, até que o fazer foi substituído pela imitação da realidade, através da nova habilidade da mimese. A natureza não pode ser imitada ou "transcrita" sem ser primeiro desmontada e montada de novo. Esse é um trabalho não só de observação, mas também de experimentação incessante."
ERNST GOMBRICH, Arte e Ilusão, p.125
Em seu riquíssimo livro Arte e Ilusão, o historiador da arte Ernst Gombrich procura mostrar que a singularidade da arte grega se encontra num processo de modificação constante das formas rígidas da arte herdada do oriente com vistas à uma maior adequação representativa à realidade.
Se a arte egípcia era caracterizada por uma rigidez cuja função primordial era simbólica, retratando não indivíduos, mas tipos universais (schematas), a arte grega começa a se afastar desse ideal (embora jamais totalmente) através da introdução contínua de elementos tomados da observação cotidiana num processo de representação cada vez mais realista (mimese).
A mimese então estaria no sentido contrário da arte oriental herdada. Ao invés de apenas reproduzir tipos simbólicos universais de função ritualística, a arte grega procede à uma "encarnação" cada vez maior desses arquétipos. É como se o particular fosse sistematicamente introduzido no universal.
O rígido kouros da arte grega mais primitiva, que se aproxima de um tipo ideal pela rigidez de seus traços e de seu gestual, aos poucos ganha movimento e feições mais realistas, mais humanas, mais terrenas. Ele se encarna, adquire as feições da relatividade própria dos seres temporais que só podem existir como individuos. Ele não mais é um símbolo desligado das contenções do lugar, ao contrário, agora ele apresenta sinais do ser limitado pela contingência do tempo e do espaço.
Evidentemente, os deuses permanecem deuses e o processo de humanização grega é patentemente limitado. Contudo, esses passos representam o início de um movimento que, com idas e vindas, parece ter regido a história da representação pictórica na direção da imitação da natureza.
E o processo que rege esse movimento, segundo Gombrich, é análogo ao processo de tentativa e erros, conjecturas e refutações descrito por Karl Popper. Os antigos schemata herdados são como hipóteses iniciais que, de acordo com as exigências da experiência, são modificados dando origem a novos schemata mais acurados, embora igualmente provisórios.
Se isso é verdade para a história da arte, é também verdadeiro para o processo de criação do artista individual e para o apreciador da arte. O artista sempre parte de um esboço inicial que modifica continuamente de acordo com as exigências da representação. O apreciador projeta no quadro observado um esquema de referências e expectativas como conjecturas interpretativas para decifrar os sinais pictóricos.
Um comentário:
rogério!
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