"A visão que se pode obter, quando se chega a um certo grau de desapego, é aquela de uma unidade sintética na qual as distinções não possuem mais sentido: nem grande nem pequeno, nem velho nem jovem, nem amigo nem inimigo, etc... Todas estas distinções são feitas pelo sujeito enquanto ele ignora a natureza do Princípio. O Princípio está simultaneamente em todos os seres e em nenhuma parte."
JEAN GRENIER, L'Esprit du Tao, p. 17 (tradução minha)
O filósofo francês Jean Grenier, professor e amigo de Albert Camus, no primeiro capítulo de sua obra L'Esprit du Tao, tenta explicitar filosoficamente a natureza indizível do Tao. Ele salienta que o Tao já foi traduzido por europeus como "Logos", "Método", "Via" e "Primeiro Princípio, Natureza e Verdade". Lao-Tzu, o principal sábio do taoísmo, aplica o termo ao Ser Absoluto, considerado não como uma pessoa tal qual o Deus pessoal nas religiões monoteístas.
Grenier faz seis considerações sobre a Natureza do Tao. A primeira delas é que o Tao é a um só tempo o caminho e a sua realização. Não há distinção entre o meio e o objetivo. Mas pode haver maior ou menor proximidade com o Tao em certos canais divisados pelo homem, sem que se possa confundi-los com ele.
Em segundo lugar, essa realidade suprema é incognoscível, dado que tudo o que se pode conhecer cai no domínio do relativo, sujeitando-se à negação e à afirmação. Grenier compreende aqui que o Tao não pode estar sujeito às categorias dos objetos comuns e relativos deste mundo. Ele está para além de todas as coisas na qualidade de um fundamento último de toda a realidade.
A incognoscibilidade conduz naturalmente ao terceiro ponto apresentado por Grenier: o Tao é indizível. Não é possível designá-lo por qualquer nome. Mesmo o nome "Tao", ou "Caminho", não é um nome designando a natureza dessa realidade última. É apenas um nome que não é um nome verdadeiro.
Como o Tao não é relativo, nem cognoscível, nem nomeável, ele não se confunde com o Ser. Tudo o que é nascido, diz Lao Tzu, nasceu do Não-Ser. O Tao é o Não-Ser no sentido daquilo que está como fundamento de toda a manifestação. É preciso esclarecer o que creio que Grenier quer expressar. Há uma distinção subentendia aqui entre Não-Ser e o Nada. O Nada é a absoluta ausência de qualquer ser, o que o impede de existir em qualquer sentido.
O Não-Ser ao qual Grenier se refere é aquilo que está como fundamento do Ser. Se tudo o que possui ser é caracterizado pelos limites distintivos de sua natureza, isto é, tudo o que é ser é limitado, então o Ser enquanto tal não pode ser o fundamento último das coisas. Se o Ser é já um princípio de limitação, então o fundamento último deve ultrapassar as limitações dos seres. O Princípio deve ser ilimitado.
O ilimitado é indizível, pois nele não há nenhuma das limitações que caracterizam os entes deste mundo. Como expressar aquilo que não exibe nenhuma determinação própria? Para expressar o fundamento último ilimitado que transcende e funda os seres, Grenier faz uso do Não-Ser. O Não-Ser não é uma negação eliminativa de todo e qualquer ser, mas sim uma negação de todas as limitações características de todos os seres. O Tao nega o Ser não por deficiência, mas por superabundância.
Contudo, como assevera Grenier em seu quarto ponto, o mundo manifestado existe realmente. Ele não é uma ilusão ou uma fantasmagoria. Os entes existem e agem no mundo real. Não há Maya ou Avidya, como no Vedanta. Segundo Grenier, aqui se reconhece o espírito positivo do chinês.
O quinto ponto questiona como o Ser pode vir do Não-Ser. Chuang-Tzu, um dos sábios do taoísmo, diz poeticamente que "As portas e as janelas são feitas para que se tenha uma casa. Eis a razão pela qual a inutilidade vem do ser, e o uso nasce do não-ser". Isto é, as portas e as janelas são aberturas que nada contêm nelas, sua utilidade é justamente serem vazias e permitirem a entrada e a saída da casa. Não haveria casa sem esses espaços vazios.
Analogamente, assim como as janelas são vazias (não-ser) e permitem a construção da casa (ser), assim também o Não-Ser dá origem ao Ser. Os textos taoístas afirmam um nada de formas, um indefinido indeterminado. O Tao é um princípio que ultrapassa e funda todas as distinções comuns ao mundo do Ser. Ele ultrapassa mesmo a distinção primordial entre Yin e Yang.
O Princípio, por conseguinte, só é apreendido de maneira negativa. Só uma súbita iluminação pode fazer compreender o incompreensível. Tais aspectos são característicos de diversas tradições místicas ocidentais e orientais. O sábio, entretanto, é aquele que vive misteriosamente na indistinção primordial do Tao.
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