SURENDRANATH DASGUPTA, Hindu Mysticism, pag. 80 (tradução própria)
Na terceira palestra do ciclo de lectures ministrado na Northwestern Univerity sobre o misticismo hindu, o scholar indiano Surendranath Dasgupta trata do Yoga e seus objetivos. Ele inicia afirmando que, após a mudança de perspectiva e de objetivos espirituais operada pelos rishis nos Upaniṣads, a busca pela realidade última dar-se-ia no interior do homem, na compreensão da natureza do Ātman. Em vez dos objetivos materiais preconizados pelos sacrifícios védicos, os sábios buscavam conhecer a realidade absoluta para além de toda linguagem e descrição.
Segundo Dasgupta, de 700 a 800 anos antes de Cristo, já havia ascetas cujo hábito era o de concentrar suas mentes em objetos particulares e, por conseguinte, parar o movimento da mente e dos sentidos. Essa prática ainda não fazia parte de nenhum sistema metafísico de pensamento, mas era praticada com o fim de alcançar paz e quietude mental. Patañjali (II A.C.), o grande mestre do Yoga, fornece uma base filosófica para o sistema e indica, pela primeira vez, como as técnicas podem ser utilizadas para a emancipação do homem da servidão da mente e dos sentidos.
Os sábios dos Upaniṣads afirmavam que a realidade última era alcançada por uma experiência de auto-iluminação superior a qualquer modo de cognição comum. A natureza desse princípio último era altamente mística e foi considerada obscura mesmo no tempo dos rishis, uma vez que ultrapassava os modos de cognição sensíveis e intelectuais. Não obstante, era encarada como o eu real (e a realidade última. Essa experiência é a raiz de toda mística indiana desde então. A concepção geral do Ātman era de uma pura consciência sem conteúdo, diferente do que entendemos por idéia, conhecimento e pensamento.
Enquanto nossos pensamentos e sentimentos são mutáveis, a pura consciência é imutável. O objetivo derradeiro do Yoga é justamente dissociar o eu dos pensamentos, sentimentos, sensações e idéias e aprender que estes não passam de associações estranhas à sua natureza real. O eu é sempre livre, o princípio último da pura consciência, distinto de todas as funções mentais, faculdades, poderes e produtos. Confundimos o eu com as operações mentais e, por isso, perdemos de vista a sua verdadeira luz.
O verdadeiro eu, diz Dasgupta, é como uma pura luz branca encerrada por uma cúpula colorida e as operações da mente são os raios coloridos que emanam da cúpula. A luz branca permanece inalterada mente branca em sua fonte, mas é vista em diversas cores e confundida com elas. A única forma de desfazer a confusão é retirar a cúpula colorida e deixar livre a pura luz branca. O processo do Yoga consiste em controlar a mente de tal modo que cesse a mudança dos diferentes estados mentais.
A primeira condição é uma grande elevação moral. O yogue deve abster-se de prejudicar, ferir ou tirar a vida de qualquer ser vivo. Não deve roubar ou mentir e deve ter absoluto controle de suas tendências sexuais. Ele deve trocar pensamentos pecaminosos por pensamentos santos, meditar nos efeitos deletérios das tendências que o levam ao caminho errado. Deve cultivar a pureza, o contentamento, a indiferença às dificuldades, o estudo, a rendição a Deus, a compaixão, etc.
A meditação do Yoga começa com a concentração em algum objeto objeto físico. Essa concentração, entretanto, nada tem a ver com a busca da descoberta de novas relações ou fatos, como no caso do cientista concentrado em um fenômeno natural. O objetivo é parar o movimento da mente e evitar sua natural inclinação para a comparação, classificação, associação e assimilação. Atada a esse objeto, a mente não vagueia e seu movimento cessa.
Nada é conhecido do objeto em suas relações normais, mas a mente torna-se una com ele, fixa e imóvel. É o estado chamado de samadhi. É o conhecimento não mais contaminado pelas associações da mente, no qual o objeto não aparece como um objeto de "minha" consciência, pois não há mais "eu" e "objeto". A real natureza dos objetos é obscurecida pelas muitas associações ilusórias e falsas que fazemos em nosso conhecimento comum. Quando toda a dualidade de sujeito e objeto é ultrapassada, a real natureza das coisas é revelada em uma intuição direta chamada de prajna.
É preciso que o yogue concentre-se em objetos cada vez mais sutis, como a mente e Deus, a quem ele deve render-se completamente. Assim, verdades mais nobres são percebidas até que a libertação total do eu verdadeiro dos apegos da mente tenha acontecido. Mas a revelação última está para além de todo conceito, razão, sentimento ou mesmo intuição dos modos comuns de conhecimento. É, pois, indizível.
O processo consiste, então, em um caminho triplo de alta elevação moral, treino físico do corpo pela prática das técnicas de Yoga e concentração mental fixa que conduz ao conhecimento da realidade tal como ela é, fora de todas as associações que nascem da dualidade de sujeito e objeto. A mente controlada liberta o homem do apego e da rejeição.
Na palestra seguinte, sobre o misticismo budista, Dasgupta afirma haver muitas coincidências entre o caminho de Patañjali e o de Buddha e afirma que não é improvável que ambos tenham feito uso de práticas que existiam já há muito. A diferença principal parece ser o objetivo de cessação ou extinção expresso no Nirvana budista. Embora seja difícil descrever o Nirvana, pois é um estado sem nenhum conteúdo, ele é a libertação de todo o sofrimento e de toda a felicidade. É concebido como a suprema bem-aventurança e é, ao mesmo tempo, comparado à extinção de uma chama.
O estudiosos ocidentais, cujo temperamento é muito diferente dos budistas indianos, não compreenderam o Nirvana, critica Dasgupta. Tanto os ensinamentos dos Upaniṣads quanto os ensinamentos de Patañjali apresentam o estágio último da busca espiritual como algo sem conteúdo e não conceitual. É o eu, mas o eu liberto de todos os apegos e formas de conhecimento de nossa experiência comum. É a extinção de todos os sofrimentos, prazeres e experiências mundanas, tal qual o Nirvana. É um estado de bem-aventurança, mas sem sujeito e objeto, para além de toda a compreensão intelectual.
Os hindus, continua Dasgupta, pensam que tal estado é o luminoso Ātman. Os budistas, todavia, não podendo dizer o que existe nesse estado, negaram a existência do eu. O ensinamento hindu, porém, dificilmente pode ser dito mais claro que o budista. Ātman e Nirvana são igualmente indescritíveis, a não ser pelo método negativo de "não isso" e "não aquilo". Para discussões acadêmicas e filosóficas, um é absolutamente diferente do outro, mas do ponto de vista da experiência mística, ambos são transcendentes, sem conteúdo, insondáveis e profundos demais para a compreensão comum.
Surendranath Dasgupta não avança na comparação e deixa a questão nesse estado. Será interessante, creio, citar uma passagem do livro The Wisdom of the Vedas, de Jagadish Chandra Chatterji, onde o autor trata do objetivo espiritual último e faz uma comparação semelhante a de Dasgupta:
"Em seguida, há um terceiro grupo de práticas que são puramente mentais, conduzindo ao que é chamado de Samadhi, que é, em sua forma última, o estado de consciência do próprio ser verdadeiro do Atman, absolutamente livre e independente de todas as relações com qualquer objetividade, que desapareceu. Esse é também o Nirvana do Buddha, a consciência ilimitada (anantam vijnanam) sem qualquer relação com Terra e Água, Fogo e Ar, isto é, toda a objetividade, que desapareceu de sua visão (ver Kevaddha Sutta, fim). O Nirvana é descrito exatamente nos mesmos termos aplicados a Brahman-Atman nos Vedas, tais como não-nascido, incomposto, eterno e similares." (tradução própria, itálicos no original).
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Leia também:
http://oleniski.blogspot.com/2019/10/surendranath-dasgupta-mistica-e-os-vedas.html
A meditação do Yoga começa com a concentração em algum objeto objeto físico. Essa concentração, entretanto, nada tem a ver com a busca da descoberta de novas relações ou fatos, como no caso do cientista concentrado em um fenômeno natural. O objetivo é parar o movimento da mente e evitar sua natural inclinação para a comparação, classificação, associação e assimilação. Atada a esse objeto, a mente não vagueia e seu movimento cessa.
Nada é conhecido do objeto em suas relações normais, mas a mente torna-se una com ele, fixa e imóvel. É o estado chamado de samadhi. É o conhecimento não mais contaminado pelas associações da mente, no qual o objeto não aparece como um objeto de "minha" consciência, pois não há mais "eu" e "objeto". A real natureza dos objetos é obscurecida pelas muitas associações ilusórias e falsas que fazemos em nosso conhecimento comum. Quando toda a dualidade de sujeito e objeto é ultrapassada, a real natureza das coisas é revelada em uma intuição direta chamada de prajna.
É preciso que o yogue concentre-se em objetos cada vez mais sutis, como a mente e Deus, a quem ele deve render-se completamente. Assim, verdades mais nobres são percebidas até que a libertação total do eu verdadeiro dos apegos da mente tenha acontecido. Mas a revelação última está para além de todo conceito, razão, sentimento ou mesmo intuição dos modos comuns de conhecimento. É, pois, indizível.
O processo consiste, então, em um caminho triplo de alta elevação moral, treino físico do corpo pela prática das técnicas de Yoga e concentração mental fixa que conduz ao conhecimento da realidade tal como ela é, fora de todas as associações que nascem da dualidade de sujeito e objeto. A mente controlada liberta o homem do apego e da rejeição.
Na palestra seguinte, sobre o misticismo budista, Dasgupta afirma haver muitas coincidências entre o caminho de Patañjali e o de Buddha e afirma que não é improvável que ambos tenham feito uso de práticas que existiam já há muito. A diferença principal parece ser o objetivo de cessação ou extinção expresso no Nirvana budista. Embora seja difícil descrever o Nirvana, pois é um estado sem nenhum conteúdo, ele é a libertação de todo o sofrimento e de toda a felicidade. É concebido como a suprema bem-aventurança e é, ao mesmo tempo, comparado à extinção de uma chama.
O estudiosos ocidentais, cujo temperamento é muito diferente dos budistas indianos, não compreenderam o Nirvana, critica Dasgupta. Tanto os ensinamentos dos Upaniṣads quanto os ensinamentos de Patañjali apresentam o estágio último da busca espiritual como algo sem conteúdo e não conceitual. É o eu, mas o eu liberto de todos os apegos e formas de conhecimento de nossa experiência comum. É a extinção de todos os sofrimentos, prazeres e experiências mundanas, tal qual o Nirvana. É um estado de bem-aventurança, mas sem sujeito e objeto, para além de toda a compreensão intelectual.
Os hindus, continua Dasgupta, pensam que tal estado é o luminoso Ātman. Os budistas, todavia, não podendo dizer o que existe nesse estado, negaram a existência do eu. O ensinamento hindu, porém, dificilmente pode ser dito mais claro que o budista. Ātman e Nirvana são igualmente indescritíveis, a não ser pelo método negativo de "não isso" e "não aquilo". Para discussões acadêmicas e filosóficas, um é absolutamente diferente do outro, mas do ponto de vista da experiência mística, ambos são transcendentes, sem conteúdo, insondáveis e profundos demais para a compreensão comum.
Surendranath Dasgupta não avança na comparação e deixa a questão nesse estado. Será interessante, creio, citar uma passagem do livro The Wisdom of the Vedas, de Jagadish Chandra Chatterji, onde o autor trata do objetivo espiritual último e faz uma comparação semelhante a de Dasgupta:
"Em seguida, há um terceiro grupo de práticas que são puramente mentais, conduzindo ao que é chamado de Samadhi, que é, em sua forma última, o estado de consciência do próprio ser verdadeiro do Atman, absolutamente livre e independente de todas as relações com qualquer objetividade, que desapareceu. Esse é também o Nirvana do Buddha, a consciência ilimitada (anantam vijnanam) sem qualquer relação com Terra e Água, Fogo e Ar, isto é, toda a objetividade, que desapareceu de sua visão (ver Kevaddha Sutta, fim). O Nirvana é descrito exatamente nos mesmos termos aplicados a Brahman-Atman nos Vedas, tais como não-nascido, incomposto, eterno e similares." (tradução própria, itálicos no original).
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