Brihadaranyaka Upanishad
"A filosofia grega, ao contrário, embora sem desinteressar-se por essa verdade religiosa, estava mais interessada na vida que o homem tinha que levar na terra. Consequentemente, era preciso formular uma estrutura conceitual da natureza, da sociedade e do homem. Enquanto que, para o indiano, sendo a realidade na qual ele estava interessado interna e uma questão de experiência, a formação de conceitos era de importância secundária."
P. T. RAJU, The Western and the Indian Philosophical Traditions, p. 137
O professor e filósofo indiano Poola Tirupati Raju, em seu artigo The Western and the Indian Philosophical Traditions, tenta traçar, em linhas gerais, as origens, diferenças e desenvolvimentos do pensamento filosófico greco-ocidental e do pensamento filosófico indiano. Raju afirma que a civilização e a religião indianas nasceram há cerca de quatro mil anos nas regiões de Mohenjo-Daro e de Harappa, das quais dão testemunhos escavações que encontraram evidências de uma população pacífica que cultuava Siva e Sakti. Na mesma época, a prática da Yoga já era difundida.
A direção decisiva do pensamento indiano é dada no advento dos primeiros Upanisads, em torno de 900 a 600 anos antes de Cristo. Ali estão contidas discussões sobre o Samsara, a transmigração, a lei do Karma, a imortalidade da alma e a identidade do Absoluto (Brahman) e do Atman, A ênfase migra da realização criteriosa dos sacrifícios determinados pelos Vedas para a meditação e realização de Brahman. A realidade última deve ser encontrada não no exterior, mas nas profundezas interiores de nosso ser, o Atman.
O aparecimento, no século VI A.C., do jainismo e do Budismo, respectivamente fundados por Mahavira e Siddarta Gautama, aprofunda ainda mais essa ênfase na busca interior, pois, sendo tradições que rejeitam a autoridade dos Vedas, estão completamente desligadas dos deveres de sacrifício e da estrutura das varnas (castas). O centro dessas tradições está na busca interior da libertação, constituindo-se predominantemente de comunidades monásticas para as quais a organização social exterior tinha pouco interesse. Raju afirma que o Budismo e o Jainismo não pregam nada estranho aos Upanisads, concentrando-se, contudo, exclusivamente na natureza interior da realidade e deixando outras doutrinas de fora de suas prioridades espirituais.
Algo completamente diferente ocorre na origem da filosofia grega, afirma Raju. Embora a preocupação com a realidade interior não tenha jamais desaparecido do horizonte da filosofia grega, a ênfase estava na realidade exterior. O centro desse pensamento encontra-se no homem e na sociedade, na ciência e na ética. Busca responder à questão de como pode o homem viver a boa vida no mundo.
Raju ilustra essa diferença comparando o que considera a primeira grande obra filosófica grega, a República, de Platão, com a primeira grande obra filosófica indiana, o Brhadaranyaka Upanisad . A primeira tem como objetivo o estudo da sociedade e do lugar do homem dessa estrutura, enquanto a outra tem como objetivo o estudo do Atman e dos métodos para a sua realização:
"O método adotado pelo primeiro é o dialético-socrático, que visa a formação de conceitos necessários para a compreensão da realidade exterior, enquanto o do último é a negação de uma entidade após a outra, até que nos deparemos com uma realidade que não pode ser negada. Há pouco esforço para formular um conceito dessa realidade e toda a importância está ligada à sua realização. Para resumir a diferença: a filosofia grega tentou entender os modos da vida exterior e a filosofia indiana o caminho para a vida interior, e ambos consideravam que estavam em busca da realidade última." (p. 135)
Os rishis, os sábios dos Upanisads, almejavam conhecer o real e o supremo universal e o encontraram no Atman identificado a Brahman. Por essa razão, o pensamento indiano não estava precipuamente interessado na construção de uma estrutura conceitual para refletir a realidade que, ao fim, encontrava-se na dimensão mais interior e não na exterior. Tal é o fundamento da metafísica indiana.
Por que os hindus recusam-se a conceituar Atman e os budistas recusam-se a fazer o mesmo e por que ambos afirmam que a realidade última está para além de qualquer conceito ou pensamento? Porque o Ser ou essa realidade a ser conceituada está dentro daquele que conceitua, incluindo-o e transcendendo-o. Os Upanisads tratam do Atman e de Brahman e, por meio desses escritos, o homem adquira alguma idéia de ambos. Mas nenhuma idéia é o seu Ser.
Brahman é o centro mesmo de nosso ser e não pode ser apontado demonstrativamente como alguém que aponta um objeto distinto de si mesmo. Se o experimentamos, sujeito e objeto são obliterados e a pré-condição de qualquer julgamento desaparece. Por isso os Upanisads afirmam que nem a linguagem e nem os conceitos alcançam Brahman, a realidade última.
O desenvolvimento do pensamento indiano testemunhou, ensina Raju, a permanência e manutenção dessa mensagem da interioridade durante seu desenvolvimento posterior. Jiva dos jainistas, o Nirvana dos budistas, o Atman do Nyaya e do Vaiseshika, o Samkhya e o Yoga, Brahman dos Upanisads e do Vedanta são todos realidades internas. Não importando se o sistema, monista ou pluralista, realista ou idealista, a filosofia indiana é uma exposição dessa interioridade.
Raju encontra nessa especificidade do pensamento indiano a explicação do modo pacífico e harmônico com o que a religiosidade upanisádica absorveu diversos cultos dentro e fora da Índia. A ausência de dogmas e da exigência de crença em uma pessoa histórica particular, como nas religiões monoteístas, permitiu a sua expansão sem a destruição de cultos locais. A incorporação deu-se pela atribuição de um novo sentido, a da interioridade dos Upanisads, às formas exteriores dos cultos. Todo deus é uma forma de Brahman e toda deusa é sua Sakti. Semelhantemente, a expansão do Budismo pela China, Japão e Sudeste Asiático incorporou harmonicamente tradições locais.
Não há exposições sistemáticas nos Upanisads da interioridade, mas sim sentenças sobre diversas verdades ou experiências, de diferentes pessoas de diferentes épocas e lugares. A formação de conceitos filosóficos teria iniciado em torno do primeiro século antes de Cristo, estendendo-se até o século sétimo depois de Cristo com a composição dos Nyayasutras (século II D.C.), Vaisessikasutras (II D.C.), Mimansasutras (II D.C.), Yogasutras (III D.C.), Brahmasutras (IV D.C.). O primeiro grande comentário aos Brahmasutras foi composto por Gaudapada (século VI ou VII), seguido pelo importante e influente comentário de Sankara (século VIII).
A tradição ocidental, resume Raju, é essencialmente uma filosofia da exterioridade e a tradição indiana é uma filosofia da interioridade. O que não significa que estejam completamente ausentes em cada tradição os elementos da outra. A tradição indiana é centrada no Atman, seu ponto de partida e seu fim, de onde tudo origina-se e a para o qual tudo retorna. Imanente ou transcendente, a realidade última é diferente de qualquer coisa concebível.
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Leia também:
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http://oleniski.blogspot.com/2019/03/radhakrishnan-yoga-plotino-e-o-ideal.html
Raju ilustra essa diferença comparando o que considera a primeira grande obra filosófica grega, a República, de Platão, com a primeira grande obra filosófica indiana, o Brhadaranyaka Upanisad . A primeira tem como objetivo o estudo da sociedade e do lugar do homem dessa estrutura, enquanto a outra tem como objetivo o estudo do Atman e dos métodos para a sua realização:
"O método adotado pelo primeiro é o dialético-socrático, que visa a formação de conceitos necessários para a compreensão da realidade exterior, enquanto o do último é a negação de uma entidade após a outra, até que nos deparemos com uma realidade que não pode ser negada. Há pouco esforço para formular um conceito dessa realidade e toda a importância está ligada à sua realização. Para resumir a diferença: a filosofia grega tentou entender os modos da vida exterior e a filosofia indiana o caminho para a vida interior, e ambos consideravam que estavam em busca da realidade última." (p. 135)
Os rishis, os sábios dos Upanisads, almejavam conhecer o real e o supremo universal e o encontraram no Atman identificado a Brahman. Por essa razão, o pensamento indiano não estava precipuamente interessado na construção de uma estrutura conceitual para refletir a realidade que, ao fim, encontrava-se na dimensão mais interior e não na exterior. Tal é o fundamento da metafísica indiana.
Por que os hindus recusam-se a conceituar Atman e os budistas recusam-se a fazer o mesmo e por que ambos afirmam que a realidade última está para além de qualquer conceito ou pensamento? Porque o Ser ou essa realidade a ser conceituada está dentro daquele que conceitua, incluindo-o e transcendendo-o. Os Upanisads tratam do Atman e de Brahman e, por meio desses escritos, o homem adquira alguma idéia de ambos. Mas nenhuma idéia é o seu Ser.
Brahman é o centro mesmo de nosso ser e não pode ser apontado demonstrativamente como alguém que aponta um objeto distinto de si mesmo. Se o experimentamos, sujeito e objeto são obliterados e a pré-condição de qualquer julgamento desaparece. Por isso os Upanisads afirmam que nem a linguagem e nem os conceitos alcançam Brahman, a realidade última.
O desenvolvimento do pensamento indiano testemunhou, ensina Raju, a permanência e manutenção dessa mensagem da interioridade durante seu desenvolvimento posterior. Jiva dos jainistas, o Nirvana dos budistas, o Atman do Nyaya e do Vaiseshika, o Samkhya e o Yoga, Brahman dos Upanisads e do Vedanta são todos realidades internas. Não importando se o sistema, monista ou pluralista, realista ou idealista, a filosofia indiana é uma exposição dessa interioridade.
Raju encontra nessa especificidade do pensamento indiano a explicação do modo pacífico e harmônico com o que a religiosidade upanisádica absorveu diversos cultos dentro e fora da Índia. A ausência de dogmas e da exigência de crença em uma pessoa histórica particular, como nas religiões monoteístas, permitiu a sua expansão sem a destruição de cultos locais. A incorporação deu-se pela atribuição de um novo sentido, a da interioridade dos Upanisads, às formas exteriores dos cultos. Todo deus é uma forma de Brahman e toda deusa é sua Sakti. Semelhantemente, a expansão do Budismo pela China, Japão e Sudeste Asiático incorporou harmonicamente tradições locais.
Não há exposições sistemáticas nos Upanisads da interioridade, mas sim sentenças sobre diversas verdades ou experiências, de diferentes pessoas de diferentes épocas e lugares. A formação de conceitos filosóficos teria iniciado em torno do primeiro século antes de Cristo, estendendo-se até o século sétimo depois de Cristo com a composição dos Nyayasutras (século II D.C.), Vaisessikasutras (II D.C.), Mimansasutras (II D.C.), Yogasutras (III D.C.), Brahmasutras (IV D.C.). O primeiro grande comentário aos Brahmasutras foi composto por Gaudapada (século VI ou VII), seguido pelo importante e influente comentário de Sankara (século VIII).
A tradição ocidental, resume Raju, é essencialmente uma filosofia da exterioridade e a tradição indiana é uma filosofia da interioridade. O que não significa que estejam completamente ausentes em cada tradição os elementos da outra. A tradição indiana é centrada no Atman, seu ponto de partida e seu fim, de onde tudo origina-se e a para o qual tudo retorna. Imanente ou transcendente, a realidade última é diferente de qualquer coisa concebível.
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