sábado, 21 de junho de 2014

Aristarco de Samos, Apolônio de Perga, Hiparco de Nicéia e a astronomia helenística




"No século III, duas idéias particularmente surpreendentes fizeram sua aparição na Astronomia: a hipótese heliocêntrica de Aristarco de Samos e os modelos gêmeos dos epiciclos e dos círculos excêntricos, introduzidos por Apolônio de Perga." 

G.E.R. LLOYD, Greek Science After Aristotle


A famosa teoria heliocêntrica é a Aristarco de Samos claramente atribuída em uma obra de seu contemporâneo Arquimedes. Segundo o famoso matemático de Siracusa, Aristarco afirmava que a esfera das estrelas fixas - ao contrário do que se imaginava - tinha um movimento rotativo em torno de si mesma a cada vinte e quatro horas e que o Sol - também diferente do que se pensava - estava fixo ao centro do Cosmos e a Terra, por sua vez, girava em torno desse astro ao mesmo tempo em que girava sobre seu próprio eixo.

Segundo o historiador da ciência grega G.E.R. Lloyd, o modelo matemático daí resultante era muito mais econômico do que aquele de Eudoxo, em uso até então. Os mesmos movimentos que necessitavam oito esferas diferentes em Eudoxo eram resolvidos com uma só em Aristarco. Do ponto de vista da mera adequação matemática e simplicidade, o modelo heliocêntrico mostrava-se o mais vantajoso.


Resta saber por qual motivo a teoria não foi adotada de pronto. Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a adequação e simplicidade, importantes que sejam, não são por si mesmas provas da verdade de um modelo. Afinal de contas, o modelo matemático de Eudoxo era capaz de solucionar os mesmos problemas utilizando a Terra como centro. Em termos de adequação aos dados observáveis, elas eram equivalentes.

Em segundo lugar, não está clara a posição de Aristarco com relação a seu próprio sistema. Os astrônomos gregos eram precipuamente geômetras e para eles interessava sobejamente a solução de um problema matemático ainda que apara tanto fosse necessário admitir postulados falsos e aproximações.

Entretanto, a despeito da opinião de Aristarco, o modelo recebeu três gêneros de críticas fundadas respectivamente em questões de Física, de observação cotidiana e de astronomia propriamente dita.

A primeira delas leva em conta o fato de que, dentro da Física qualitativa de Aristóteles, os corpos graves dirigem-se naturalmente para o centro da Terra. Ora, desde que a Terra é um corpo grave, ela deveria naturalmente depositar-se no centro de gravidade de todo o cosmo, ou seja, o lugar exato onde está a Terra.

A segunda razão era de observação cotidiana. Se de fato a Terra tem um movimento de rotação de vinte e quatro horas, sua velocidade deveria ser imensa. como poderiam as nuvens e os projéteis poderia se mover na direção contrária à da Terra?

A terceira razão era de ordem astronômica. Se a Terra se move em torno do Sol, então como não se percebe na observação comum nenhuma paralaxe estelar, isto é, nenhuma diferença de posição das estrelas fixas de acordo com a posição do observados na orbe terrestre?

Como que prevendo a última objeção, Aristarco postulava (ou seja, tomava tal afirmação como um princípio não-demonstrado) que a uma distância suficiente entre a Terra e a esfera das estrelas fixas, nenhuma paralaxe seria observada. Os antigos também haviam encontrado uma possível explicação para a segunda objeção: não só a Terra se move, mas também o ar que a rodeia na mesma direção e velocidade. 

Quanto à objeção física, por forte que pareça, não entra no cadre de preocupações de um astrônomo. Este deve construir modelos matemáticos adequados à observação, mas não fornecer as razões mecânicas dos movimentos ou as razões naturais últimas dos fenômenos.

Não obstante, os astrônomos helenísticos recusaram a hipótese de Aristarco e permaneceram supondo a Terra como centro do cosmo. Por outro lado, havia um problema para o qual era indiferente a suposição da Terra ou do Sol como centro do cosmo: a desigualdade das estações. O modelo de Eudoxo lutara com esse problema e duas novas soluções foram propostas por Apolônio de Perga e Hiparco de Nicéia, os epiciclos e as órbitas excêntricas.

Os epiciclos eram órbitas de planetas que orbitavam em torno da órbita de outros planetas e as órbitas excêntricas tinham seu centro fora do centro da órbita de outro planeta. Ambos davam conta dos mesmos problemas e resolviam a contento o problema do movimento retrógrado dos astros.

Ambos eram matematicamente equivalentes, isto é, nos seus resultados davam conta dos problemas e eram adequados aos dados observados. Além de estarem ambos de acordo com dois pressupostos básicos:

1) A Terra no centro do sistema;
2) Órbitas de movimento circular e uniforme.

O segundo pressuposto pode ter sido a razão pela qual a astronomia grega não ter considerado a hipótese de órbitas elípticas. Tal fato é espantoso se lembrarmos que uma elipse é uma secção de um cone e que o próprio Apolônio de Perga, o introdutor dos epiciclos e órbitas excêntricas, escreveu uma obra inteira sobre as secções cônicas, elipses, parábolas e hipérboles. Admitir órbitas elípticas seria abdicar do segundo princípio que fôra formulado por Platão como diretriz para toda a astronomia matemática.

Seja como for, os esforços de Aristóteles, Eudoxo de Cnide, Apolônio de Perga e de Hiparco de Nicéia entre outros foram reunidos e aproveitados pelo gênio de Cláudio Ptolomeu na concepção do mais bem-sucedido modelo astronômico-matemático que se teve notícia até a retomada do heliocentrismo de Nicolau Copérnico por Galileu Galilei no século XVII.

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O vídeo abaixo mostra a equivalência matemática das órbitas excêntricas e dos epiciclos:


Sobre epiciclos e o movimento retrógrado dos planetas: 


Sobre Apolônio de Perga, elipses e secções cônicas:


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