"O estudo da mecânica (...), sendo útil a muitas coisas importantes da vida, é justamente considerado pelo filósofos como digno do mais alto grau de aprovação. E todos aqueles que se interessam pelas matemáticas a ele se dedicam com paixão (...).
(...) Os mecânicos da escola de Heron afirmam que a mecânica comporta uma parte teórica e uma parte prática. A parte prática consiste em geometria, aritmética, astronomia e física; a parte prática, no trabalho dos metais, colagem, carpintaria, pintura e atividades manuais ligadas a elas.
(...) Entre as artes mecânicas, as mais úteis, do ponto de vista da necessidades vitais são as seguintes: 1) a arte dos construtores de polias (...), 2) a arte dos que fabricam instrumentos necessários à guerra (...), 3) os fabricantes de máquinas propriamente ditos (...), 4) os antigos chamavam de mecânicos também os fabricantes de prodígios (...), 5) denominam-se também mecânicos aqueles que sabem fabricar esferas e construir um modelo do céu (...)."
PAPPUS DE ALEXANDRIA, Coleção Matemática, VIII, 1-2
Na classificação tradicional de Aristóteles, a mecânica se encontra entre as ciências médias juntamente com a ótica, a harmonia e a astronomia. Tais ciências, ocupando um lugar intermediário entre a Física e a Matemática, têm como objeto de estudo as relações quantitativas dos objetos, sem abstraí-las dos mesmos como o faz a Matemática e sem também considerar a natureza desses objetos, como faz a Física qualitativa.
A mecânica ganhou grande impulso na era helenística principalmente na cidade de Alexandria, governada pela dinastia macedônia dos Ptolomeus, descendentes de um dos generais de Alexandre, o Grande. Os Ptolomeus fundaram a famosa Biblioteca de Alexandria e o igualmente famoso Museu e destinaram recursos para o financiamento dessas instituições de estudo e pesquisa científicas.
O trecho citado acima, de autoria de Pappus de Alexandria, foi escrito no início do século IV D.C. e dá conta dos desenvolvimentos da mecânica efetuados em um período que vai do século III A.C. até o o fim do primeiro século da Era Cristã. Entre os nomes famosos desse período estão Ctésibios de Alexandria (cujos tratados sobre mecânica perderam-se), Philon de Bizâncio (que escreveu a Coleção Mecânica), Marcus Vitruvius Pollio (autor do tratado Da Arquitetura) e Heron de Alexandria (Pneumática, Sobre a Construção de Peças de Artilharia e Sobre a Construção de Autômatos).
Os mecânicos ou arquitetos, como também eram chamados, tinham funções variadas, entre as quais estava fornecer os fundamentos para uma casa e mesmo para uma cidade inteira, construir engenhos militares, fabricar polias e máquinas de diversos gêneros, construir instrumentos astronômicos e também criar prodígios.
Com relação a ao último ítem da lista, os prodígios eram máquinas e engenhos criados para causar espanto e admiração, como o teatro de marionetes automatizado criado por Heron para o entretenimento de seus conterrâneos ou como o engenhoso sistema de portas automáticas de um templo que se abriam quando o fogo do altar era aceso. Este último, criado também por Heron, tinha uma função religiosa: criar a impressão de que os deuses abriam as portas do templo quando os sacerdotes acendiam o fogo do altar.
O sistema era simples. O fogo aceso no altar esquentava o ar que, dilatando-se, descia para um reservatório com água. Esta era expulsa do reservatório e conduzida por meio de um cano curvo até um outro recipiente, uma espécie de balde cuja alça estava atada à uma corda postada sobre uma polia. A corda duplicava-se e enrolava-se em dois cilindros giratórios imediatamente abaixo das portas do templo. Tais cilindros controlavam a abertura das portas. À medida em que a água era depositada no balde, este descia e trazia consigo a corda atada a ele e, por sua vez, puxava os cilindros fazendo-os girar e abrir as portas. Uma vez apagado o fogo, a água retornava ao recipiente original, tornando-se mais leve. Um contrapeso atado à uma corda sobre uma polia no oposto, puxava essa corda e esta fazia girar os cilindros no sentido contrário e assim fechavam-se as portas.
No que tange a engenhos mais úteis à comunidade, Ctésios inventou uma bomba dupla para combate de incêndio utilizando-se de pistões, cilindros e válvulas, como mostra a ilustração abaixo.
A mecânica ganhou grande impulso na era helenística principalmente na cidade de Alexandria, governada pela dinastia macedônia dos Ptolomeus, descendentes de um dos generais de Alexandre, o Grande. Os Ptolomeus fundaram a famosa Biblioteca de Alexandria e o igualmente famoso Museu e destinaram recursos para o financiamento dessas instituições de estudo e pesquisa científicas.
O trecho citado acima, de autoria de Pappus de Alexandria, foi escrito no início do século IV D.C. e dá conta dos desenvolvimentos da mecânica efetuados em um período que vai do século III A.C. até o o fim do primeiro século da Era Cristã. Entre os nomes famosos desse período estão Ctésibios de Alexandria (cujos tratados sobre mecânica perderam-se), Philon de Bizâncio (que escreveu a Coleção Mecânica), Marcus Vitruvius Pollio (autor do tratado Da Arquitetura) e Heron de Alexandria (Pneumática, Sobre a Construção de Peças de Artilharia e Sobre a Construção de Autômatos).
Os mecânicos ou arquitetos, como também eram chamados, tinham funções variadas, entre as quais estava fornecer os fundamentos para uma casa e mesmo para uma cidade inteira, construir engenhos militares, fabricar polias e máquinas de diversos gêneros, construir instrumentos astronômicos e também criar prodígios.
Com relação a ao último ítem da lista, os prodígios eram máquinas e engenhos criados para causar espanto e admiração, como o teatro de marionetes automatizado criado por Heron para o entretenimento de seus conterrâneos ou como o engenhoso sistema de portas automáticas de um templo que se abriam quando o fogo do altar era aceso. Este último, criado também por Heron, tinha uma função religiosa: criar a impressão de que os deuses abriam as portas do templo quando os sacerdotes acendiam o fogo do altar.
O sistema era simples. O fogo aceso no altar esquentava o ar que, dilatando-se, descia para um reservatório com água. Esta era expulsa do reservatório e conduzida por meio de um cano curvo até um outro recipiente, uma espécie de balde cuja alça estava atada à uma corda postada sobre uma polia. A corda duplicava-se e enrolava-se em dois cilindros giratórios imediatamente abaixo das portas do templo. Tais cilindros controlavam a abertura das portas. À medida em que a água era depositada no balde, este descia e trazia consigo a corda atada a ele e, por sua vez, puxava os cilindros fazendo-os girar e abrir as portas. Uma vez apagado o fogo, a água retornava ao recipiente original, tornando-se mais leve. Um contrapeso atado à uma corda sobre uma polia no oposto, puxava essa corda e esta fazia girar os cilindros no sentido contrário e assim fechavam-se as portas.
No que tange a engenhos mais úteis à comunidade, Ctésios inventou uma bomba dupla para combate de incêndio utilizando-se de pistões, cilindros e válvulas, como mostra a ilustração abaixo.
Contudo, a mais impressionante e famosa invenção daqueles dias áureos de Alexandria é certamente a Eolípila de Heron.
O engenho é de uma simplicidade e de uma genialidade impressionantes. Trata-se de um recipiente de água fechado e ligado por dois canos laterais à uma esfera dotada de dois canos curvos curtos em direções opostas. O fogo postado sob o recipiente esquenta a água e esta entra em ebulição liberando vapor. O vapor sobe pelos canos laterais, entra na esfera e sai pelos canos curvos curtos impulsionando o movimento giratório da esfera.
Heron parece não ter pensado em nenhuma utilização prática de seu engenho movido à vapor. Os mecânicos alexandrinos frequentemente viam suas criações como diversões ou passatempos e não discerniam neles qualquer utilidade prática. Muitos historiadores se perguntam a razão dessa atitude e especulam sobre a possibilidade de uma revolução industrial ainda na antiguidade.
Por qual razão essa revolução não se deu na antiguidade? G.E.R. Lloyd - em cujos estudos baseamos esta postagem - apresenta diversas razões para essa ausência. No caso da utilização da força do vapor, existiam grandes obstáculos técnicos para sua utilização, entre elas a construção de grandes cilindros e a dificuldade de impedir que o vapor escapasse em altas pressões.
Para citar um outro exemplo de subaproveitamento de uma invenção mecânica, Vitrúvio, o engenheiro-chefe de Augusto, inventara um moinho movido à força da água. Contudo, o mesmo era de difícil e custosa construção e dependia de rios de fluxo constante ou de aquedutos que conduzissem as águas até o moinho. Mais baratos e práticos eram os moinhos movidos à tração animal.
Alguns autores sugerem que o menosprezo das máquinas se dava por causa da instituição da escravidão. Havendo escravos para fazer o trabalho pesado, por que buscar modalidades alternativas de produção? Lloyd assevera que, embora a escravidão seja um fator relevante, sua importância não pode ser exagerada, pois qualquer dono de escravos sabia o quanto era caro mantê-los, alimentá-los e controlá-los.
Há também o muito conhecido menoscabo das atividades técnicas entre os gregos. Desde Platão e Aristóteles, o conhecimento científico é precipuamente teórico. É a contemplação das verdades eternas e imutáveis. Para Aristóteles, a ciência propriamente dita é apodítica, demonstrativa e as artes, embora envolvam raciocínio, tratam daquilo que é variável, a saber, aquilo que depende do artífice para existir.
O artefato não é como os entes naturais que têm em si mesmos seu princípio de movimento e de repouso e cujas operações são decorrentes de suas naturezas. Sobre tais entes é possível fazer ciência do necessário, do que se dá sempre ou na maioria dos casos. O artefato, todavia, só recebe seu ser de outro, depende da construção voluntária efetuada pelo artífice. Eis o ponto central: o artefato é um efeito não-necessário de uma causa eficiente livre.
Quando Plutarco atribui a Arquimedes a visão segundo a qual os engenhos mecânicos eram para o sábio de Siracusa não mais que diversões e recreações em comparação aos estudos sérios de geometria teórica, ele está somente dando voz a uma tradição veneranda e bastante antiga, mas ainda muito viva em seu tempo.
Lloyd enumera outros fatores, como a dificuldade de se encontrar boa mão-de-obra, a ausência de financiamento governamental - a exceção sendo naturalmente a fabricação de engenhos militares - e de financiamento privado, as formas de ensino e de aprendizado dessas artes que, sempre que possível, permaneciam centradas na imitação dos mestres.
Contrastando a riqueza e a fineza dos trabalhos manuais de ourivesaria e os métodos primitivos e precários de extração dos metais, Lloyd assevera que "toda vez que era possível, em suma, os Antigos fizeram de suas ocupações artes. Eles nunca quiseram, salvo poucas exceções, convertê-las em indústrias." (itálico no original)
...
Excelente documentário sobre as invenções de Heron de Alexandria:
http://youtu.be/x5e4SLhD5Ps
"Da Arquitetura" de Vetrúvio:
http://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Vitruvius/home.html
"Pneumática" de Heron de Alexandria:
http://himedo.net/TheHopkinThomasProject/TimeLine/Wales/Steam/URochesterCollection/Hero/index-2.html