Uma vez apresentada a primeira premissa, resta a segunda segundo a qual não pode haver uma cadeia infinita de motores.
A primeira observação a ser feita é a de que nem Aristóteles e nem Aquino referem-se a um recuo temporal de causas e, por isso mesmo, não estão defendendo nenhum tipo de início do mundo no tempo. E isso é evidente para todo aquele que tem em mente que Aristóteles defendia a eternidade do mundo.
Assim sendo, o argumento deve ser entendido como implicando não um recuo em uma série de causas no tempo, mas sim a ação hic et nunc, aqui e agora, simultânea, de um conjunto de causas cuja ausência não permitiria a existência atual dos entes contingentes do mundo.
É certo que posso, abstrata e mentalmente, separar a madeira da mesa sobre a qual escrevo este texto e, depois, separar a madeira dos átomos e partículas que a compõem. Posso dizer que a madeira é causada por eles e que a madeira causa a mesa, mas, embora eu possa construir tal cadeia abstraindo essas causas, isso não significa, em absoluto, que elas estejam em algum tipo de relação temporal. Ao contrário, cada uma dessas causas está em uma relação simultânea com seus efeitos.
Como Aristóteles ensinava, a causa atualiza sua potencialidade de causar atuando sobre algo e produzindo nele seu efeito. O professor atualiza sua potencialidade de causa causando no aluno o aprendizado e este atualiza sua potencialidade de aprendizado aprendendo do professor. A bola arremessada contra o vidro atualiza sua potência de causa quebrando o vidro enquanto que este atualiza sua potencialidade de ser quebrado ao mesmo tempo. O artesão forma o vaso no barro ao mesmo tempo em que este é formado.
Não há, portanto, diferença temporal e sim simultaneidade. O que faz implica o feito e este se faz ao mesmo tempo em que é atuado por aquele que faz. O efeito se atualiza enquanto se atualiza a potência de atuação da causa. É um só e mesmo processo visto de dois ângulos diferentes.
Dito isso, é preciso especificar dois sentidos diversos de cadeia ordenada de causas: a série causal por acidente e a série causal por essência.
A causalidade acidental é aquela na qual algo não é causa de outro propriamente e sim indiretamente e por acidente, como no caso em que alguém diz "o músico cura". Não é enquanto músico que que alguém cura, mas enquanto alguém que tem o conhecimento de medicina. Então, um médico que também é músico pode curar um doente, contudo não é o fato de ele ser músico que propicia a cura do doente e sim seu conhecimento de medicina.
Uma série ordenada de causas acidentais pode ser infinita. Por exemplo, se Abraão gerou Isaac e Isaac Jacó e Jacó outros tantos filhos e assim sucessivamente, nada impede que essa cadeia seja infinita. E porquê? Bem, Abraão gerou Isaac, mas Isaac não depende de Abraão para gerar Jacó e nem Jacó depende de Isaac para gerar seus outros tantos filhos e assim sucessivamente.
É claro que Abraão gerou Isaac e este não poderia nascer se não houvesse sido gerado por Abraão, mas ele recebeu de Abraão a sua humanidade e, enquanto humano, Isaac não precisa de Abraão para atualizar as potências próprias da humanidade que já possui. Assim, Isaac pode gerar Jacó sem precisar da ação causal de Abraão.
Em outros termos, é possível dizer que Abraão é causa por acidente de Jacó, mas não propriamente. Não é enquanto filho de Abraão que Isaac gera Jacó, mas enquanto homem, cuja natureza animal inclui a reprodução. Para atualizar sua potência de reprodução e geração Isaac não precisa de Abraão, pois já a possui enquanto homem.
Em uma cadeia causal ordenada essencialmente, por seu turno, cada membro da cadeia deve seu ser ao que o antecede. Cada um deles se move enquanto é movido pelo anterior. Assim sendo, se não há um motor primeiro que mova sem ser movido, todos os outros não se moverão e, por conseguinte, não moverão os subsequentes.
O exemplo dado por Aquino - e frise-se aqui que é uma ilustração - é o do bastão que só se move porque é movido pela mão. Digamos que o bastão mova uma folha no chão. A folha se move pela ação do bastão que, por sua vez, só se move pela ação da mão. O bastão é um instrumento, por assim dizer. Por si mesmo ele nada move, mas recebe sua atualização de outro, ou seja, da mão. A folha também só se move por outro, no caso, o bastão. Mas se este não fosse movido pela mão, a folha tampouco se moveria.
No fim, a causa última do movimento da folha não é o bastão, mas a mão. Estivesse esta ausente, nenhum movimento se daria na folha. Vê-se assim, assegura Aquino, que a ausência de um motor inicial, a mão, impede que o bastão se mova e que, por conseguinte, a folha se mova. Que se multipliquem os motores entre a mão e a folha, o resultado permanece o mesmo.
Ora, se essa cadeia fosse infinita, nenhum motor moveria a não ser por ação motora de um anterior. Sendo cada um deles essencialmente dependente do outro, nenhum deles tem eficácia por si mesmo, mas a recebe de um anterior. Desse modo, na ausência de um motor primeiro, nenhum deles teria como mover o subsequente. Não havendo uma causa primeira, todas as causas segundas - ou seja, as causas dependentes - não se moverão e nem moverão suas subsequentes.
Edward Feser arremata:
"É bom enfatizar que é precisamente essa natureza instrumental das causas segundas, a dependência de qualquer poder causal que elas tenham com relação à atividade causal da causa primeira, que é a chave para a noção de uma série causal ordenada per se (essencialmente)" (Aquinas, 72)
Ora, a causa primeira, sob pena de incluir-se no regresso ao infinito, não pode, ela mesma, ser movida por outro. Logo, ela deve ser imóvel. Assim, uma série causal ordenada essencialmente exige a existência de uma primeira causa que não seja movida por uma causa anterior, exige um motor imóvel.
Um tal motor imóvel move todos os outros motores sem ser movido por um anterior. Dado que o movimento é a passagem de potência para ato, isso significa que o motor imóvel não tem potência, nada há nele a se atualizar, nada lhe falta, ele é ato puro. E o próprio do ato é atualizar efeitos em outro. Assim, o ato puro é responsável, em última instância, pela atualização, aqui e agora e não numa regressão temporal, de todos os motores subsequentes.
Sendo o ato a realidade e a potência o que pode ser, o ato puro é a realidade última, enquanto todos os outros motores são mostos de potência e ato. Eles têm aspectos em ato e potencialidades que só podem se atualizar graças à ação primeira - na ordem ontológica e não temporal - do motor imóvel.
Se o motor imóvel não tem nenhuma potência a ser atualizada, então não depende de outro para ser em nenhum aspecto. Se ele não depende de outro, não deve sua existência a nenhum ente anterior a ele. Logo, é existente por si mesmo, eterno, sem começo ou fim, já que qualquer mudança, seja de geração ou de corrupção, implicam potencialidade e, por conseguinte, movimento.
E como move o motor imóvel todos os outros motores? Como o amado move o amante, ensinava Aristóteles. Sua presença move da mesma forma que a presença da perfeição move à perfeição ou que o belo move o olhar para ele.
É certo, contudo, que a primeira via é apenas uma das cinco vias formuladas por Tomás de Aquino a partir das teses de Aristóteles e sua compreensão depende da compreensão de todo o arcabouço filosófico-conceitual nela implicado e, de carta forma, da compreensão das outras quatro vias.
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