"É necessário antes de tudo compreender que no campo da ação humana proposital e no das relações sociais nenhum experimento pode ser feito e nenhum experimento jamais foi feito. O método experimental ao qual as ciências naturais devem todas as suas realizações é inaplicável nas ciências sociais. As ciências naturais estão em posição de observar no laboratório experimental as conseqüências da mudança isolada em um elemento somente, enquanto outros elementos permanecem inalterados. Sua observação se refere precipuamente a certos elementos isoláveis na experiência sensível. O que as ciências naturais chamam de fatos são as relações causais mostradas em tais experimentos. Suas teorias e hipóteses devem estar de acordo com esses fatos." (Tradução minha do original em inglês)
LUDWIG VON MISES, Planned Chaos, p.80
No capítulo nono de Planned Chaos (The Teachings of Soviet Experience), em que trata das pretensas lições do pretenso experimento soviético, Ludwig von Mises, um dos mais destacados pensadores da Escola Austríaca de Economia, rejeita qualquer possibilidade de uma transferência do método experimental das ciências naturais para as ciências sociais.
Para o filósofo e economista austríaco, a incapacidade de realização de experimentos nas ciências sociais se deve ao fato de que nestas não há possibilidade de se isolar elementos, controlar e observar os resultados. "Nelas nunca se encontra a vantagem de observar as conseqüências de uma mudança em um elemento somente, com todas as outras condições permanecendo as mesmas", assevera o pensador.
Em um experimento, as relações causais são estabelecidas quando se verifica que os mesmos efeitos se seguem das mesmas causas, sendo todas as condições relevantes idênticas. Ceteris paribus, diriam os antigos.
Para Mises, o objeto de estudo das ciências sociais é a experiência histórica. E esta é radicalmente dos objetos das ciências naturais. Não há como isolar fatos, estudá-los e fazer experiências e predições que estarão ou não de acordo com a teoria. Nunca há duas situações cujas condições sejam idênticas ou mesmo semelhantes o suficiente para tornar possível o estabelecimento de uma relação causal.
Mises afirma que os fatos históricos não provam ou refutam nada e que eles, ao contrário, devem ser interpretados à luz de teorias que são criadas sem o auxílio de observações experimentais. E essa realidade se expressa claramente no fato de que tanto os cientistas quanto os leigos, quando em discussões acerca da importância e significado de fatos históricos, tecem suas avaliações ancorados em princípios gerais abstratos, logicamente anteriores aos fatos a serem elucidados e interpretados.
Nem mesmo a referência à experiência histórica pode resolver qualquer problema ou responder a qualquer questão, uma vez que qualquer evento histórico pode servir para confirmar teorias contraditórias.
De fato, o sucesso experimental das ciências naturais se deve a uma simplificação consciente dos fenômenos estudados. Ontologicamente nunca há dois eventos iguais e nem mesmo as condições se repetem. Entretanto, para os fins da ciência experimental, para quem as relações causais não são mais do que uma conexão constante e descritível matematicamente entre eventos observáveis, as diferenças ontológicas são passíveis de serem ignoradas.
Como Pierre Duhem demonstrou, a partir dessa perspectiva quantitativa, o mesmo conjunto de dados pode ser deduzido logicamente de um conjunto indefinido de equações. Mas na ciência experimental a adequação da teoria aos dados e às predições é o suficiente para a sua aceitação.
Para Mises não é possível uma adequação das teorias das ciências sociais aos experimentos porque estes, em primeiro lugar, são impossíveis de serem realizados. Não se trata aqui de afirmar que as teorias das ciências sociais não têm apoio experimental e nem mesmo de defender sua submissão ao controle experimental, mas sim de apontar para uma diferença na natureza do objeto dessas ciências que veta qualquer tentativa de aplicação do método experimental.
Toda a discussão teórica nas ciências sociais permanecerá no âmbito dos princípios e conceitos abstratos que explicam os fatos históricos. Sobre estes nenhuma teoria pode se apoiar. Eles só adquirem sentido e significado quando iluminados pelas teorias.