sábado, 19 de dezembro de 2009

Whitehead e a teoria da ciência


"Se a doutrina da ciência, como uma busca da simplicidade descritiva, for elaborada no sentido de torná-la livre da metafísica, nesse mesmo sentido a ciência perde sua importância. Entretanto, como a doutrina é normalmente manejada por seus adeptos, tendo sido a metafísica descartada por uma interpretação, a importância da ciência é preservada pela substituição por outra interpretação. Duas novas noções são introduzidas, ambas dependendo de discussão metafísica para sua elucidação. Uma é a noção de generalização indutiva, através da qual observações futuras são trazidas para dentro do raio de ação dos enunciados científicos. A outra é uma noção mais complexa. Ela começa introduzindo a noção de observável mas não observado. Depois prossegue introduzindo uma descrição especulativa das ocorrências espaço-temporais que constituem a base factual em virtude da qual essa observabilidade é previsível. Finalmente, ela faz, com base nessa descrição e por causa dos fatos assim descritos, previsões da observabilidade de ocorrências genericamente diferentes de quaisquer outras até então feitas."

ALFRED NORTH WHITEHEAD, A Função da Razão, p.27

O filósofo e matemático Alfred North Whitehead foi um dos mais detacados críticos do cientificismo e do materialismo que caracterizam a ciência desde o século XVII. Depois de haver escrito o famoso e influente livro Principia Mathematica em parceria com Lord Bertrand Russell, Whitehead afastou-se da matemática para cultivar outros interesses filosóficos, centrados agora na metafísica e na cosmologia.

Crítico do cientificismo, o filósofo britânico apontava que o ideal de uma ciência caracterizada pela mera busca de descrições simples dos fenômenos observados, pretensamente desligada de qualquer pressuposto metafísico, torna a ciência uma empresa sem qualquer importância. A ciência só pode recuperar sua importância na medida em que esse ideal é demonstrado falso.

O ideal acima mencionado se constituiria pela afirmação de que a ciência é uma empresa que nada presume em termos metafísicos (nem mundo objetivo, nem causação e nem indução, por exemplo), se limitando a encontrar descrições cada vez mais simples dos fenômenos observados.

Se realmente, assevera Whitehead, a atividade científica é uma mera descrição de observações, então, pelo fato de as observações serem sempre ocorrências particulares, ela será somente um resumo de certas ocorrências na vida de determinados cientistas. A ciência se ocuparia de observações particulares de indivíduos particulares.

Ora, certamente a pretensão científica vai bem mais longe do que isso. Embora as observações sejam particulares, pretensamente elas carregam um comportamento típico e uniforme tal que possa justificar-se assim uma pretensão à universalidade do conhecimento. Tal pretensão não é nada mais nada menos do que a postulação da possibilidade de uma generalização indutiva que, por sua natureza própria, ultrapassa qualquer conjunto de observações particulares dadas num tempo e num espaço bem determinados.

Por outro lado, a ciência também pressupõe a idéia de observabilidade futura. Ou seja, ela conta com a idéia de que há o que foi observado e, a partir daí, infere que diversas instâncias serão observáveis no momento certo. O que está em caso aí é que "observável" é um termo disposicional e que por isso postula uma certa "disposição para", uma certa potencialidade objetiva do objeto.

E a base para tal inferência é somente um conjunto limitado de instâncias particulares descrito de uma determinada forma. Do caráter de observado no passado infere-se o caráter disposicional de observabilidade futura.

Whitehead, com essas observações, pretende mostrar que a idéia de uma ciência meramente descritiva do comportamento observável dos corpos tem como seu preço o esvaziamento do interesse teórico da atividade científica. Aquele que adota tal ponto de vista somente pode sustentar o interesse da ciência apelando para asserções metafísicas, ainda que não as reconheça como tal. É destruindo sua concepção de uma ciência descritiva que ele pode manter a própria possibilidade de uma ciência.

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