quarta-feira, 17 de junho de 2009

Marin Mersenne: ciência e o ceticismo mitigado


"Pois pode ser dito que apenas vemos a parte externa, a superfície da natureza, sem sermos capazes de penetrar no seu interior, e jamais possuiremos nenhuma outra ciência além da dos seus efeitos externos, sem sermos capazes de encontrar as razões deles, e sem sabermos por que agem, até que Deus queira nos livrar de nossa miséria e abrir nossos olhos por meio da luz que Ele reserva a Seus autênticos admiradores."

MARIN MERSENNE, 1634


A redescoberta do ceticismo pirrônico e seu conseqüente ataque à possibilidade de conhecimento necessário dos objetos e o questionamento da tradição aristotélica levado a cabo pela revolução científica galilelaico-cartesiana constituíam os principais problemas para qualquer intelectual do século XVII.

De um lado, os céticos retornavam, através dos textos gregos de Sextus Empiricus, e minavam com seus elaborados argumentos o edifício do conhecimento certo e verdadeiro da natureza dos objetos que havia sido erigido pela já cambaleante tradição escolástico-aristotélica.

De outro, a nova física defendida por Galileu e Descartes, com seu mundo mecânico, seu espaço matemático-geométrico, sua redução das qualidades à quantidade, sua rejeição da experiência cotidiana, desafiava a física de Aristóteles e pretendia substituí-la como a nova, e finalmente verdadeira, imagem do mundo.

Que fazer? Os argumentos céticos minavam toda pretensão ao conhecimento e atingiam tanto os velhos dogmas aristotélicos quanto as pretensões da nova ciência. Entretanto, esta mostrava sucessos observáveis. Há solução para esse dilema?

A resposta do frade mínimo, filósofo, matemático e cientista Marin Mersenne tentaria conciliar a rejeição da tradição científica aristotélica, as objeções pirrônicas ao conhecimento da natureza das coisas e os sucessos da nova ciência mecanicista e inauguraria uma concepção da ciência que desembocaria em David Hume, Pierre Duhem, no positivismo e no pragmatismo.

Sua resposta é simples: a ciência como queriam Aristóteles e os antigos, um conhecimento certo da natureza última dos fenômenos, é impossível como mostram os irrefutáveis argumentos céticos. Entretanto, um conhecimento hipotético acerca das aparências dos fenômenos nos é possível, verificável e útil para nos guiarmos no mundo.

Tal conhecimento, consistindo "em dados sobre as aparências, hipóteses e previsões sobre a conexão entre eventos e o curso da experiência futura", como nos diz Richard Popkin, estava em franca oposição às pretensões de conhecimento real de Galileu e Descartes. A ciência de Mersenne, ela mesma mecanicista, era apresentada como uma hipótese útil, verificável para fins práticos, destituída de qualquer metafísica e sem pretensões de fornecer um retrato verdadeiro do mundo real.

A posição de Mersenne, chamada de "ceticismo mitigado", foi bem vista em sua época, sendo esquecida um século depois quando o Iluminismo, hipnotizado pelas conquistas de Newton, ergueu-se orgulhosamente como o novo dogmatismo epistemológico.

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