Em alguns posts anteriores tratei da tensão que se encontra no cerne da religião e da metafísica, a saber, aquela entre a desvalorização deste mundo relativamente a um mundo transcendente. O sentido deste mundo é dado por uma realidade que, por princípio o ultrapassa, e que deste modo o relativiza tornando-o de alguma forma um signo de uma realidade incondicionada.
Entretanto, essa relativização não pode ser tal que torne este mundo um desterro a ser evitado e nem um mundo totalmente transfigurado pela dimensão atemporal. Há que se manter sempre a tensão que mostra a hierarquização ontológica justa das coisas.
Se, como afirmava Leszek Kolakowski, a experiência imediata do mundo é a de sua indiferença aos nossos anseios (manifestada claramente na morte e na impossibilidade de união completa com o ser amado), a dimensão metafísica que concede sentido deve equilibrar-se entre a fuga mundi e a total domesticação do mundo.
Ou seja, a dimensão metafísica corre o risco de fazer deste mundo uma ilusão indigna de ser vivida e que deve, sob todos os aspectos, ser evitada. O esforço do Baghavad Gita em conciliar a ação em Maya e o conhecimento monista vedântico de Brahman através do Karman-yoga demonstra claramente a importância e a profundidade desse problema.
Por outro lado, há a tentativa de uma total domesticação do mundo, exemplificada pelo projeto de atualizar a perfeição metafísica neste mundo. Essa versão do problema, caracterizada por Eric Voegelin " imanentização do eschaton", tem como característica o projeto de um mundo perfeito com meios meramente humanos.
Ao invés da idéia de um arquétipo atemporal que jamais se atualiza plenamente no tempo mas que age como guia e doador de sentido deste mundo, cria-se o mito de um mundo futuro perfeito cuja realização depende de esforços no presente. Esse projeto, compartilhado por todos os movimentos revolucionários, cria pretensões e não obrigações para com os valores e, como asseverou Kolakowski, "organiza os rancores e liga todas as emoções com o sentimento de suportar prejuízos imerecidos."
Tenho pesquisado, desde que iniciei meus estudos filosóficos há cerca de uma década atrás, como as filosofias religiosas nascidas na Índia e o Cristianismo tradicional resolvem essa tensão essencial. Embora já tenha tratado desse tema em posts anteriores, pretendo ainda em breve escrever um estudo comparativo que esclareça o cerne das soluções indianas e cristãs.