"Não se chega ao conhecimento científico pela aplicação de algum procedimento de inferência indutiva a dados coligidos anteriormente, mas, antes, pelo que é frequentemente chamado 'método da hipótese', isto é, pela invenção de hipóteses como tentativas de de resposta ao problema em estudo e submissão dessas hipóteses à verificação empírica. (...) Como já notamos anteriormente, uma verificação numerosa, com resultados inteiramente favoráveis não estabelece a hipótese conclusivamente; fornece apenas um suporte mais ou menos sólido para ela."
CARL GUSTAV HEMPEL, Filosofia da Ciência Natural, p.30/31*
CARL GUSTAV HEMPEL, Filosofia da Ciência Natural, p.30/31*
O filósofo alemão Carl Gustav Hempel escreveu uma excelente introdução à filosofia da ciência intitulada Philosophy of Natural Science, publicada em 1966. Na obra, o autor, um dos expoentes do empirismo lógico, dialoga com diversos filósofos, lógicos, cientistas e epistemólogos importantes do século XX, como Pierre Duhem, Karl Popper, Nelson Goodman, Arthur Eddington, entre outros.
A partir da análise de um caso real de descoberta científica, a do médico húngaro Iguaz Semmelweis, Hempel constrói sua teoria sobre as teorias científicas e suas pretensões epistêmicas. Um dos temas importantes de sua obra é a inconclusividade da verificação indutiva.
Ora, geralmente se afirma que uma hipótese é verificada quando suas predições são coroadas de êxito. Hempel, no entanto, mostra que seja
qual for o número de instâncias observacionais indutivas
confirmadoras de uma teoria, esta jamais poderá ser estabelecida
conclusivamente.
Tomemos a hipótese H. Ela é um conjunto de afirmações sobre um determinado conjunto de fenômenos observáveis. Se essas afirmações que compõem H são verdadeiras, então é possível deduzir logicamente a implicação/predição I.
Se H é verdadeiro, então I.
Contudo, a implicação/predição I se mostrou falsa. Então temos:
Se H é verdadeiro, então I.
I não é verdadeiro.
_______________________
Então, H não é verdadeiro.
Tal forma inferencial é chamada em lógica de Modus Tollens. Ela afirma o condicional no qual se H é verdadeira, ou seja, se o conjunto de afirmações que compõe H for verdadeiro, então necessariamente a implicação I, deduzida de H, deverá também ser verdadeira. Como a implicação I se mostra falsa, então H é falsa.
Contudo, tomemos a possibilidade inversa.
Se H é verdadeiro, então I.
I é verdadeiro
___________________________
Então H é verdadeiro.
Apesar de parecer correto, esse raciocínio é inválido logicamente e é conhecido como falácia da afirmação do consequente. O caso é que, ainda que a implicação I seja verdadeira, H ainda pode ser falsa, pois de premissas falsas é possível deduzir conclusões verdadeiras.
Por exemplo:
Sócrates é gato.
Gatos são bípedes.
________________
Logo, Sócrates é bípede.
Vejamos o exemplo seguinte:
Se choveu à noite, então a rua amanhecerá molhada.
A rua amanheceu molhada.
________________________
Então, choveu à noite.
Ora, certamente é verdadeiro que se choveu à noite a rua amanhecerá molhada. Mas a chuva é somente uma das hipóteses possíveis para explicar a rua molhada. Se não sabemos se choveu ou não à noite (como indica o condicional se P, então Q), o fato de a rua amanhecer molhada não prova que choveu à noite.
Fica claro, então, que a confirmação ou verificação das implicações/predições de uma hipótese não podem garantir sua verdade. Hempel complementa:
"Assim, o resultado favorável de uma verificação, isto é, o fato de ser achada verdadeira a implicação inferida de uma hipótese, não prova que a hipótese é verdadeira. Mesmo que muitas implicações de uma hipótese tenham sido sustentadas por verificações cuidadosas, ainda assim e hipótese pode ser falsa." (p.19)
Da mesma forma, o seguinte raciocínio também será falacioso:
Se H é verdadeiro, então também o são I 1, I 2, I 3,...I n.
I 1, I 2, I3, ..., I n são verdadeiros
_______________________________________
Então, H é verdadeiro.
No entanto, segundo Hempel, isso não significa que não se procedeu
à nenhuma confirmação. A teoria foi confirmada com respeito à
suas implicações particulares, dando ao cientista um certo suporte, alguma corroboração, cujo peso dependerá de vários aspectos da hipótese e dos dados
colhidos.
A discussão apresentada até aqui está intimamente ligada à questão do método indutivo, o qual geralmente é apresentado como o método par excellence da ciência. Hempel
critica o que ele chama de “Concepção Indutiva Estreita” acerca
da investigação científica.
O alvo de sua crítica não é senão
a concepção usual do método científico:
1) Observação e registro
de todos os fatos;
2) Análise e classificação desses fatos;
3) Derivação indutiva de generalizações a partir do observado;
4) Verificação das generalizações.
O
filósofo assevera que a primeira etapa é impossível de ser
realizada, já que não podemos reunir todos os fatos seja de forma
absoluta (teria-se de aguardar o fim do mundo), ainda que nos circunscrevêssemos aos fatos dados até agora (a coleção dos fatos até agora seria ainda infinita em
número e em seus aspectos).
Há quem possa opor-se à tese de Hempel dizendo que devem ser recolhidos todos os fatos relevantes. Mas Hempel responde: "relevantes para quê?". Concordando com Popper, Hempel declara
que somente sob a luz de uma teoria prévia é possível observar os fatos. A
hipótese guia a observação. Da mesma forma a classificação dos
fatos só se daria através de uma teoria.
"'Fatos' ou dados empíricos só podem ser qualificados como logicamente relevantes ou irrelevantes relativamente a uma dada hipótese, e não relativamente a um dado problema." (p.24)
Quais dados são relevantes ou irrelevantes para uma determinada hipótese H que se pretende um explicação de um conjunto de fenômenos? Serão aqueles cuja ocorrência ou não-ocorrência puderem ser inferidos de H.
Além
disso, segundo Hempel, não há forma de derivar mecanicamente teorias de dados
indutivamente colhidos. Não há derivação de teorias a partir dos dados, mas
invenção de teorias para a explicação desses dados. As hipóteses não nascem naturalmente da observação dos dados, mas são concebidas para explicá-los. São palpites sobre os nexos que existem entre os fenômenos em estudo, sobre as estruturas que os fundam.
Ademais, os caminhos que conduzem a uma hipótese estão longe de uma derivação sistemática a partir dos dados. É o que sugere o exemplo do químico Kekulé que, depois de muitas tentativas de um esboço da fórmula estrutural da molécula de benzeno, sonhou com átomos formando um anel girando vertiginosamente. Desse sonho ele tirou a idéia de conceber a estrutura molecular do benzeno como um anel hexagonal.
Não importando a origem de tais hipóteses, elas são depois expostas ao crivo crítico
intersubjetivo que garante sua objetividade. Nessas reflexões de
Hempel aparecem muitas concordâncias com as teses de Karl Popper. Entretanto,
contrariamente a Popper, Hempel afirma que as teorias científicas são
indutivas num sentido mais amplo, ou seja, embora não sejam
estabelecidas conclusivamente, os dados conferem-lhe pelo menos um
suporte indutivo e uma confirmação mais ou menos forte.
Outro tema correlato é o do chamado experimentum crucis (experimento crucial). Diante
de duas teorias rivais que explicam os mesmos fatos
satisfatoriamente, deveríamos conceber, para decidir entre elas, uma
verificação crucial. Nesse experimento, concebe-se uma situação onde as teorias
predigam resultados incompatíveis. A teoria que tivesse sua predição
confirmada, refutaria a outra.
Entretanto, como assinala
Hempel, uma verificação crucial é impossível, pois a confirmação
indutiva não dá certeza conclusiva e a refutação de uma predição
pode indicar somente que algum elemento da teoria - suas hipóteses
auxiliares por exemplo - pode estar errado. O que sabemos é que a
teoria deve ser modificada em algum ponto, mas não sabemos
necessariamente em qual deles. Aqui Hempel segue a demonstração de Pierre Duhem no seu Théorie Physique.
Tomemos o seguinte caso:
A teoria H é composta das afirmações A, B, e C. E de seu conjunto, ou seja, do conjunto das informações de A, B e C, deriva-se a implicação/predição I.
H = A,B,C;
De H infere-se I
Se H é verdadeiro, então I é verdadeiro.
I não é verdadeiro
__________________________
Então, H não é verdadeiro.
A hipótese H foi refutada. Mas como H é composta de A, B e C, não é possível dizer que cada uma das afirmações A, B e C seja falsa, mas sim que o conjunto de A, B e C é falso. Sendo assim, um cientista que defenda H e veja sua hipótese ser refutada, pode muito bem manter H simplesmente modificando algum elemento - mais ou menos importante - de H. Ele pode trocar B por G, por exemplo. Nesse caso, a mesma operação pode ser repetida quantas vezes for necessário, até que H forneça as implicações Is corretas experimentalmente. A refutação, por conseguinte, não é definitiva.
Ora, se uma hipótese jamais pode ser verificada ou refutada definitivamente e se as teorias pretendem descortinar leis naturais, como distinguir legítimas leis de meras generalizações ou fantasias? Se leis da natureza são
generalizações o que as diferencia de generalizações acidentais?
Se eu digo “todas as bolas nessa caixa são pretas”, estou
somente fazendo uma generalização de fato que dá conta de um caso
acidental. Não há aí nenhuma inferência indutiva que cubra casos
futuros de bolas em caixas. Entretanto, quando digo, à guisa de
explanar uma lei natural, “ Todos os P são Q ”, não pretendo
estar apontando para um aspecto acidental, mas para um aspecto
essencial da realidade.
Quando um repórter afirma que todos os deputados votaram contra o projeto, essa afirmação pode ser facilmente verificada simplesmente averiguando-se os votos de todos os trezentos deputados. Sabendo-se do número limitado de deputados, por maior que ele seja, é possível verificar a afirmação de que todos os deputados votaram contra o projeto. Nesse caso, há uma generalização acidental, já que tudo o que se quer afirmar é que "acontece ser esse o caso".
No caso das leis naturais, como foi explicado acima, nenhum conjunto limitado de confirmações pode verificar uma afirmação universal do tipo "todos os gatos miam". Isso se dá justamente porque "todos" aí se refere não a um conjunto limitado e fechado passível de verificação, mas a uma infinidade de instâncias no passado, no presente e no futuro.
Além disso, Hempel, seguindo a argumentação
de Nelson Goodman, indica que leis sustentam condicionais
contrafatuais, enunciados da forma "Se A tivesse sido o caso,
então B teria sido o caso", e também condicionais
subjuntivos, do tipo “Se A vier a acontecer, B também
acontecerá”.
Se eu afirmo: "a substância X é inflamável", o que estou dizendo é que todo e qualquer X, quando em contato com o fogo, inflama-se. Mas não digo isso somente do X que de fato inflamou-se, mas, principalmente, do X que não se inflamou, mas se inflamaria caso fosse colocado em contato com o fogo.
"Se X fosse colocado em contato com fogo, ele se inflamaria" ou "se X for colocado em contato com o fogo, X irá se inflamar".
Em outros termos, as leis naturais falam de disposições, propensões e poderes das coisas. E estes pertencem necessariamente às coisas, independentemente de existirem ou não as condições para a sua manifestação. Ainda que nunca seja exposta ao fogo, a substância X ainda será inflamável. As leis naturais não afirmam somente o que aconteceu, mas do que aconteceu inferem disposições e propriedades que pertencem às coisas e que se manifestarão se determinadas condições apresentarem-se.
Generalizações de fato, por seu turno, não podem sustentar tais
condicionais porque seu valor explanativo se esgota no fato que
descreve, uma vez que todas as instâncias possíveis já foram
verificadas.
...
* Edição brasileira, traduzida por Plinio Sussekind Rocha, 1974, Zahar Editora
Um comentário:
Lógica, assunto importante que todo professor de Matemática deveria introduzir em seu conteúdo para auxiliar seus alunos, pois, a última prova nacional de matemática continha muitas questões de lógica.
Muito obrigada,
Sonia Maria Nogueira
Resende-RJ
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