"Quando os objetos de uma investigação, em qualquer departamento, têm princípios, condições ou elementos, é através do entendimento destes que o conhecimento - isto é, conhecimento científico - é alcançado. Pois não achamos que conhecemos uma coisa até que tenhamos apreendido suas condições primárias ou primeiros princípios e conduzido a análise até seus mais simples elementos."
ARISTÓTELES, Física, I, 184a [10]
Quando os primeiros filósofos jônios enunciaram suas teorias sobre a natureza do mundo, eles o fizaram segundo a idéia de que sob as aparências sensíveis havia uma substãncia única cuja natureza explicaria todas as modificações e transformações que os sentidos nos apresentam.
No livro I da Física, Aristóteles afirma que cada um desses pensadores escolheu algum elemento - ou conjunto de elementos - como o substratum de todas as coisas e tomou-o como eterno, "tudo mais sendo somente suas afecções, estados e disposições."
Nessa pequena descrição que Aristóteles faz dos primeiros físicos, duas coisas chamam a atenção. Em primeiro lugar, a afirmação de que a realidade a ser conhecida está sob as aparências sensíveis. Ou seja, a verdade do sensível não é o próprio objeto sensível dado hic et nunc, na imediatidade da experiência dos sentidos.
A verdade está no substratum, naquilo que está subjacente ao que se apresenta aos sentidos, mas que, no entanto, os objetos sensíveis manifestam como modificações, afecções ou estados. Se o mundo deve ser conhecido, se a origem e fundamento últimos do que é observado pelos sentidos deve ser objeto de ciência, isso só pode se dar pela identificação de uma estrutura subjacente aos próprios objetos sensíveis.
Como Aristóteles aponta, o estôfo do mundo, para tais pensadores, era um substrato material que tinha em si "o princípio do movimento ou da mudança." Seja o que fosse esse substrato, era algo determinado: água, ar, fogo, terra, ou uma combinação desses elementos
Em segundo lugar, para todos esses pensadores o substrato do mundo deve ser imutável. E o motivo parece claro: se todas as coisas são modificações desse princípio único que rege o múltiplo, ele deve ser sempre idêntico a si mesmo. O fundamento não muda para que todas as coisas possam mudar.
Na identificação do substrato último de todas as coisas com um elemento (ou conjunto de elementos) já se mostra a apreensão de uma ordem, pois se o elemento último é algo, tem uma ordem e a ordem que impõe ao mundo funda-se na sua própria imutabilidade.
Já se pode divisar aqui um germe daquilo que caracterizará todo conhecimento: a apreensão do uno no múltiplo. Isto é, a redução da multiplicidade cambiante a uma realidade estável subjacente que serve como regra ordenadora dessa mesma mutabilidade manifestada aos sentidos.
Quando Parmênides afirma que não há multiplicidade e que os sentidos são enganosos porque nos apresentam dados que estão em franca contradição com a afirmação lógico-racional de que o ser é imutável, ele está, entre outras coisas, enfatizando um dos lados da questão do conhecimento. Somente se conhece realmente aquilo que é imutável.
E, no entanto, os sentidos nos fornecem sempre seres mutáveis, cambiantes, o "tudo muda" de Heráclito. Como seria então possível conhecer? E se conhecer é apreender aquilo que há de mais real, como pode ser real um mundo em que as coisas vêm a ser e deixam de ser incessantemente?
O problema é herdado por Platão e Aristóteles e estes dão respostas contrárias a ele. Para Platão, conhecimento é rememoração do conhecimento haurido na contemplação das Idéias (ou Formas) eternas e imutáveis e os seres do mundo sensível não são mais do que uma imitações imperfeitas daquelas Idéias.
Como ensina Victor Goldschmidt: "Os objetos sensíveis provocam, como causas ocasionais, a reminiscência, mas as Formas não são 'extraídas' das coisas sensíveis."
Por conseguinte, o mundo sensível não é objeto de ciência, de saber verdadeiro e certo, somente de opinião, ou, como diz Platão no Timeu, de "mito verossímil".
É exatamente porque o intelecto humano - a parte divina da alma e que, portanto, mais se assemelha a Deus - tem a capacidade de "extrair" das coisas sensíveis a Forma que se encontra materializada concretamente em seres individuais e singulares que o conhecimento do mundo sensível é possível, segundo Aristóteles.
Mais uma vez, a ciência só é possível porque o homem é capaz de apreender uma estrutura intrínseca e imutável que define a coisa, rege suas mudanças, determina suas operações e potencialidades e que é repetível indefinidamente, jamais podendo se reduzir a qualquer um dos seus exemplares concretos dados na experiência.
Mostra-se assim o caráter "abstrato" de toda ciência. O que a ciência busca não é este ou aquele fato bruto e irrepetível na sua singularidade, mas aquilo do qual ele é uma mera instância passageira e que só é alcançado por abstração das singularidades dos exemplares concretos.
O mesmo vale quando o cientista contemporâneo se concentra em somente um dos aspectos dos entes reais, como por exemplo, as relações quantitativas entre objetos físicos. Qualquer descrição matemática de como os corpos se comportam em determinadas condições é uma afirmação de que as relações quantitativas "extraídas" da observação representam aspectos reais de sua constituição e que, por sua vez, tais aspectos - embora não sendo tudo o que os objetos são - estão radicados na estrutura última desses mesmos objetos.
Em suma, uma ciência, para que seja ciência, exige, como pressuposto, que haja uma estrutura fundante e subjacente às coisas e que essa estrura seja passível de abstração na mente humana. O que vale para o cientista não é, então, esta gota d'água tomada em si, mas o que nela se manifesta de universal e que ultrapassa toda a individualização.
Assim, para a ciência, ser ordenado é ser um exemplar ou instância de uma estrutura formal que jamais se reduz aos exemplares concretos que a manifestam e que, por isso, é indefinidamente repetível.
Mas não é preciso pensar que essa estrutura seja temporalmente anterior aos exemplares como uma Idéia platônica, mas sim que ela seja anterior lógica e ontológicamente a eles, como seu fundamento e regra imutável. Só se tem conhecimento dessas estruturas pelas instâncias que a atualizam na experiência sensível e concreta, porém só há conhecimento científico se essas instâncias - entes singulares e múltiplos - forem "ultrapassadas" na unidade de uma estrutura subjacente e imutável.
É pela apreensão dessas estruturas que se compreendem as "disposições" que os fenômenos da experiência apresentam. Em outros termos, quando um cientista diz que a substância X é inflamável, ele está usando uma linguagem disposicional. Ele afirma que a substância X é inflamável porque apresenta, em circunstâncias determinadas, a tendência, inclinação ou disposição de inflamar-se. Na linguagem da teleologia, ela tem a "inclinação natural para certos efeitos."
O cientista não diz somente o que se deu, o que efetivamente observou, ele prediz o que se observará no futuro a partir daquilo que observou no passado, bem como o que se daria como efeito caso a causa se apresentasse. Se P se desse, B se seguiria como efeito.
Isto é, aquilo que a ciência afirma é que a coisa considerada tem em si a disposição de produzir certos efeitos e que essa disposição se mantém como uma potencialidade ou capacidade real da coisa mesmo que as circunstâncias adequadas à sua manifestação e atualização não se apresentem.
A substância X não é inflamável somente quando ela efetivamente pega fogo, mas principalmente quando ela não se inflama. Ela é inflamável porque pode pegar fogo, porque essa é uma de suas capacidades reais, algo daquilo que a constitui.
Por conseguinte, qualquer ciência digna desse nome jamais pode ser um mero relatório de observações realizadas ou da conexão constante de eventos no tempo e no espaço. Ela deve ser, precipuamente, a identificação ou apreensão cognitiva de estruturas que se manifestam somente em entes singulares ou situações concretas no real observável, mas que sustentam essas mesmas instâncias na qualidade de fundamento imutável.
O mesmo vale quando o cientista contemporâneo se concentra em somente um dos aspectos dos entes reais, como por exemplo, as relações quantitativas entre objetos físicos. Qualquer descrição matemática de como os corpos se comportam em determinadas condições é uma afirmação de que as relações quantitativas "extraídas" da observação representam aspectos reais de sua constituição e que, por sua vez, tais aspectos - embora não sendo tudo o que os objetos são - estão radicados na estrutura última desses mesmos objetos.
Em suma, uma ciência, para que seja ciência, exige, como pressuposto, que haja uma estrutura fundante e subjacente às coisas e que essa estrura seja passível de abstração na mente humana. O que vale para o cientista não é, então, esta gota d'água tomada em si, mas o que nela se manifesta de universal e que ultrapassa toda a individualização.
Assim, para a ciência, ser ordenado é ser um exemplar ou instância de uma estrutura formal que jamais se reduz aos exemplares concretos que a manifestam e que, por isso, é indefinidamente repetível.
Mas não é preciso pensar que essa estrutura seja temporalmente anterior aos exemplares como uma Idéia platônica, mas sim que ela seja anterior lógica e ontológicamente a eles, como seu fundamento e regra imutável. Só se tem conhecimento dessas estruturas pelas instâncias que a atualizam na experiência sensível e concreta, porém só há conhecimento científico se essas instâncias - entes singulares e múltiplos - forem "ultrapassadas" na unidade de uma estrutura subjacente e imutável.
É pela apreensão dessas estruturas que se compreendem as "disposições" que os fenômenos da experiência apresentam. Em outros termos, quando um cientista diz que a substância X é inflamável, ele está usando uma linguagem disposicional. Ele afirma que a substância X é inflamável porque apresenta, em circunstâncias determinadas, a tendência, inclinação ou disposição de inflamar-se. Na linguagem da teleologia, ela tem a "inclinação natural para certos efeitos."
O cientista não diz somente o que se deu, o que efetivamente observou, ele prediz o que se observará no futuro a partir daquilo que observou no passado, bem como o que se daria como efeito caso a causa se apresentasse. Se P se desse, B se seguiria como efeito.
Isto é, aquilo que a ciência afirma é que a coisa considerada tem em si a disposição de produzir certos efeitos e que essa disposição se mantém como uma potencialidade ou capacidade real da coisa mesmo que as circunstâncias adequadas à sua manifestação e atualização não se apresentem.
A substância X não é inflamável somente quando ela efetivamente pega fogo, mas principalmente quando ela não se inflama. Ela é inflamável porque pode pegar fogo, porque essa é uma de suas capacidades reais, algo daquilo que a constitui.
Por conseguinte, qualquer ciência digna desse nome jamais pode ser um mero relatório de observações realizadas ou da conexão constante de eventos no tempo e no espaço. Ela deve ser, precipuamente, a identificação ou apreensão cognitiva de estruturas que se manifestam somente em entes singulares ou situações concretas no real observável, mas que sustentam essas mesmas instâncias na qualidade de fundamento imutável.
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