domingo, 7 de novembro de 2010

Aristóteles, física e matemática


"O ponto a considerar é como o matemático difere do físico. Obviamente os corpos físicos contém superfícies e volumes, linhas e pontos, e estes são o objeto da matemática. (...) O matemático, embora trate também dessas coisas, não as trata como limites de um corpo físico; nem considera os atributos indicados como atributos de tais corpos. Isso é porque ele os separa; pois em pensamento eles são separáveis do movimento e não faz diferença e nem alguma falsidade resulta se eles são separados. (...) Evidência similar é dada pelos mais físicos dos ramos da matemática, tais como a ótica, a harmônica e a astronomia. Estas são, de certa forma, o inverso da geometria. Enquanto a geometria investiga as linhas físicas, mas não como físicas, a ótica investiga as linhas matemáticas, mas como físicas, não como matemáticas."

ARISTÓTELES, Física II, 2

No segundo capítulo da Física, Aristóteles discute e explicita seu conceito de ciência física. "Qual o objeto de estudo próprio do físico?", é a pergunta que pretende responder.

Para tanto, o mestre de Estagira inicia discutindo o âmbito próprio da matemática. Ela não se constitui na essência das coisas físicas, ou seja, os corpos físicos não são entidades matemáticas.

Contudo, a matemática está nos corpos, uma vez que estes possuem linhas, volumes, superfícies, formas. Os aspectos quantitativos são propriedades dos corpos. O que o matemático faz é abstrair (separar no pensamento) e reter somente esses aspectos, distanciando-os do movimento que caracteriza os seres naturais e de toda matéria que os constitui.

As linhas, figuras, volumes dos corpos são tratados pelo matemático como seres independentes, sem necessidade de um sujeito que as sustente. Como assevera Aristóteles, nenhuma falsidade advém desse procedimento, pois ele não é mais do que uma ação da mente sobre os corpos percebidos cotidianamente.

Há ciências tais que, por suas características mais físicas, utilizam a matemática como meio de explicação, mas que ainda permanecem ligadas precipuamente aos corpos. A ótica, a harmônica e a astronomia são exemplos disso. Elas parecem ser como que ciências médias, como diriam alguns escolásticos posteriores.

Embora tratem dos atributos matemáticos dos corpos, elas os tratam ainda como pretencendo a corpos. Não há nelas a abstração total do movimento e da matéria que caracteriza o que poderíamos chamar anacronicamente de "matemática pura". Elas concebem os objetos a partir de seus aspectos quantitativos e neles se concentram em suas explicações, mas não deixam de referir esses aspectos aos corpos.

Ora, se esses aspectos pertencem aos corpos, não é de se admirar que essas ciências possam fornecer resultados legítimos e verdadeiros. Todavia, seu modo de estudo dos objetos também não é puramente físico. Ele está no meio do caminho entre a abstração operada pela matemática e aquela operada pela física.

O físico encontra a Forma (eidos), a essência das coisas, abstraindo-a da matéria particular dos exemplares concretos diretamente percebidos pelos sentidos. A Forma é a causa do movimento dos seres naturais, aquilo que a coisa deve se tornar, sua finalidade e sua proporcionalidade intrínseca. Por outro lado, o físico não deve descurar do conhecimento da matéria de que a coisa é feita.

Torna-se claro que Aristóteles conheceu e determinou o lugar de uma "física matemática" (outro anacronismo a que nos permitimos) dentro da escala das ciências. O Estagirita somente mostrou que a atenção aos aspectos quantitativos dos corpos, embora não gere falsidades, seja na matemática pura ou naquelas "matemáticas mais físicas", não é suficiente para um conhecimento completo do mundo físico.

Os seres naturais possuem aspectos quantitativos e qualitativos. A ausência de um discurso sobre estes últimos ameaça desfazer o próprio conceito de ciência que é, afinal, conhecimento das causas últimas das coisas.

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