Como dar conta de fenômenos cotidianos como a coesão dos corpos, a gravidade e o magnetismo dentro dos limites de uma física mecanicista como a de Descartes? Essa foi a pergunta que o pensador platonista inglês Henry More ousou tentar responder. E as conseqüências de sua resposta o levaram para além do escôpo do próprio mecanicismo.
A física cartesiana identificava a matéria à extensão (res extensa) e deixava para a alma (res cogitans) o domínio de tudo aquilo que não pudesse ser descrito a partir da gramática do matemático-geométrico, como as qualidades secundárias (cor, sabor, odor, etc.). O mundo físico era então formado por corpos, extensões limitadas, agindo mecanicamente, através do contato, uns sobre os outros segundo leis geométricas.
Entretanto, o religioso Henry More, contemporâneo de Descartes, se questionava sobre como os fenômenos da gravidade e do magnetismo poderiam se dar segundo leis mecânicas uma vez que não havia neles o contato entre os corpos exigido pelo mecanicismo. Um corpo lançado livremente ao ar retorna ao chão como que irresistivelmente atraído pela Terra e um ímã pode mover o ferro à distância sem qualquer contato direto. Por outro lado, a própria coesão dos corpos é misteriosa e não se encaixa na física cartesiana.
Ora, para More estava claro que esses fenômenos eram regidos por forças não-mecânicas. E se algo é não-mecânico, então é imaterial. Se é imaterial, é espiritual. Mas se é espiritual, como age na matéria, que é extensa? Para More, então, não há saída a não ser afirmar que, para que o espírito possa agir sobre a matéria, deve haver contato entre os dois, ou seja, os dois devem ser extensos.
O espírito é extenso. Mas ao contrário da matéria, ele é intangível e não pode ser seccionado. Ele é plenamente penetrável, com poder de contração e expansão e ação sobre a matéria. É dessa forma que, nos fenômenos não-mecânicos, é possível distinguir claramente a ação do "espírito do mundo". Este é a substância espiritual não-consciente que dá ordem, coesão e harmonia ao mundo e que é, por sua vez, evidência de um ser espiritual mais alto, consciente e onipotente, a que chamamos Deus.
Se o espírito é extenso, então Deus, na qualidade de espírito, também o é. E sua presença divina é o próprio espaço. Desde que, para More, o espaço é distinto dos corpos materiais que o ocupam, a presença divina é a extensão não-material onde os corpos se situam, pois não há lugar onde Deus não esteja. E o espaço é Deus enquanto considerado apenas na sua onipresença e não segundo sua vida e poder.
Sendo Deus absoluto, sua onipresença divina não poderia ser menos do que absoluta. E se a presença divina é o espaço, então o espaço é absoluto. E sendo absoluto ele é também uno, simples, imóvel, eterno, completo, independente, existente em si, subsistente por si, incorruptível, necessário, imenso, incriado, incircunscrito, incompreensível, onipresente, incorporal, todo-penetrante, Ser por essência, Ser em ato, ato puro.
O espaço, em uma palavra, é divino. O mundo, entretanto, é finito no tempo, pois tem passado e futuro, e é finito no espaço porque é indefinidamente estendido.
O espírito será então a categoria que traz unidade, coesão e harmonia ao mundo e que põe em xeque o mecanicismo cartesiano. Por outro lado, More dá os primeiros passos da concepção de um espaço absoluto que será determinante na física posterior.
Contudo, há que se pesquisar se a concepção de More de um espírito extenso, amplamente penetrável, móvel, com capacidade de contração, expansão e ação sobre matéria pode ter influenciado as caracterizações modernas do espírito, principalmente aquelas do espiritualismo e do ocultismo.
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