quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Aristóteles, Hume e conhecimento empírico


Poucos poderiam negar que foi Aristóteles, o autor da Física, que garantiu a possibilidade de um conhecimento certo dos fenômenos físicos. Antes, essa perspectiva parecia estar solidamente negada pelos argumentos de Parmênides e Platão que diziam ser impossível um conhecimento verdadeiro de um mundo tão cambiante.

Para Aristóteles o conhecimento deste mundo é possível a partir do conhecimento das diversas Formas dos objetos. Tal saber é alcançado num processo que vai do múltiplo ao uno. Confirmando a asserção de Aristóteles nos Analíticos Posteriores de que todo conhecimento só é possível a partir de um conhecimento prévio, o conhecimento dos fenômenos físicos só é possível através do conhecimento mais imediato e evidente (para nós) fornecido pela observação comum e cotidiana. De tais exemplares concretos se chega por abstração às Formas dos mesmos.

Por exemplo, dos diversos copos concretos que percebo continuamente, abstraio deles a matéria particular que os individualiza e alcanço a Forma (ou essência). Ou seja, abstraio dos copos o fato de serem feitos de metal ou plástico e alcanço a Forma do copo, a essência do que é um copo. Conhecendo a Forma, conheço todo e qualquer copo.

A epagogé (ou indução) é o processo em que, partindo do múltiplo dos seres concretos, o que nos é mais evidente e imediato, chegamos, por abstração da matéria, ao uno da Forma, que é primeira na ordem do ser. Assim, a empeiria (que significa também a experiência que um velho tem em comparação a um jovem) nos fornece os fatos concretos a partir dos quais alcançamos, por abstração, o conhecimento verdadeiro das essências.

Sentido muito diferente tem o conhecimento empírico para o filósofo empirista escocês do século XVIII David Hume. Segundo seu famoso "princípio da cópia", toda idéia não passa de uma cópia menos vivaz de uma impressão dos sentidos. Uma vez que Hume não admite a possibilidade da determinação da existência de um objeto real distinto das aparências que percebemos e responsável por elas, não é possível realizar uma distinção ontológica entre idéia e impressão.

O que as distingue é somente o fato experimentado por todos de que uma idéia é sempre menos vivaz que uma impressão dos sentidos. A idéia de um copo que se viu é sempre uma pálida cópia da impressão vívida sentida no momento da sua visão. Entretanto, não é a pretensa presença real de um copo que distingue esses dois momentos, pois para Hume conhecemos somente nossas percepções, mas o grau de vivacidade que se experimenta em cada um deles.

Sendo assim, a indução não poderá ser um processo que, partindo do múltiplo concreto, alcança a essência que se realiza nos exemplares cotidianamente observados. A indução só poderá dar conta da simples conexão constante no tempo entre os múltiplos fenômenos que percebemos. O que teremos assim será um conjunto de percepções que se repetem no tempo e que, por força de uma tendência compartilhada pelos animais, o hábito, esperamos que se repita indefinidadamente no futuro.

Dessa forma, como afirma Hume, a conexão necessária entre eventos desaparece e se torna somente uma conexão constante no tempo que nunca justifica racionalmente a idéia de que se repetirá sempre. Assim, as chamadas "leis naturais" perdem seu caráter de necessidade e só tem a seu favor uma tendência racionalmente injustificada, o hábito.

A própria idéia tradicional de causalidade é destruída, pois não há mais uma essência que garanta que os efeitos permaneçam os mesmos no tempo. Em Aristóteles, a essência de um copo era sua causa formal, final e eficiente, ou seja, a causa que garantia que todos os copos concretos teriam as mesmas propriedades essenciais e o mesmo comportamento no tempo.

Era a Forma que garantia que sempre, ou na maior parte das vezes (abstraindo-se ocasionais resistências da matéria já qualificada), de um homem viria outro homem. Em Hume, nenhuma predição desse gênero pode ter o caráter de necessidade que Aristóteles podia lhe atribuir. Para Hume, nada pode garantir que eventos do passado se repetirão no futuro. Nem mesmo que se repetirão na maioria das vezes.

Nada nos garante. Somente temos o hábito de esperar que os eventos se repitam. Em termos práticos, segundo Hume, nada muda, pois embora não sejamos capazes de fundamentar racionalmente nossa crença na indução, também não somos capazes de deixar de agir. A natureza em nós nos impede de sermos céticos conseqüentes.

Contudo, a questão teórica permanece. Se estas são as bases do empirismo e se esta é realmente a filosofia em que se baseia a ciência moderna, qual status epistemológico têm as teorias científicas?

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