"A dissolução do Cosmo, repito, me parece a revolução mais profunda realizada ou sofrida pelo espírito humano desde a invenção do Cosmo pelos gregos. É uma revolução tão profunda, de consequências tão remotas, que, durante séculos, os homens (...) não lhe apreenderam o alcance e o sentido. Ainda agora, ela é muitas vezes subestimada e mal compreendida."
ALEXANDRE KOYRÉ
(Koyré, de terno escuro, ao lado de Berdiaev)
O fim do mundo antigo e medieval, governado e estruturado hierarquicamente numa ordem ontológica que se exprimia, entre outras coisas, na divisão entre as leis do supralunar e as leis do sublunar e numa física que privilegiava o lugar natural determinado pela essência ou Forma de cada coisa, e sua subseqüente substituição por uma física cuja ontologia se identificava com o plano geométrico indiferenciado e infinito em que todo movimento se resume ao deslocamento entre pontos arbitrariamente determinados, teve conseqüências as mais cruciais e surpreendentes.
Tal mudança foi possível, como assevera Koyré, graças não a uma simples crítica de teorias errôneas e sua substituição por outras melhores. Necessária foi uma reestruturação da própria inteligência. Uma mudança na visão sobre o Ser, sobre o conhecimento e a ciência, uma substituição das mais intuitivas idéias e concepções por outras absolutamente afastadas da experiência comum.
Os axiomas, princípios e definições mais intuitivos que eram a base segura e inquestionável da qual se deduziam todo e qualquer conhecimento científico foram rejeitados e substituídos por outros que, aos olhos dos antigos, pareceriam uma coleção de nonsenses.
Esse episódio inspira uma das mais interessantes perguntas epistemológicas: se o agente se vê diante de uma nova teoria que reinterpreta completamente a experiência mais cotidiana, oferece uma ontologia radicalmente contra-intuitiva e, sobretudo, necessita de uma mudança nos parâmetros mesmos da racionalidade e da ciência, deve ele se apegar ao intuitivo e evidente e rejeitar a novidade ou deve investir tempo no desenvolvimento de um programa de pesquisa que, no início, tem tudo contra ele?
Dar uma resposta adequada a essa questão é o desafio formulado por Feyerabend. Um desafio que não se restringe ao passado. Ele é nosso também.
(Koyré, de terno escuro, ao lado de Berdiaev)
O fim do mundo antigo e medieval, governado e estruturado hierarquicamente numa ordem ontológica que se exprimia, entre outras coisas, na divisão entre as leis do supralunar e as leis do sublunar e numa física que privilegiava o lugar natural determinado pela essência ou Forma de cada coisa, e sua subseqüente substituição por uma física cuja ontologia se identificava com o plano geométrico indiferenciado e infinito em que todo movimento se resume ao deslocamento entre pontos arbitrariamente determinados, teve conseqüências as mais cruciais e surpreendentes.
Tal mudança foi possível, como assevera Koyré, graças não a uma simples crítica de teorias errôneas e sua substituição por outras melhores. Necessária foi uma reestruturação da própria inteligência. Uma mudança na visão sobre o Ser, sobre o conhecimento e a ciência, uma substituição das mais intuitivas idéias e concepções por outras absolutamente afastadas da experiência comum.
Os axiomas, princípios e definições mais intuitivos que eram a base segura e inquestionável da qual se deduziam todo e qualquer conhecimento científico foram rejeitados e substituídos por outros que, aos olhos dos antigos, pareceriam uma coleção de nonsenses.
Esse episódio inspira uma das mais interessantes perguntas epistemológicas: se o agente se vê diante de uma nova teoria que reinterpreta completamente a experiência mais cotidiana, oferece uma ontologia radicalmente contra-intuitiva e, sobretudo, necessita de uma mudança nos parâmetros mesmos da racionalidade e da ciência, deve ele se apegar ao intuitivo e evidente e rejeitar a novidade ou deve investir tempo no desenvolvimento de um programa de pesquisa que, no início, tem tudo contra ele?
Dar uma resposta adequada a essa questão é o desafio formulado por Feyerabend. Um desafio que não se restringe ao passado. Ele é nosso também.
2 comentários:
Olá!
Estou fazendo um projeto de História da ciência, e teus textos de Koyré estão ajudando.
Vc conhece um autor chamado Edward Grant?
tem um livro dele pela Madras. Fiquei desconfiado...
caso saiba de algo, me avise.
p.s.: Comprei o livro de Koyré que vc me indicou.
Olá Mainar!
O Edward Grant é um excelente autor. Pode comprar sem medo.
Ele tem livros ótimos, dos quais destaco estes:
Physical Science in the Middle Ages
God and Reason in the Middle Ages
História da Filosofia Natural
Aliás, boa parte dos posts que dediquei à Idade Média foram inspirados em leituras dos livros do Grant, de quem gosto muito.
Não sei como está a tradução dessa edição em português, mas se não estiver boa não deve atrapalhar demais.
Fico feliz que os meus textos estejam ajudando!
Você vai gostar demais do Koyré. Se vc lê inglês, dá uma lida também no
The Metaphysical Foundations of Modern Science, do Edwin Burtt. É um clássico.
Abraços!
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