"O Estado fornece um canal sistemático, legal e ordenado para a predação da propriedade privada. Torna certa, segura, e relativamente 'pacífica' a preservação da casta parasitária da sociedade."
MURRAY N. ROTHBARD, Anatomy of the State, p. 16 (tradução minha)
O economista e filósofo político americano Murray N. Rothbard (1926-1995), discípulo de Ludwig von Mises (um dos principais autores da chamada Escola Austríaca de economia), em seu artigo de 1965 intitulado Anatomy of the State, analisa a natureza do Estado a partir da perspectiva libertária ou anarco-capitalista. Em seu primeiro capítulo, sobre o que o Estado não é, Rothbard passa em revista as teses usuais acerca da necessidade do aparelho estatal.
É em geral assumido que o Estado não somente é necessário para a preservação da sociedade como também para a realização dos anseios humanos. Na democracia moderna, a identificação entre o Estado e os cidadãos chega ao ponto absurdo, segundo Rothbard, de se conceber que as ações estatais são ações voluntárias dos indivíduos. Assim, se uma medida é tomada pelo Estado, supõe-se que a mesma medida foi "voluntariamente" tomada pelos cidadãos.
A verdade, afirma o economista libertário, está longe de ser como os defensores do Estado propugnam. Não há identidade entre "nós" e o Estado. Este não é a "família humana" ou um clube onde são decididas soluções para os problemas mútuos. O Estado é a organização que visa manter o monopólio do uso da força e da violência em um território determinado. É o grupo que obtém sua subsistência não da produção e da troca livre de mercadorias, mas sim por meio da ameaça e da coerção, regulando e ditando as ações dos indivíduos.
No segundo capítulo, sobre o que é o Estado, Rothbard assevera que a via natural para o enriquecimento é a transformação dos recursos naturais em mercadorias que serão livremente trocadas no mercado, respeitando-se a propriedade privada. Essa via substitui o modo selvagem de enriquecimento que consistia basicamente no roubo da propriedade e dos recursos alheios. O sociólogo alemão Franz Oppenheimer denominou o modo de produção e trocas comerciais voluntárias de os "meios econômicos".
Por outro lado, o modo de enriquecimento que usa da violência e do roubo para a aquisição de recursos e de mercadorias é denominado por Oppenheimer como "meio político". Os dois meios são mutuamente excludentes, pois o meio político é contrário à lei natural, além de ser meramente parasítico e improdutivo.
O Estado, então, afirma Rothbard usando a definição de Oppenheimer, é "a organização dos meios políticos". Enquanto o crime é esporádico, o Estado é o canal permanente, legal, ordenado e sistemático de predação da propriedade alheia. A autoridade estatal não resulta de nenhum "contrato social", mas da opressão, da exploração e da conquista dos mais fracos pelos mais fortes.
No capítulo seguinte, Rothbard trata da preservação do Estado. Não é suficiente a força bruta ou uma camada de burocratas/nobres para submeter a população, Tampouco é mister uma aquiescência absoluta, bastando a simples resignação passiva dos indivíduos. Para tanto, o Estado conta com os intelectuais. Eles criam e disseminam a ideologia estatal.
Os intelectuais recebem a proteção do Estado e dão a este o arcabouço teórico de sua permanência. Os dois principais argumentos criados pelos intelectuais são (1) que os governantes são mais sábios e bons do que os governados, e que (2) os males do Estado não se comparam aos males de sua ausência.
O nacionalismo, a identificação de um território com seu governo, assim como o temor e o ódio a outras nações, também são armas da casta dominante para se manter no poder. A tradição protege a dinastia dos dirigentes a partir das idéias de uma vontade divina ou de Leis Inexoráveis da História. O indivíduo (ou o grupo sempre minoritário) que contesta o status quo é o grande inimigo do Estado, e deve ser calado.
A culpa, por seu turno, é inculcada no indivíduo que progride economicamente quando suas atividades econômicas e suas intenções são classificadas com termos pejorativos como "ganância", "egoísmo", "materialismo", "exploração" e "usura". A ciência, a nova divindade, é invocada para garantir que o domínio estatal é racionalmente planejado por especialistas. Mas a racionalidade propugnada é aquela do coletivismo e do determinismo.
O constante crescimento do Estado é a matéria do quarto capítulo. Todo governo tende a se expandir, e a solução para esse problema é impor limites constitucionais (como nos EUA) às pretensões expansionistas do poder estatal. Acontece que quem julga se o Estado passou dos limites constitucionais é a Suprema Corte, ela mesma parte do Estado.
Entretanto, é por meio de uma curiosa inversão que o Estado consegue converter seus limites em novos poderes legitimados pela corte constitucional. O truque é simples: tudo o que não for inconstitucional é permitido pela constituição, e acaba recebendo legitimidade justamente pela decisão da Suprema Corte que julga a ação do Estado como constitucional.
Sendo da natureza do governo a constante expansão de seus poderes, mostra-se errônea a tese marxista de que o Estado é o "comitê executivo" da suposta classe dominante, os capitalistas. Ao contrário, o Estado é intrinsecamente anticapitalista, Rothbard defende, pois suas incursões de aumento de poder são sempre dirigidas contra indivíduos e empresas privadas. Socialista ou não, como observou Bertrand de Jouvenel, o poder é sempre contrário à riqueza acumulada pelo capitalista.
Em um curto quinto capítulo, Rothbard afirma que o Estado teme somente aquilo que pode destruir seu poder. A guerra e a revolução são os modos pelos quais um governo é deposto. Mas mesmo na guerra o Estado pode aumentar. A "defesa" do país e o estado de "emergência" dão azo a um enorme crescimento estatal interno e, quiçá, externo. Cumpre notar que os crimes mais pesadamente combatidos e condenados pelo Estado são os praticados contra ele mesmo. Daí as condenações de "traição", "deserção", "sonegação de impostos", entre outros.
Assim como há leis constitucionais para limitar internamente as ações do governo, assevera Rothbard no sexto capítulo, há leis internacionais, como as leis de guerra, para limitar o avanço agressivo de um Estado sobre outro. A intenção dessas regulações era diminuir a destrutividade dos conflitos bélicos, proteger os indivíduos dos riscos inerentes à guerra e preservar o comércio, mesmo com as nações inimigas.
A "santidade dos contratos" foi estendida aos tratados entre nações. Ocorre que, para Rothbard, contratos são legítimas transferências de propriedade privada, enquanto tratados não podem ter o mesmo efeito pela simples razão de o Estado não possui propriedade. Os descendentes de um proprietário que vendeu suas terras a outrem não podem pretender ter direito de propriedade sobre o terreno vendido. Uma nação, contudo, não está para sempre impedida de reivindicar territórios perdidos ou vendidos por um governo anterior.
O último capítulo trata a história econômica da humanidade como uma competição entre a produtividade criativa e a troca voluntária de um lado e a atividade ditatorial e predatória do outro. O poder social é o poder do homem sobre a natureza que resulta em produtividade, cooperação, riqueza e bem-estar. O poder estatal é o domínio do homem sobre seu semelhante, a forma predatória e parasitária de extorquir riquezas daqueles que a produzem.
Entre os séculos dezessete e dezenove o progresso científico teve como consequência o aumento da paz, da liberdade e do conforto material. Mas o século vinte viu o reino do Estado, agora amparado pelas conquistas dos séculos anteriores, pervertendo os objetivos originais desses avanços. O resultado foi opressão, guerra e destruição.
A conclusão de Rothbard é de que até o momento nenhuma solução adequada para o problema do Estado foi aventada. Independente das formas de governo e das tentativas de limitação do poder estatal, o crescimento do domínio do Estado sobre o indivíduo permanece um fenômeno constante na História. Novas vias de pensamento devem ser experimentadas se se quiser realmente solucionar esse problema.