segunda-feira, 25 de julho de 2022

Murray N. Rothbard, libertarianismo e a natureza do Estado

"O Estado fornece um canal sistemático, legal e ordenado para a predação da propriedade privada. Torna certa, segura, e relativamente 'pacífica' a preservação da casta parasitária da sociedade."

MURRAY N. ROTHBARD, Anatomy of the State, p. 16 (tradução minha)

O economista e filósofo político americano Murray N. Rothbard (1926-1995), discípulo de Ludwig von Mises (um dos principais autores da chamada Escola Austríaca de economia), em seu artigo de 1965 intitulado Anatomy of the State, analisa a natureza do Estado a partir da perspectiva libertária ou anarco-capitalista. Em seu primeiro capítulo, sobre o que o Estado não é, Rothbard passa em revista as teses usuais acerca da necessidade do aparelho estatal.

É em geral assumido que o Estado não somente é necessário para a preservação da sociedade como também para a realização dos anseios humanos. Na democracia moderna, a identificação entre o Estado e os cidadãos chega ao ponto absurdo, segundo Rothbard, de se conceber que as ações estatais são ações voluntárias dos indivíduos. Assim, se uma medida é tomada pelo Estado, supõe-se que a mesma medida foi "voluntariamente" tomada pelos cidadãos.

A verdade, afirma o economista libertário, está longe de ser como os defensores do Estado propugnam. Não há identidade entre "nós" e o Estado. Este não é a "família humana" ou um clube onde são decididas soluções para os problemas mútuos. O Estado é a organização que visa manter o monopólio do uso da força e da violência em um território determinado. É o grupo que obtém sua subsistência não da produção e da troca livre de mercadorias, mas sim por meio da ameaça e da coerção, regulando e ditando as ações dos indivíduos.

No segundo capítulo, sobre o que é o Estado, Rothbard assevera que a via natural para o enriquecimento é a transformação dos recursos naturais em mercadorias que serão livremente trocadas no mercado, respeitando-se a propriedade privada. Essa via substitui o modo selvagem de enriquecimento que consistia basicamente no roubo da propriedade e dos recursos alheios. O sociólogo alemão Franz Oppenheimer denominou o modo de produção e trocas comerciais voluntárias de os "meios econômicos".

Por outro lado, o modo de enriquecimento que usa da violência e do roubo para a aquisição de recursos e de mercadorias é denominado por Oppenheimer como "meio político". Os dois meios são mutuamente excludentes, pois o meio político é contrário à lei natural, além de ser meramente parasítico e improdutivo.

O Estado, então, afirma Rothbard usando a definição de Oppenheimer, é "a organização dos meios políticos". Enquanto o crime é esporádico, o Estado é o canal permanente, legal, ordenado e sistemático de predação da propriedade alheia. A autoridade estatal não resulta de nenhum "contrato social", mas da opressão, da exploração e da conquista dos mais fracos pelos mais fortes.

No capítulo seguinte, Rothbard trata da preservação do Estado. Não é suficiente a força bruta ou uma camada de burocratas/nobres para submeter a população, Tampouco é mister uma aquiescência absoluta, bastando a simples resignação passiva dos indivíduos. Para tanto, o Estado conta com os intelectuais. Eles criam e disseminam a ideologia estatal.

Os intelectuais recebem a proteção do Estado e dão a este o arcabouço teórico de sua permanência. Os dois principais argumentos criados pelos intelectuais são (1) que os governantes são mais sábios e bons do que os governados, e que (2) os males do Estado não se comparam aos males de sua ausência.

O nacionalismo, a identificação de um território com seu governo, assim como o temor e o ódio a outras nações, também são armas da casta dominante para se manter no poder. A tradição protege a dinastia dos dirigentes a partir das idéias de uma vontade divina ou de Leis Inexoráveis da História. O indivíduo (ou o grupo sempre minoritário) que contesta o status quo é o grande inimigo do Estado, e deve ser calado.

A culpa, por seu turno, é inculcada no indivíduo que progride economicamente quando suas atividades econômicas e suas intenções são classificadas com termos pejorativos como "ganância", "egoísmo", "materialismo", "exploração" e "usura". A ciência, a nova divindade, é invocada para garantir que o domínio estatal é racionalmente planejado por especialistas. Mas a racionalidade propugnada é aquela do coletivismo e do determinismo.

O constante crescimento do Estado é a matéria do quarto capítulo. Todo governo tende a se expandir, e a solução para esse problema é impor limites constitucionais (como nos EUA) às pretensões expansionistas do poder estatal. Acontece que quem julga se o Estado passou dos limites constitucionais é a Suprema Corte, ela mesma parte do Estado.

Entretanto, é por meio de uma curiosa inversão que o Estado consegue converter seus limites em novos poderes legitimados pela corte constitucional. O truque é simples: tudo o que não for inconstitucional é permitido pela constituição, e acaba recebendo legitimidade justamente pela decisão da Suprema Corte que julga a ação do Estado como constitucional. 

Sendo da natureza do governo a constante expansão de seus poderes, mostra-se errônea a tese marxista de que o Estado é o "comitê executivo" da suposta classe dominante, os capitalistas. Ao contrário, o Estado é intrinsecamente anticapitalista, Rothbard defende, pois suas incursões de aumento de poder são sempre dirigidas contra indivíduos e empresas privadas. Socialista ou não, como observou Bertrand de Jouvenel, o poder é sempre contrário à riqueza acumulada pelo capitalista.

Em um curto quinto capítulo, Rothbard afirma que o Estado teme somente aquilo que pode destruir seu poder. A guerra e a revolução são os modos pelos quais um governo é deposto. Mas mesmo na guerra o Estado pode aumentar. A "defesa" do país e o estado de "emergência" dão azo a um enorme crescimento estatal interno e, quiçá, externo. Cumpre notar que os crimes mais pesadamente combatidos e condenados pelo Estado são os praticados contra ele mesmo. Daí as condenações de "traição", "deserção", "sonegação de impostos", entre outros.

Assim como há leis constitucionais para limitar internamente as ações do governo, assevera Rothbard no sexto capítulo, há leis internacionais, como as leis de guerra, para limitar o avanço agressivo de um Estado sobre outro. A intenção dessas regulações era diminuir a destrutividade dos conflitos bélicos, proteger os indivíduos dos riscos inerentes à guerra e preservar o comércio, mesmo com as nações inimigas.

A "santidade dos contratos" foi estendida aos tratados entre nações. Ocorre que, para Rothbard, contratos são legítimas transferências de propriedade privada, enquanto tratados não podem ter o mesmo efeito pela simples razão de o Estado não possui propriedade. Os descendentes de um proprietário que vendeu suas terras a outrem não podem pretender ter direito de propriedade sobre o terreno vendido. Uma nação, contudo, não está para sempre impedida de reivindicar territórios perdidos ou vendidos por um governo anterior.

O último capítulo trata a história econômica da humanidade como uma competição entre a produtividade criativa e a troca voluntária de um lado e a atividade ditatorial e predatória do outro. O poder social é o poder do homem sobre a natureza que resulta em produtividade, cooperação, riqueza e bem-estar. O poder estatal é o domínio do homem sobre seu semelhante, a forma predatória e parasitária de extorquir riquezas daqueles que a produzem.

Entre os séculos dezessete e dezenove o progresso científico teve como consequência o aumento da paz, da liberdade e do conforto material. Mas o século vinte viu o reino do Estado, agora amparado pelas conquistas dos séculos anteriores, pervertendo os objetivos originais desses avanços. O resultado foi opressão, guerra e destruição.

A conclusão de Rothbard é de que até o momento nenhuma solução adequada para o problema do Estado foi aventada. Independente das formas de governo e das tentativas de limitação do poder estatal, o crescimento do domínio do Estado sobre o indivíduo permanece um fenômeno constante na História. Novas vias de pensamento devem ser experimentadas se se quiser realmente solucionar esse problema. 

segunda-feira, 4 de julho de 2022

Causalidade eficiente na segunda via de Tomás de Aquino


"A segunda via é aquela da noção de causa eficiente. No mundo dos sentidos, testemunhamos que há uma ordem de causas eficientes. Não há caso conhecido (nem mesmo é possível) no qual uma coisa é causa eficiente de si mesma, pois nesse caso ela seria anterior a si mesma, o que é impossível. Em causas eficientes não é possível ir ao infinito, pois em todas as causas eficientes ordenadas a primeira é a causa da causa intermediária, e a intermediária é a causa da última, sendo a causa intermediária única ou múltipla. Ora, retirar a causa é retirar o efeito. Portanto, se não há uma causa primeira entre as causas eficientes, não haverá a última, e nem qualquer causa intermediária. Mas, se em causas eficientes for possível ir ao infinito, não haverá uma causa primeira, nem haverá um efeito último, e nem qualquer causa eficiente intermediária, o que é manifestamente falso. Logo, é necessário admitir uma causa eficiente primeira, a que todos dão o nome de Deus." (tradução minha)

TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, primeira parte, questão dois, artigo terceiro

As cinco vias de Tomás de Aquino (1225-1274) na Suma Teológica estão entre os mais conhecidos argumentos da história da teologia natural, o discurso racional-filosófico sobre Deus. Tendo como base a metafísica aristotélica, as vias pretendem demonstrar rigorosamente a existência de um princípio último de todas as coisas, usualmente denominado como Deus.

Como o próprio Tomás ressaltava, a primeira via, a do movimento, seria a mais evidente das cinco provas. Todavia, a segunda via é basicamente a mesma primeira via examinada do ponto de vista da causalidade eficiente. Seguindo a teoria do conhecimento aristotélica, as cinco demonstrações da existência de Deus têm as suas premissas hauridas da experiência sensível comum.

A segunda via inicia com a premissa de que no mundo testemunhamos que há uma ordem de causas eficientes. Em primeiro lugar, vemos pela experiência que o mundo é ordenado, isto é, que os entes apresentam um comportamento típico e invariável. Dizia Aristóteles, na Física, que a ciência trata daquilo que acontece sempre ou na maioria das vezes.

A ordem se caracteriza, portanto, por essa repetição de padrões. O acaso, por outro lado, é justamente o desordenado, aquilo que acontece por uma confluência fortuita de acontecimentos regrados e, por isso mesmo, não é repetível como a ordem. A observação da ordenação da realidade empírica é considerada tanto por Aristóteles quanto por Tomás de Aquino como um dado evidente.

Em segundo lugar, o pressuposto é que há uma cadeia ordenada de causas eficientes. Isto é, as causas estão ordenadas de modo que cada uma dê origem à causa seguinte, como se verá abaixo. A causa eficiente é uma das quatro causas esposadas por Aristóteles em sua Física (sendo as outras três a causa final, a causa formal e a causa material), e é caracterizada por efetivar um determinado efeito.

Cumpre notar que Tomás não está afirmando que "tudo tem uma causa" (um erro comum em diversos livros de História da Filosofia), pois não sabemos isso pela experiência sensível. Assim como na primeira via, cuja premissa era que "algumas coisas estão em movimento" e não "todas as coisas estão em movimento", o que testemunhamos é que há uma ordem de causas eficientes no mundo e não que todos os entes, quaisquer que eles sejam, possuem sua causa em um outro ente.

A segunda premissa é a de que nenhuma coisa pode ser causa eficiente de si mesma. De novo, os sentidos nos mostram empiricamente que aquilo que não existia e passou a existir só passa a existir pela ação causal de um ente já existente. Ninguém jamais testemunhou uma casa construindo-se a si mesma ou um ser vivo nascendo de si mesmo. A evidência empírica é considerada aqui como evidente.

Entretanto, há uma razão de ordem lógico-ontológica para negar a possibilidade de algo ser a causa eficiente de si mesmo. Do mesmo modo que na primeira via era impossível que um ente estivesse ao mesmo tempo e em um mesmo sentido em ato e em potência, aqui também será impossível que algo seja ao mesmo tempo a causa eficiente e o efeito dessa causa. Isso seria uma contradição evidente.

Ademais, nenhum ente pode causar algo se ele próprio não existe. Não existindo, o ente jamais poderia dar origem a qualquer coisa. Admitir que algo que não existe possa trazer a si mesmo à existência é admitir que algo possa vir do nada por si mesmo, o que é absurdo. Tanto a experiência quanto a lógica negam a possibilidade de um ente inexistente ser a causa eficiente de sua própria existência.

Tomás afirma em seguida que é impossível que uma sequência ordenada de causas eficientes possa ser infinita. Isso pelo fato de que, em uma cadeia ordenada, cada causa eficiente é causada por uma causa anterior e, por sua vez, é causa da causa seguinte, que será causa da subsequente, e assim por diante. Se a cadeia for ao infinito, nenhuma causa será de fato causa da seguinte.

É preciso lembrar que Tomás está se referindo a uma cadeia ordenada de causas eficientes, isto é, uma cadeia na qual nenhuma causa tem em si mesma o poder de causar a próxima, mas, ao contrário, recebe seu poder causal da causa anterior, e esta da anterior, e assim por diante. Em outros termos, cada ente deve sua existência ao ente que o causa, e este deve a sua existência a um ente anterior. Todo ente dessa cadeia deve sua própria existência a um ente anterior.

Acontece que, Tomás argumenta, se essa cadeia causal for ao infinito, não será possível explicar como um ente causa o próximo, já que nenhum deles possui em si mesmo o poder de gerar outro ente. Se cada um dos membros dessa cadeia depende do membro anterior para existir, então nenhum deles é de fato a causa do membro seguinte. 

Podemos usar uma analogia a fim de tornar mais acessível o pensamento tomista. Imagine-se uma cadeia de dez bolas enfileiradas. Estando como estão, nenhuma das bolas possui a capacidade de mover a próxima. Nenhuma bola pode mover a seguinte, uma vez que nenhuma delas pode mover a si mesma a fim de mover a próxima. Ou seja, será impossível que a primeira bola mova a segunda e esta mova a terceira, e assim por diante, até que finalmente a décima bola seja movida pela anterior.

Se adicionarmos mais bolas à cadeia enfileirada permaneceremos com a mesma situação. Dado que nenhuma bola move a si mesma, a adição de mais bolas, tantas quantas se queira, não mudará em nada o estado de coisas descrito acima. E mesmo se adicionamos uma quantidade infinita de bolas (se isso fosse possível!), cada uma ainda dependeria da anterior para mover-se. A analogia mostra que não importa o número de bolas que se adicione à cadeia, uma vez que nenhuma tem o poder de mover a si mesma, nenhuma delas poderá será movida.

Retornando à cadeia enfileirada de dez bolas, imagine-se agora que uma pessoa empurra a primeira bola. Imediatamente a primeira bola, movida pela pessoa, moverá a segunda, e esta moverá a terceira, e esta moverá a quarta, a quarta moverá a quinta, a quinta moverá a sexta, a sexta moverá a sétima, a sétima moverá a oitava, a oitava moverá a nona, e esta, finalmente, porá em movimento a décima e última bola. A diferença aqui é a admissão de uma primeira causa, a pessoa que empurra a primeira bola.

Se não houvesse a pessoa para mover a primeira bola, a décima não poderia se mover. O que permite a cada bola intermediária mover a seguinte é justamente o poder causal que ela recebe, em última instância, da pessoa que coloca a primeira bola em movimento. Assim, não havendo a primeira ação causal efetuada pela pessoa, não haveria como cada bola transmitir à seguinte o movimento que recebeu. No fundo, a causa primordial e verdadeira é a pessoa.

Por essa razão, a única alternativa é admitir uma primeira causa eficiente que causa as seguintes. É mister tornar claro o motivo de haver uma primeira causa. Como cada ente que causa a existência do seguinte, em uma cadeia ordenada de causas eficientes, recebe causalmente sua existência de um ente que lhe é anterior, nenhum desses entes tem em si mesmo a fonte de sua existência. Sendo assim, o poder de causar a existência do ente seguinte na cadeia é recebido do ente anterior.

Houvesse um número infinito de entes que causam outros entes em uma cadeia ordenada, nenhum deles seria por si mesmo capaz de causar a existência do seguinte. Seria então impossível explicar como cada ente surge do precedente. Duas possibilidades de solução se apresentam: ou bem algum dos entes da cadeia consegue causar a si mesmo, ou bem será preciso admitir uma causa primeira incausada. A primeira opção é contraditória, como visto acima.

Resta a segunda opção, a existência de uma causa primeira incausada. Aqui são necessários alguns comentários. A primeira causa tem de ser incausada, pois se ela tivesse uma causa seria indistinguível das outras causas da cadeia. Em outros termos, ela seria mais um elemento da cadeia e não a sua causa primária.

Mas será necessário admitir uma causa incausada, uma vez que a segunda premissa do argumento tomista diz que nenhum ente pode ser a causa eficiente de si mesmo? De novo, a premissa não diz que "tudo tem uma causa." Se essa fosse a afirmação, então não seria possível falar de uma causa incausada, pois "tudo tem uma causa" exclui a possibilidade de que algo não tenha uma causa. Deus, portanto, teria ele mesmo de ter uma causa.

Contudo, a premissa tomista não afirma que tudo tem uma causa, mas somente que um ente não pode ser a causa eficiente de si mesmo. O que está pressuposto é que se um ente necessita de uma causa eficiente para existir, significa que esse ente nem sempre existiu. Se não existiu sempre, precisou de uma causa eficiente para vir a existir, pois nenhum ente pode vir do nada por si mesmo. A premissa, por conseguinte, não exclui a possibilidade de um ente que não possua causa. O que ela exclui é a possibilidade de um ente que não existia passar a existir pela ação causal de si mesmo. 

Um segundo comentário se impõe. Se admitimos que explicar significa identificar as causas necessárias e suficientes de um fenômeno, então nenhuma explicação legítima pode postular um regresso ao infinito de causas ordenadas. Afirmar que um fenômeno possui infinitas causas é o mesmo que afirmar que não é possível conhecer as causas desse fenômeno, pois é impossível conhecer um número infinito de causas (ou de qualquer coisa). 

Aristóteles já ensinava que uma prova requer premissas que não necessitem de provas. Toda demonstração necessita partir de premissas indemonstráveis, sabidamente verdadeiras. Se cada premissa precisa ser inferida de uma premissa anterior, haverá um regresso ao infinito, impossibilitando a construção de uma prova legítima (como os céticos gregos perceberam). 

Assim, existe uma ligação entre a segunda via e a própria possibilidade do conhecimento demonstrativo. A existência de Deus é, analogamente, como a premissa indemonstrável que é exigida de toda prova. Se não pudermos postular a existência de uma causa primeira, teremos que admitir que o mundo é, ao fim e ao cabo, ininteligível. A realidade seria incompreensível, pois toda cadeia causal ordenada seria infinita e, portanto, impossível de ser conhecida. E como cada causa depende da anterior, nenhuma das causas explicaria o fenômeno, nenhuma delas seria realmente uma causa.

Nos termos em que a segunda via é colocada, a questão da existência de Deus como causa incausada está ligada à própria possibilidade do conhecimento demonstrativo. Se de fato houver uma cadeia infinita de causas eficientes para cada ente que depende de outro para vir à existência, então nenhum desses entes terá uma explicação legítima. Toda causa dependerá de uma causa anterior ad infinitum. Nesse contexto, a existência de Deus é a condição de possibilidade da compreensão do mundo.

Um último comentário seria oportuno. Quando Tomás (junto com Aristóteles) afirma que Deus é a causa eficiente primeira, ele não está se referindo a um regresso temporal. Não significa que Deus tenha causado o mundo em algum tempo distante, mas sim que Deus é a causa simultânea de todos os entes existentes. Em uma cadeia ordenada de causas eficientes cada ente causa a existência do seguinte e recebe sua existência do ente anterior simultaneamente. Não há um intervalo temporal entre causa e efeito, como um galho se verga sob o peso de um pássaro pousado sobre ele.

...

Leia também:

Νεκρομαντεῖον: Tomás de Aquino (oleniski.blogspot.com)