"Nosso ambiente é dominado por objetos que incorporam os resultados de um desenho intencional (prédios, livros, computadores, colheres de chá). A física de hoje não tem nada a dizer sobre a intencionalidade que resultou na existência de tais objetos, ainda que essa intencionalidade seja claramente efetiva." (tradução minha)
GEORGE ELLIS, Physics, Complexity and Causality, in NATURE, v.435, jun.2005
O trecho acima destacado é tirado de um artigo de autoria do sulafricano George Ellis, físico, cosmólogo e professor de matemática aplicada do Departamento de Matemática da Universidade da Cidade do Cabo. Ellis já escreveu livros em parceria com Stephen Hawking e é considerado uma das maiores autoridades em cosmologia atualmente.
Nesse interessante artigo Ellis mostra como a física moderna é incapaz de dar conta de objetos que apresentam qualquer grau de desenho intencional. Certamente pode-se descrever matematicamente as leis que subjazem ao comportamento dos corpos, mas não se pode explicar os objetos que são frutos de desígnio finalista.
Em outras palavras, para a física a teleologia de certos objetos como o bule de chá permanece inexplicada. Por outro lado, esse estado de coisas tem uma história bem definida. Ele surgiu ainda no século XVII quando os proponentes da nova física abandonaram a física qualitativa e teleológica de Aristóteles e fundaram seu programa de pesquisas numa ontologia quantitativa.
Para tais pensadores, só o que pode ser lido pela linguagem das matemáticas pode ser objeto de ciência. Sua ousadia foi até ao ponto de afirmar que as qualidades sensíveis, cotidianamente observadas (cheiros,cores, sabores, etc..), nada mais eram do que impressões subjetivas e que, na realidade, a natureza última das coisas era matemática. O mundo não seria mais do que matemática reificada.
Ora, como mostramos diversas vezes em posts anteriores, uma ontologia matemática do real não deixa espaço para nenhuma teleologia. Tudo no mundo se processa como num grande mecanismo sem qualquer finalidade.
Aristóteles considerava que os filósofos antes dele haviam somente tratado das causas materiais e defendia que uma física deveria dar conta de todos os fenômenos observados, inclusive aqueles que apresentam uma causalidade final consciente como a ação humana. Por outro lado, o filósofo grego via também uma teleologia agindo em todo o fenômeno, ainda que não por uma ação consciente.
Em cada coisa há uma essência (Eidos, Forma) que é passada do progenitor à sua descendência nos seres vivos ou imposta por um agente nos seres inanimados e que age na matéria (Hylé, substrato primário de cada coisa) internamente levando-a a atualizar determinadas potencialidades. Assim, por exemplo, a Forma que está na mente do construtor e que é imposta aos materiais adequados se tornará, ao final do processo, uma casa atual.
Para Aristóteles seria absurdo achar que o que somos foi formado, ainda que num primeiro momento, pelo choque casual e randômico de partículas. A possibilidade de um único ser complexo qualquer a partir do acaso já seria difícil demais para ser concebida, mas o mundo é feito da repetição de comportamentos típicos.
A água é água porque o mesmo comportamento observável e características internas (composição química) pode ser verificado em cada gota. Um animal determinado pode ser identificado como um cão porque suas características físicas e comportamentais se coadunam com aquelas da espécie canina.
Não há compreensão do singular sem que se remeta a um universal. Cada coisa neste mundo se refere a um gênero e a uma espécie. Não há nenhum objeto que seja rigorosamente sui generis. E o universal é a essência da coisa. É aquilo que faz que uma coisa seja o que é e não outra coisa e que garante o comportamento típico que apresenta.
Essa perspectiva foi abandonada, ao menos no nível teórico, pela ciência moderna. Contudo, restava ainda o fantasma da finalidade consciente humana dentro da moderna máquina sem-propósitos. Tentou-se então a redução dessa teleologia ao mecanismo.
Mas como aponta com prespicácia A. N. Whitehead, "nunca se observou, entre os componentes materiais de um corpo animal, qualquer reação que, de algum modo, restringisse as leis químicas e físicas aplicáveis ao comportamento da matéria inorgânica. Isso, entretanto, é uma proposição muito diferente da doutrina de que nenhum princípio adicional pode estar envolvido."
O interessante no artigo de Ellis é que ele aponta para as deficiências do modelo teórico adotado pela ciência desde o século XVII. Evidentemente, as questões que podem ser derivadas da crítica dessas deficiências são muito mais complexas do que é possível aqui tratar. De qualquer forma, essa é uma discussão que considero das mais importantes e que parece não pode mais ser postergada.
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Artigo de George Ellis:
Um comentário:
Se o link acima não funcionar:
https://www.nature.com/articles/435743a.pdf
https://www.nature.com/articles/435743a
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