Um dos aspectos menos conhecidos e estudados nas obras dedicadas à introdução e à crítica da filosofia de Karl Popper é o caráter convencionalista de sua epistemologia. Certamente seu convencionalismo não é o mesmo de um Édouard LeRoy e não se aproxima de modo algum das tendências instrumentalistas contemporâneas.
É certo também que esse aspecto convencionalista foi pouco salientado pelo próprio filósofo austro-britânico em suas obras posteriores ao Logic of Scientific Discovery. Neste post, nosso objetivo é esclarecer sucintamente o sentido desse convencionalismo.
É certo também que esse aspecto convencionalista foi pouco salientado pelo próprio filósofo austro-britânico em suas obras posteriores ao Logic of Scientific Discovery. Neste post, nosso objetivo é esclarecer sucintamente o sentido desse convencionalismo.
Cumpre esclarecer logo de início: Popper era um realista. Ou seja, para Popper o mundo externo não era uma projeção da mente, o véu de Maya, ou qualquer coisa parecida, e sim a realidade sobre a qual as teorias eram lançadas e podiam ser testadas por suas conseqüências preditivas.
O realismo de Popper é o realismo do senso comum, do homem comum. Entretanto, ele admitia que esse mesmo realismo não era uma teoria científica (ou seja, não era refutável empiricamente) e sim uma tese metafísica que podia ser defendida por ser frutífera para a atividade do conhecimento e por ser inspiradora de teorias científicas, essas sim, refutáveis.
Ora, o Popper realista não acreditava na validade das inferências baseadas no raciocínio indutivo e defendia que a ciência mesma não poderia se basear numa metodologia indutiva. O mundo externo jamais poderá fornecer instâncias singulares confirmadoras suficientes para qualquer teoria que contenha enunciados universais do tipo “todos os corvos são pretos”.
Se a resposta não está na indução, onde estará? “No método hipotético-dedutivo”, Popper responde. De teorias (consideradas como sistemas de premissas contendo enunciados universais, condições iniciais e hipóteses auxiliares) deduzem-se predições que podem ser testadas empiricamente. E, se estas forem confirmadas, a teoria é momentaneamente (até o próximo teste) corroborada e se as predições revelarem-se falsas, a teoria está refutada.
O mundo externo não pode dizer conclusivamente que nossas teorias científicas são verdadeiras (pois não há forma de verificá-las definitivamente), mas pode nos dizer que elas estão erradas. Como numa teologia negativa em que Deus é descrito pelo que Ele não é, a epistemologia popperiana fala do mundo a partir da negação de nossas teorias.
É no erro que a realidade é tocada. Sem que haja termo concebível para esse processo, é na depuração dos erros nos aproximamos da verdade. Não sabemos quando estamos certos, mas sabemos quando estamos errados.
Popper pretende apresentar seu método hipotético-dedutivo de testes como uma alternativa passível de resolver os problemas insolúveis da metodologia indutivista e de fomentar o progresso do conhecimento.
É por suas conseqüências que seu método deverá ser avaliado. Popper não acredita numa descrição naturalista da ciência (caracterizá-la a partir de como ela se comporta na realidade), pois o que chamamos ciência será sempre matéria de convenção.(POPPER, 1968, p.52)
A decisão de qual metodologia adotar vai depender da comparação entre metodologias rivais. Deve-se adotar aquela que, na aplicação, não revele inconsistências e nos ajude no progresso do conhecimento.
"Minha única razão para propor meu critério de demarcação é que ele é frutífero: que um grande número de pontos podem ser clarificados e explicados com sua ajuda.(...) O filósofo também vai aceitar minha definição como útil somente se ele puder aceitar suas conseqüências. Nós devemos garantir-lhe que tais conseqüências nos habilitam a detectar inconsistências e inadequações em antigas teorias do conhecimento e traçá-las até suas asserções fundamentais e convenções das quais elas fluem. Mas devemos também garanti-lo de que nossas próprias propostas não são ameaçadas pelos mesmos tipos de dificuldades." ( POPPER, 1968, p.55)
Aqui se revela o primeiro sentido do convencionalismo popperiano. A metodologia que Popper propõe não é uma descrição de como os cientistas atuam, mas uma convenção metodológica cuja aceitação se baseia em seus méritos em resolver os problemas da metodologia indutiva sem criar outras inconsistências.
Entretanto, o convencionalismo popperiano se reveste de um segundo sentido que se liga intimamente à questão da refutabilidade. Uma teoria para ser científica deve, segundo Popper, fornecer predições testáveis intersubjetivamente deduzidas do conjunto de premissas que a compõem. Se é somente na refutação dessas predições que podemos tocar a realidade e depurar nossos erros, é então conceptível que essa refutação seja definitiva.
Infelizmente isso não é verdade. Popper admite que mesmo a refutação não é conclusiva. Isso se deve ao caráter hipotético das evidências fornecidas pela base empírica (os enunciados empíricos sob teste) que, afinal, também se baseiam em teorias que não podem ser verificadas, mas somente refutadas. A refutação, Popper admite, será fruto de uma decisão em aceitar a evidência empírica uma vez que esta é fornecida por aparelhos, instrumentos e testes criados a partir de teorias cuja verdade é indeterminável.
Por outro lado, Popper também é cuidadoso ao afirmar que o Modus Tollens (forma inferencial em que se baseia o falseabilismo) se refere somente às sentenças tomadas como tal e nenhuma evidência empírica pode refutar logicamente uma sentença. A refutação se dá somente entre sentenças. A evidência empírica não pode justificar logicamente uma refutação; ela pode, no máximo, motivar uma decisão. Popper assume, assim, que o falseamento se funda numa decisão e, no fim, numa convenção. (POPPER, 1968, p.105/109)
Popper, no entanto, salienta que seu convencionalismo aqui é diferente daquele dos filósofos convencionalistas tradicionais. Enquanto estes afirmam serem convenções os enunciados universais das teorias científicas, Popper afirma que convencionais são somente os enunciados da base empírica. São os enunciados que fornecem a evidência da refutação ou corroboração de uma teoria que devem ser aceitos como dogmas.
São dogmas, contudo, de um tipo inofensivo, assevera Popper, pois podem ser colocados em questão sempre que necessário. O que se pode fazer é aceitar esses enunciados de base empírica como satisfatória e suficientemente testados evitando assim o regresso infinito.
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*POPPER, Logic of Scientific Discovery,1968
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Artigo publicado na Revista ALTER ano VII número 10 - 2008
"Minha única razão para propor meu critério de demarcação é que ele é frutífero: que um grande número de pontos podem ser clarificados e explicados com sua ajuda.(...) O filósofo também vai aceitar minha definição como útil somente se ele puder aceitar suas conseqüências. Nós devemos garantir-lhe que tais conseqüências nos habilitam a detectar inconsistências e inadequações em antigas teorias do conhecimento e traçá-las até suas asserções fundamentais e convenções das quais elas fluem. Mas devemos também garanti-lo de que nossas próprias propostas não são ameaçadas pelos mesmos tipos de dificuldades." ( POPPER, 1968, p.55)
Aqui se revela o primeiro sentido do convencionalismo popperiano. A metodologia que Popper propõe não é uma descrição de como os cientistas atuam, mas uma convenção metodológica cuja aceitação se baseia em seus méritos em resolver os problemas da metodologia indutiva sem criar outras inconsistências.
Entretanto, o convencionalismo popperiano se reveste de um segundo sentido que se liga intimamente à questão da refutabilidade. Uma teoria para ser científica deve, segundo Popper, fornecer predições testáveis intersubjetivamente deduzidas do conjunto de premissas que a compõem. Se é somente na refutação dessas predições que podemos tocar a realidade e depurar nossos erros, é então conceptível que essa refutação seja definitiva.
Infelizmente isso não é verdade. Popper admite que mesmo a refutação não é conclusiva. Isso se deve ao caráter hipotético das evidências fornecidas pela base empírica (os enunciados empíricos sob teste) que, afinal, também se baseiam em teorias que não podem ser verificadas, mas somente refutadas. A refutação, Popper admite, será fruto de uma decisão em aceitar a evidência empírica uma vez que esta é fornecida por aparelhos, instrumentos e testes criados a partir de teorias cuja verdade é indeterminável.
Por outro lado, Popper também é cuidadoso ao afirmar que o Modus Tollens (forma inferencial em que se baseia o falseabilismo) se refere somente às sentenças tomadas como tal e nenhuma evidência empírica pode refutar logicamente uma sentença. A refutação se dá somente entre sentenças. A evidência empírica não pode justificar logicamente uma refutação; ela pode, no máximo, motivar uma decisão. Popper assume, assim, que o falseamento se funda numa decisão e, no fim, numa convenção. (POPPER, 1968, p.105/109)
Popper, no entanto, salienta que seu convencionalismo aqui é diferente daquele dos filósofos convencionalistas tradicionais. Enquanto estes afirmam serem convenções os enunciados universais das teorias científicas, Popper afirma que convencionais são somente os enunciados da base empírica. São os enunciados que fornecem a evidência da refutação ou corroboração de uma teoria que devem ser aceitos como dogmas.
São dogmas, contudo, de um tipo inofensivo, assevera Popper, pois podem ser colocados em questão sempre que necessário. O que se pode fazer é aceitar esses enunciados de base empírica como satisfatória e suficientemente testados evitando assim o regresso infinito.
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*POPPER, Logic of Scientific Discovery,1968
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Artigo publicado na Revista ALTER ano VII número 10 - 2008
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